Vou contar-te uma história.
Uma história?
Sim, uma história…
Há muitos anos,
Muitos?
Sim, muito, muitos…
Havia um menino, o menino
dos calções, que desenhava no mar barcos em papel e tinha no tecto onde dormia,
estrelas, estrelas que falavam,
Que fixe, estrelas que
falavam!
As estrelas falam?
Nem todas, estas sim.
O menino passava as
tardes debaixo da sombra das mangueiras a sonhar, sonhava que um dia, um
qualquer dia, voava, que um qualquer dia todo o mar era só dele, sonhava,
sonhava muito,
O que é sonhar?
Sonhar…
Sonhar é vestir-se de
pássaro, e
Voar.
Sonhar é vestir-se de
pássaro e voar sobre a cidade, quando a cidade, toda a cidade, está escondida
no cacimbo, sonhar é vestir-se de pássaro e voar em cada manhã que acorda,
quando o sono já dorme,
Também posso vestir-me de
pássaro e voar?
Sim, claro, claro que sim…
e deves.
Um dia, o menino dos
calções e das estrelas em papel, um qualquer dia, descobriu uma caixinha muito
pequenina, muito
Muito, muito?
Sim… muito pequena, e
nesse dia, um qualquer dia, tentou abrir a caixinha, tentou, tentou… até que
consegui,
O que tinha a caixinha?
Olha… um coração,
Um coração?
O que é um coração?
Bem…
Para mim, que estudo
engenharia mecânica e que nunca serei engenheiro, o coração é uma bomba, apenas
isso, uma bomba que não se cansa de trabalhar, noite e dia, dia e noite, até
que um dia, qualquer dia, pára. Para outros, o coração é amor,
O menino pegou com muito jeitinho
no coração, olhou-o como se olham as flores, com muito cuidado (olha, nunca
trates mal as flores)
Porquê?
Porque as flores também
sofrem… e precisam de amor e carinho, tal como as estrelas que falavam e que brincavam
todas as noites no quarto do menino dos calções e das estrelas em papel,
E enquanto o menino fazia
festinhas no coração, este… este sorriu-lhe e disse-lhe
Olha, gosto muito de ti.
O menino não queria
acreditar, e desde então, até hoje, o menino tinha sonhos, vestir-se de pássaro
e voar…
O menino acreditava, que
um dia, um qualquer dia, o mar lhe entraria pela janela, e o levava para muito
longe, onde outros meninos, também eles com calções e que tinham estrelas em
papel no tecto do quarto e que também elas, como as do outro menino falavam, seria
sempre o menino dos calções,
E hoje, ainda é o menino
dos calções?
Não, não…
Com os anos, o menino
deixou de se vestir de pássaro e de voar…
E a cidade que se
escondia dentro do cacimbo?
Está lá…
Está lá, muito longe… tal
como as asas do menino dos calções e das estrelas em papel.
Nunca deixes de te
vestires de pássaro e voar…
Alijó, 29/04/2023
Francisco Luís Fontinha