quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

O plátano de Alijó

 Vivíamos em cima das árvores. Umas eram baixas e atarracadas, outras, altas e esguias, e um dia quando acordo, manhã cedo, percebi que estava sentado numa cadeira de praia, e esta por sua vez, estava poisada sobre a árvore grande (centenário plátano de Alijó) e sem ajuda, fosse ela qual fosse, era impossível eu descer. E se caminhasse em frente, morria.

Ainda pensei atirar-me do plátano abaixo e em pequenas brincadeiras com o centro de massa do meu corpo, voar até que me estatelasse sobre o paralelepípedo da calçada, talvez fosse a maneira mais fácil de descer, mas em vez disso, gritei pela minha mãe,

Mãe…

Mãe…

Sim filho,

Preciso de descer,

E ela deixando tudo o que estava a fazer, vai na minha direcção, aos poucos, sobe o plátano e quando já estava em cima dele, colocou-me a mão na face, agachou-se sobre mim, pegou-me no colo e trouxe-me até ao rés-do-chão; a estrada.

Foi um processo longo e moroso, mas valeu a pena.

Aprendi a andar, aprendi a comer, aprendi a falar e a dormir e a amar.

Às vezes, muitas vezes, apeteceu-me subir novamente para o plátano centenário ou para cima de outra árvore qualquer, mas graças a Deus, não o fiz;

(Não invoques o nome de Deus, sou herege).

Tenho algumas horas de voo, cruzei o Oceano, andei doze dias sobre o mar, sentei-me, numa qualquer noite, sobre a linha do equador, adormeço estava ainda no hemisfério Sul e quando acordo e me dou conta, bem… já estava no hemisfério Norte.

Chegando aqui, nos primeiros dias, perdi-me numa qualquer rua. Depois comecei a passear barcos pela mão desde a farmácia do hospital até à Gricha, e desta até à farmácia do hospital; subia a rua, descia a rua, às vezes sentava-me em frente à casa dos Noura, quando estava cansado, quando da varanda, a minha mãe

Luisinho, cuidado com os carros.

(olhava-a e percebia que ela estava triste, talvez mais triste de que eu, e hoje penso por que razão a minha mãe se preocupava com os carros em Alijó de 1971; ainda hoje se vêem mais barcos pelas ruas e lixo de que automóveis, mas já sabemos que as mães são muito protectoras com os filhos).

Seis meses depois, fui passear barcos para o bairro do Hospital, casa número quinze, rés-do-chão. Anos mais tarde, eu e os barcos, assentámos arraias na avenida vinte e cinco de Abril, e aí, comecei, muito lentamente, a subir às árvores.

Até que sem perceber, vejo-me em cima do plátano centenário de Alijó, e por lá andei alguns anos.

Anos. Anos demais.

 

 

 

Alijó, 04/01/2023

Francisco Luís Fontinha

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