quinta-feira, 13 de abril de 2023

Um amigo

 Peço ao vento

Um amigo

Um amigo que informe o outro senhor vento

Que não me traga mais vento

E se me trouxer mais vento

Que o faça com cuidado

Com carinho

E com amor de vento

Porque do vento que ainda me resta

Pouco vento

Algum vento

Sem lamento

E no entanto

Estou sempre sem vento.

 

Peço ao vento

Um amigo

Um amigo de vento

Quando do outro vento

Regressam as palavras do vento

E se virem o vento

Digam-lhe…

Que isto de andar pela cidade ao vento

Sem trazer na mão

O outro vento

Não é tempestade

É stressante.

 

Peço ao vento

Um amigo

E um outro pedaço de vento

Um amigo que não tenha pensamento

Assim como o vento

Porque o vento não pensa

Porque o vento não sente na cara…

Todo o outro vento.

 

Peço ao vento

Um amigo

Um cigarro de vento

E claro

O isqueiro resguardado do vento

Depois encerro a minha janela

Claro

Tudo por causa do maldito vento

Do vento

Que não entendo

Porque está sem tempo

O pobre do vento

Que não pensa

Que não tem pensamento

Um amigo

Um triste cigarro de vento

Enquanto isso

Do vento

Com vento

Este poema de vento e sempre às ordens do mestre vento.

 

Peço ao vento

Sei lá o que pedir ao vento

Chuva com vento

Sol sem vento

Pássaros enrolados no vento

Ou uma simples sandes de torresmos

E claro

Acompanhada com vento

Tinto.

 

Peço ao vento

Um amigo

Um amigo com muito vento

Um amigo entre tantos soltos no vento

E quando o vento mo trouxer

Que seja durante a noite

E que não esteja muito vento.

 

Um amigo

Um amigo de vento

Um amigo com as mãos no vento

E a cabeça no outro vento

Enquanto

Sem penso

E sem pensamento

Este amigo de vento

Este meu pobre amigo de vento

Que eu lamento

Foi-se com o vento.

 

 

Alijó, 13/04/2023

Francisco Luís Fontinha

O beijo

 Desenho nos teus seios

Meu amor

Um beijo de luz,

Escrevo nos teus seios

Meu amor

Um beijo de mar,

Beijo os teus seios

Meu amor

E deixo nos teus seios

Meu amor…

Um beijo de luz

Quando a noite se abraça ao luar

Quando da noite

Vêm a ti

Todas as estrelas

E todo o mar.

 

 

Alijó, 13/04/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Cartas de amor

 Já ninguém escreve cartas. Já ninguém escreve cartas de amor, cartas perfumadas… papel com corações, janelas que se abriam e só se encerravam depois da alvorada.

E enquanto escrevia cartas, sentia no rosto os pingos da ausência, sentia no rosto as lágrimas embalsamadas das cartas que escrevia, das cartas que guardava, já ninguém escreve cartas, já ninguém… me envia cartas.

E às vezes, muitas vezes, pergunto-me se recebesse cartas… o que faria eu?

Provavelmente, não as abria.

Enterrava-as junto ao mar, ou muito mais simples, queimava-as antes de abrir.

Uma vez por semana, esperava o regresso do carteiro, que me trazia uma carta perfumada, uma carta escrita na alvorada, hoje, hoje já ninguém escreve cartas, já ninguém escreve cartas de amor.

Cartas perfumadas. Papel com corações desenhados, fotografias a preto e branco, um telefonema de dois em dois dias… e claro, uma vez por semana, o amigo carteiro trazia-me cartas, cartas perfumadas, cartas de uma ausência, a minha, quase sempre não as lia, quase sempre as guardava na gaveta dos sonhos, por abrir; depois, dias depois, quando eu regressava das minhas viagens à lua, abria-as todas, uma por uma, e enganava a ressaca com as palavras de amor que recebia.

Ai as cartas, as cartas perfumadas, as cartas da ausência, nas cartas onde me escondia, nas cartas onde eu sabia que tinha um abraço, um beijo, um… quase nada.

Cartas.

As ausentes e as remetidas, as cartas recebidas e expelidas contra o sono, e durante toda a noite ouvia o ranger dos meus ossos, e durante a noite

Cartas, recebia cartas.

Aos ausentes, aos mortos que ainda hoje, alguns, me enviam cartas.

Cartas perfumadas, cartas de uma ausência enquanto a noite entrava em mim e sentia no meu corpo as amarras do cansaço, e sentia no meu corpo o brotar das flores de aço e dos pregos que aos poucos,

Das cartas em sono,

O meu regresso da lua.

Coitadas das cartas, coitadas…

Hoje, hoje já ninguém escreve cartas;

Cartas de amor.

Cartas perfumadas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

12/04/2023

Poema vaginal

 Bebo pouco.

