sábado, 25 de fevereiro de 2023

O menino amaldiçoado

 Coitado do Alfredo,

O menino amaldiçoado,

O menino coitadinho,

Do menino maltratado,

Coitado,

Coitado dele.

 

Do Alfredo nada se sabe,

Que o Alfredo tenha tido um pai,

Uma mãe,

Às vezes, o coitado do Alfredo,

Sobe às árvores,

Senta-se bem lá no alto…

E nada,

Nada.

 

Coitado, coitado dele.

 

Coitado do menino amaldiçoado,

Do Alfredo feito menino,

Menino de rua,

Da Rua ao Cabaré…

Do Cabaré ao Inferno.

 

Em menino,

Pouco ou nada teve,

Porque este menino,

De amaldiçoado…

Tudo teve.

 

Coitado.

Coitado dele…

E quando o menino amaldiçoado morrer,

Se um dia morrer,

Por ele todos vão chorar,

Coitado,

Coitado dele.

 

Coitado do Alfredo.

 

 

 

Alijó, 25/02/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Sonhos de sonhar

 Às vezes, visitavam-me os barcos de brincar,

Depois, pegava num pedacinho de silêncio,

Subia mangueira acima…

E voava em direcção ao mar,

 

Sobre o mar, disfarçava-me de nuvem,

Corria, corria… corria,

E quando regressava a noite,

Ia até ao luar,

Sentava-me na lua,

E desenhava sonhos no teu olhar,

 

Hoje, não tenho mais barcos de brincar,

Nem pedacinhos de silêncio,

Nem noites de luar…

Tão pouco sei voar

Ou sonhar,

Mas tenho o teu olhar.

 

 

 

Alijó, 23/02/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Universo

 Podia extinguir-se o Universo…

Podia,

Podia morrer o sol

E todas as estrelas,

Morrer o dia,

Podia,

 

Tudo podia acontecer,

Porque eu,

Não me erguia desta cadeira em frente ao mar,

 

Podia chover,

Podia nevar,

Podiam levar-me este mar…

 

Que eu continuava sentado nesta cadeira,

Nesta cadeira em frente ao mar,

 

(Podia extinguir-se o Universo…

Podia,

Podia morrer o sol

E todas as estrelas,

Morrer o dia,

Podia)

 

E o que eu fazia se tudo isso acontecesse?

 

Nada.

Absolutamente nada.

 

 

 

Alijó, 22/02/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Cidade embalsamada

 Há-de nascer uma estrela pincelada de saudade

Em teus olhos de amanhecer,

Cidade embalsamada

Nas sombras amordaçadas,

 

Pássaro em papel,

Cor devastada do sombreado silêncio,

Sol dos pequenos cubos em vidro…

Há-de nascer o rio em teus braços,

 

Teus braços que transportam o meu esqueleto,

Este pobre esqueleto dos loucos luares,

Há-de nascer, em ti, uma estrela pincelada de saudade

Em teus olhos de amanhecer,

 

Em teus olhos de beijar…

Há-de nascer nos teus lábios

A primeira madrugada,

Cidade… cidade embalsamada.

 

 

Alijó, 21/02/2023

Francisco Luís Fontinha

Oceano em fuga

 Em teus lábios,

Exoplaneta em flor,

Ao cansaço em pedacinhos de mel,

Dos corredores onde me perco,

E me escondo do teu olhar,

Em teus lábios,

Onde poisa o sonolento mar

E as primeiras lágrimas da manhã,

Trazem a ti a ausência,

 

Uma máscara de sono,

Lentamente,

Em solidão,

Acorda a areia fina dos tristes luares que a noite assassina,

E do teu corpo,

Ergue-se o poema.

Escrevo-te, escrevo-te na lentidão do silêncio,

Quando colocas sobre mim,

As tristes imagens de um Oceano em fuga,

Onde se afoga o sonho,

Onde se esconde o sonho,

 

Em teus lábios,

Meu amor pedaço de mel…

Habita o lugar perdido

Que apenas as tempestades conhecem…

E do medo,

Vem a mim o teu corpo desejado.

 

 

 

Alijó, 21/02/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Prisão solar

 Se sonhas,

Não sonhes,

Atira pedras às árvores e aos pássaros,

Aprisiona o sol na tua mão…

 

Se sonhas,

Não o faças,

 

Dorme dentro do quadrado,

Entre o silêncio do luar

E a pasmaceira das tardes junto ao mar,

 

O mar é uma merda,

Água,

Barcos em aflitas gargalhadas,

Depois…

Depois trazem a noite,

E com a noite,

A porcaria das estrelas,

Poeira cósmica,

Lágrimas de néon,

Pó,

 

Se sonhas,

Não sonhes,

Atira pedras às árvores e aos pássaros,

Aprisiona o sol na tua mão…

Cruza os braços,

Cerra os olhos;

Depois…

Desliga o interruptor que tens dentro de ti...

 

 

 

Alijó, 20/02/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Azul-mar em paixão

 Falhei,

Falhei quando mandei cortar as oliveiras do canteiro,

E em seu lugar,

Plantarem amendoeiras; são tão lindas na Primavera…

Depois,

Ficam tristes,

Magras, muito magras,

Esqueléticas no esquecimento do orvalho.

 

Falhei,

Falhei quando mandei pincelar o céu de azul,

Azul-mar em paixão,

Quando deveriam ter pintado o céu de negro,

Nero escuro como a noite.

 

Falhei,

Falhei quando trouxe durante a noite todas as estrelas do céu,

Hoje, hoje tenho-as dentro de uma pequena caixa em cartão…

Tenho-as aprisionadas,

Como se todo o mal que me acontece,

A culpa,

Fosse das pobres estrelas.

 

Falhei,

Falhei quando mandei cortar as oliveiras do canteiro,

E em seu lugar,

Plantarem amendoeiras; são tão lindas na Primavera…

São tão lindas, na Primavera.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/02/2023