Roubaram-me os dias
Como os catraios ou as
catraias
Roubam uma laranja
Do quintal do vizinho,
Depois
Depois começaram a
roubar-me quase todos os pedaços da noite
Deixando-me apenas um
minúsculo pedacinho de noite
Um pedacinho que aproveito
para escrever
Estar vivo
E respirar as palavras
que vêm do mar,
Também me roubaram a
alegria
E as estrelas que a minha
mãe desenhava no tecto da minha alcofa…
Roubaram-me os dias
Como quem rouba uma
laranja
E depois
Quando a laranja está na
mão da noite
Vem o invisível silêncio
Que com a faca da saudade
Recorta-me em pedaços
Pedacinhos
Muitos pedacinhos…
E fico tal e qual como a
noite,
E pergunto-me
Para que serve um
pedacinho igual ao pedacinho da noite
Quando do pedacinho de
mim
O outro pedacinho da
noite
Come os sobejantes
pedacinhos do meu corpo
Deixando sobre o mar
Todos os outros meus
pedacinhos,
E se alguém comprasse
pedacinhos
Pedacinhos do meu corpo
Vendia-os
Dava-os
Alimentava todos os animais
da Terra
Alimentava-os com os
pedacinhos de mim,
Não sou ganancioso
Não
Nunca o fui…
Um pedacinho de qualquer
coisa… está bom para mim
Não preciso de mais
E até me contento apenas com
um pedacinho de saudade,
Um pedacinho apenas.
Alijó, 05/01/2023
Francisco Luís Fontinha