Bebo enquanto a noite se despede da noite anterior

Enquanto a noite anterior se despede da noite passada

Bebo pouco

Fumo muito

Coisas estranhas

Coisas esquisitas

Bebo coisas

E fumo uísque de malte.

 

Sento-me nesta cadeira sem nome

Onde posso observar as caravelas

E os petroleiros a entrarem no Tejo

Bebo pouco

Muito pouco

Bebo alguns cigarros

E fumo muito

E fumo uísque de malte.

 

E escrevo.

Escrevo muito

Bebo pouco

Fumo coisas e loisas

E escrevo

Escrevo-te

Escrevo-me

E escondo-me dentro deste Oceano de prazer

Depois oiço os gemidos das tuas coxas

Como gonzos da madrugada

Quando se masturbam

Bebo

Fumo

E escrevo

E escrevo-me

E escrevo-te

Não escrevendo

Enquanto bebo todos os cigarros

E enquanto fumo todo o uísque de malte.

 

A noite traz-me os parêntesis rectos da equação do sono

E da derivada vaginal do teu corpo

As palavras que fumo

O fumo das palavras

Também as bebo

E beijo…

E também as como.

Gemes em pequenos silêncios de medusa

Orquídea dos meus poemas

Bebo coisas e loisas

Fumo todo o uísque dos teus lábios

E invento círculos de luz

Nos teus seios maternais.

 

Bebo

Muito pouco daquilo que fumo

E enquanto bebo todos os cigarros

E enquanto fumo todo o uísque dos teus lábios

Peço perdão ao teu cabelo

Peço desculpa aos teus olhos…

Peço… um beijo aos teus lábios.

 

 

Alijó, 12/04/2023

Francisco Luís Fontinha

Os gritos da alma

 Habita em ti

Minha doce flor em Primavera,

A ribeira da paixão,

Onde banho a minha mão

Quando escrevo no teu corpo

Amo-te…

E desenho no teu corpo

Desejo-te…

 

Habita em ti

A poesia das palavras,

Melodia matinal

Quando do teu corpo

Acordam as sanzalas da minha infância.

 

Abraço-me em ti

Pedacinho das marés envenenadas,

Poema das tardes à espera do pôr-do-sol…

Habita em ti,

Flor cansada,

As estrelas dos teus olhos

E as estrelas da madrugada.

 

Habita em ti,

Coração das noites prateadas,

Minha canção de embalar…

Habita em ti todo o silêncio do mar…

Todo,

Quando habita em ti a paixão

E o verbo desejar.

 

Habitam em ti,

Minha Princesa das noites de insónia,

As sílabas que o poema inventa,

E dos teus lábios,

E dos meus lábios…

Acordam os gritos da alma...

 

 

 

Alijó, 12/04/2023

Francisco Luís Fontinha

As palavras de amar

 Poisas as tuas mãos nocturnas

No meu corpo em desejo

Meu doce mar

Das acácias em flor,

 

Poisas as tuas mãos

Meu amor,

No meu corpo em perfeito movimento

Em torno de um eixo

Em perfeita rotação,

À espera do vento

… na espera de um beijo,

 

Poisas as tuas mãos

Meu pedacinho de mel

Das madrugadas em poesia

Enquanto esperamos o nascer do dia…

Enquanto esperamos a ausências das estrelas…

Que deixaste no meu corpo,

 

Poisas as tuas mãos

Pequeno silêncio

Dos mares nunca navegados

Que dos meus lábios em poisa

Que nos meus lábios acorda…

O luar,

 

Poisas as tuas mãos

Pirâmide do Egipto

Milhafre em dor,

Poisas as tuas mãos

Meu amor,

Enquanto a ribeira da paixão

Deixou de correr para o mar…

E do meu corpo em construção

Acordam as palavras de amar.

 

 

 

Alijó, 12/04/2023

Francisco Luís Fontinha

O livro da maldição

 Este livro

Que leio

E folheio

Que manuseio

Como se fosse mais um livro

Este livro

Onde escrevo

Onde durmo

Onde habito

Este livro

Deste livro

Do livro do meu viver.

 

Deste livro onde nasci

Neste livro onde cresci

E vivi

E brinquei…

Deste livro onde amei

E chorei

E gritei.

 

Deste livro a que chamam de vida

De viver

Deste livro de sofrer

Este livro

Entre muitos outros livros

Neste livro

Onde me sento

E escrevo

E olho o rio

E do rio vejo o mar

Deste livro de viver

Neste livro de amar.

 

Deste livro

Nos jardins junto à Torre

Dos barcos deste livro

Neste grande livro de partir

De correr

Deste livro de montanhas

De amores

De crianças sem asas

E de asas sem pássaros

Neste livro

Que seja deste livro

Que as minhas cinzas

Que das minhas asas

Se faça a vida

E se construa este livro.

 

 

 

Alijó, 12/04/2023

Francisco Luís Fontinha