Um dia, um dia seremos poeira, um dia seremos a fotografia na secretária de alguém, um dia…
Um dia somos tudo, ao
outro dia… somos nada.
A espada de luz
Que aos poucos se
alicerça no meu peito
É a chave que a noite me
dá
É a chave que a noite me
tira
A espada de luz
Que invento nos meus
olhos
Será o veneno dos meus
sonhos
Enquanto eu tiver sonhos
Enquanto eu tiver vida,
Enquanto eu tiver noite
Enquanto eu tiver olhos
Enquanto esta espada de
luz tiver vida
Vida própria
Emoções
Cansaços
E desilusões,
Esta pequena espada de luz
Levar-me-á ao silêncio
dos teus olhos
Enquanto os teus olhos
Enquanto esta espada de
luz
Tiverem vida
Enquanto o meu peito
For um pedaço de mármore
abandonado
Um pedaço de mármore sem
memória.
16/04/2023
Francisco Luís Fontinha
Em que penso
Em nada
Penso que gostava que
todos aqueles objectos
Amontoado de coisas e
loisas…
Literalmente na fogueira.
Penso na alegria
De me sentar numa pedra
Uma pedra simples
E sorrir
Enquanto tudo arde.
E penso que ainda te amo
Claro que ainda te amo…
O facto de teres partido
Nunca deixarei de te amar
Mas odeio tudo aquilo que
te pertenceu.
Odeio olhar-te dentro de
um caixilho
Nem sequer te olho e
finjo que não te olho
Odeio todas as coisas que
foram tuas
E também odeio as minhas
coisas (todos os meus livros)…
E não faço nada do que me
pediste…
E o que faço
Faço-o ao contrário daquilo
que me pediste.
15/04/2023
Francisco Luís Fontinha
Abraço-te
Nuvem de espuma
Flor sincera das manhãs
em delírio
Abraço-te corpo pincelado
em desejo…
Quando mergulhas nos meus
olhos
E te misturas no meu
daltonismo,
Abraço-te meu poema em
construção
Palavra que lanço ao
vento
Semente de beijo
Que os teus lábios
acolhem…
Abraço-te
Na misera escuridão das
minhas mãos…
Abraço-te
E acaricio-te como se
fosses um livro
Uma página de mar
Um livro que leio
Um livro onde escrevo
Um livro em paixão,
Abraço-te
Sob todas as constelações
do Universo
Criação de Deus
Que criou a mulher
Que criou o abraço
Abraço-te meu amor com o
meu abraço…
Abraço-te
Nas primeiras páginas da
manhã
Abraço-te quando dos
lábios do pôr-do-sol…
Uma abelha em flor
Também ela
Te abraça… também ela… te
abraça e deixa um pedacinho de mel nos teus doces lábios.
Alijó, 14/04/2023
Francisco Luís Fontinha
Escondíamo-nos dos tristes candeeiros nocturnos
Quando a paixão espiava o
acordar da noite,
Sabíamos que dentro
daquele rio,
Envenenado até à foz,
Escondia-se o inferno de
amar,
E cada palavra que
semeávamos na árida terra de ninguém…
Uma gaivota de luz poisava-nos
sobre os ombros estonteantes,
Éramos novos,
Passávamos a tarde a
contar cacilheiros,
Linhas rectas traçadas no
olhar…
E só acordávamos do outro
lado do rio,
Quando ouvíamos os apitos
em despedida…
A despedida,
A eterna despedida,
A ausência do corpo…
Quando o corpo pede o silêncio,
E da boca,
Chegava-nos o desejo…
E um longo beijo se
erguia na alvorada,
Era triste o teu olhar,
Madrugada da simplicidade…
Eram tristes as manhãs
junto às tuas mãos,
Quando do teu rosto,
As lágrimas se despediam
da tua sombra,
Eram tristes as nossas
tardes,
Como eram tristes todas
as nossas bebedeiras e voos frenéticos junto ao mar…
Como ainda são tristes as
tuas palavras,
Que escondo dentro de
mim,
Como se pertencessem a
uma lápide de luz…
Invisível,
Que apenas eu tenho
acesso,
Eram tristes os poemas
que te escrevia,
Como tristes se sentiam as
minhas esferográficas…
Quando percebiam que te
ia escrever,
E no entanto,
Escrevia-te…
Sem saber se junto ao
rio,
O teu rosto de gaivota,
Ainda brinca com as
crianças…
Ou se também ele já
partiu,
Éramos tristes,
Éramos a ausência de uma
cidade que constantemente vomitava silêncios…
E sempre que um de nós
tombava no pavimento do medo,
Sentíamos a presença das
estrelas que nos davam a mão…
E nos levantava…
Ora a mim,
Depois…
Depois,
Partiram todos os
milhafres do nosso olhar,
Caravela quinhentista,
Gavião da minha tristeza,
Partiram todos…
Partiram sem se despedirem
de nós…
Assim…
Como partem as andorinhas
quando termina a Primavera,
Nunca se despedem,
Partem.
Alijó, 14/04/2023
Francisco Luís Fontinha
Procuro dentro deste sono adocicado
Com silêncio de uísque
E perfume de incenso
Os teus doces lábios de
mar
Das marés junto aos rochedos.
Das barcaças que partem
E levam os corações
partidos
Pedaços de açúcar
Pedacinhos de néon
Que dorme na cidade.
Desta velha cidade
Desta cidade envidraçada
Com espelhos e montras
iluminadas
E do teu corpo
As minhas mãos
acorrentam-se ao teu ventre.
Procuro nesta cidade
O doce sono salgado
Dos teus doces lábios de
mel
A fina areia do Mussulo…
Quando um menino se
despede do dia.
Procuro
Dentro
De ti
Procuro nas tuas coxas…
O silêncio da Primavera e
o suspiro das árvores.
Alijó, 13/04/2023
Francisco Luís Fontinha
Meu amor
Das tórridas noites de
insónia
Meu amor em equação
Que pertence à noite
Da noite tua mão.
Meu amor
Em flor alegre coração
Do mar ao rio
Aquela canção
Que sobre o teu peito
poisa
Que o teu peito beija.
Lábios meus
Meu amor
Em teus lábios em poesia
Que me traz a alegria
Que me acorda o dia.
Meu amor
Das palavras semeadas
Das palavras embrulhadas
No teu clitóris…
Meu amor de veneno
Feitiço dos poemas em
construção
Meu amor
Meu amor
Amor…
E se a noite te beijar…
Aceita-a tal como ela é
Beija-a também
Meu amor
Meu bebé.
Alijó, 13/04/2023
Francisco Luís Fontinha