Vivíamos em cima das
árvores. Umas eram baixas e atarracadas, outras, altas e esguias, e um dia
quando acordo, manhã cedo, percebi que estava sentado numa cadeira de praia, e
esta por sua vez, estava poisada sobre a árvore grande (centenário plátano de
Alijó) e sem ajuda, fosse ela qual fosse, era impossível eu descer. E se
caminhasse em frente, morria.
Ainda pensei atirar-me do
plátano abaixo e em pequenas brincadeiras com o centro de massa do meu corpo, voar
até que me estatelasse sobre o paralelepípedo da calçada, talvez fosse a
maneira mais fácil de descer, mas em vez disso, gritei pela minha mãe,
Mãe…
Mãe…
Sim filho,
Preciso de descer,
E ela deixando tudo o que
estava a fazer, vai na minha direcção, aos poucos, sobe o plátano e quando já
estava em cima dele, colocou-me a mão na face, agachou-se sobre mim, pegou-me
no colo e trouxe-me até ao rés-do-chão; a estrada.
Foi um processo longo e
moroso, mas valeu a pena.
Aprendi a andar, aprendi
a comer, aprendi a falar e a dormir e a amar.
Às vezes, muitas vezes,
apeteceu-me subir novamente para o plátano centenário ou para cima de outra
árvore qualquer, mas graças a Deus, não o fiz;
(Não invoques o nome de
Deus, sou herege).
Tenho algumas horas de
voo, cruzei o Oceano, andei doze dias sobre o mar, sentei-me, numa qualquer
noite, sobre a linha do equador, adormeço estava ainda no hemisfério Sul e quando
acordo e me dou conta, bem… já estava no hemisfério Norte.
Chegando aqui, nos
primeiros dias, perdi-me numa qualquer rua. Depois comecei a passear barcos
pela mão desde a farmácia do hospital até à Gricha, e desta até à farmácia do
hospital; subia a rua, descia a rua, às vezes sentava-me em frente à casa dos
Noura, quando estava cansado, quando da varanda, a minha mãe
Luisinho, cuidado com os
carros.
(olhava-a e percebia que
ela estava triste, talvez mais triste de que eu, e hoje penso por que razão a
minha mãe se preocupava com os carros em Alijó de 1971; ainda hoje se vêem mais
barcos pelas ruas e lixo de que automóveis, mas já sabemos que as mães são
muito protectoras com os filhos).
Seis meses depois, fui
passear barcos para o bairro do Hospital, casa número quinze, rés-do-chão. Anos
mais tarde, eu e os barcos, assentámos arraias na avenida vinte e cinco de
Abril, e aí, comecei, muito lentamente, a subir às árvores.
Até que sem perceber,
vejo-me em cima do plátano centenário de Alijó, e por lá andei alguns anos.
Anos. Anos demais.
Alijó, 04/01/2023
Francisco Luís Fontinha