Às vezes
Penso.
Sim
Penso.
Ao contrário do que
muitos possam pensar
Pensarem que eu não penso
Pois enganem-se
Porque eu penso.
E olho as flores
E lá está
Estaciono o esqueleto e
penso;
E o que penso eu
Pensando que penso
Pensar nas flores;
Bom
Será que todas as flores
são belas?
Haverá flores menos
belas?
E se eu não gostar de
flores,
Serão para mim
Belas
As flores que não sei se
são belas
Ou
Ou menos belas…
E se eu não gostar de
chuva
E se a manhã está
abraçada à chuva
Poderei dizer que não vou
gostar do dia
Porque o dia tem a manhã
Porque o dia tem chuva
E eu
Que penso
Não gostar de chuva.
Odeio a chuva e seus derivados.
Voltando às flores
E à chuva
Acredito que a chuva está
para as flores
Tal como
O cubo A está para o cubo
B
Sendo o cubo A igual ao
cubo B (dimensões)
E o cubo A está pintado
de branco
E o cubo B está pintado
de negro
E penso…
Porque eu penso
Às vezes
(E às vezes tenho de
pedir autorização ao neurónio 1
Para dar uma ajudinha ao
neurónio 2)
Serão estes dois cubos
iguais?
Diferentes?
Ou a diferença reside
apenas na cor…
E duas flores da mesma
cor
Nos braços de outras duas
flores de cor diferente…
Terei cubos
Flores
Cores
Cravos
Rosas
Crisântemos
Não importa
Pois tenho flores.
E cubos.
Um dia acordei
E nesse dia enquanto
pensava
Pensei
O que pensam os outros
De eu pensar
Bom. Nada de especial.
E nesse dia que pensei
Pensava qual a
possibilidade de eu voar…
Pensei
Pensei
E pensei
E acreditem que se Deus
quisesse que eu voasse
Tinha-me feito pássaro
Avião
Nava espacial
Foguetão
Mas não
Deus fez-me humano…
E os humanos não voam
Como voam os pássaros
Como voam (os peixes?)
Será que os peixes voam?
E as árvores?
(essas, meu querido, essas
apenas tombam no chão)
E enquanto me olhava no
espelho
Às vezes
Sim
Às vezes
Porque olho-me tantas
vezes no espelho
Como o número de vezes que
penso
E se elevar tudo ao cubo
(não o cubo A nem o cubo
B)
Obtenho nada
Digamos que
Nem as flores
Nem a chuva
Nem o espelho
Nem o cubo A
Nem o raio que parta o
cubo B.
Para concluir
Que não penso
Para concluir que não me
olho no espelho…
Enfim
Não penso.
E um belo dia
Como todos os dias que
são belos
Pensei
Pensaste?
Sim
Meu querido
Pensei;
E não subam ao edifício
mais alto da vossa aldeia
Não o subam até ao último
andar
E…
(aterragem forçada no
pavimento) (os humanos não voam)
E pensei
Será que todas as flores
são belas?
Mesmo eu não gostando de
flores?
Mesmo eu odiando a chuva?
Meu querido
A chuva nada tem a ver
com as flores
Porque o raio do dia está
para o cubo A
Como o cubo B está para
um parque de estacionamento.
E o cubo B é um grande
amontoado de sucata
Corpos
Ossos
E corpos sem ossos
E ossos sem corpos
E chuva sem o dia
E o dia sem flores
E as flores sem a chuva
(raio parta a chuva)
E a chuva sem nada
Só
E o cubo B é um cabrão
Como o são todos os cubos
B.
E penso
Penso
(porque penso)
Penso que um dia vou
provar
Provar de verdade
Que Deus é uma equação
matemática
Muito complexa
Não tem braços
Pernas
Mãos
Que Deus não tem
sentimentos
Que se está a cagar para
todos aqueles que sofrem
Como se estavam a cagar
para mim
Todas as equações
matemáticas muito complexas que resolvi;
E se Deus é uma equação
matemática muito complexa
Então Deus é constituído
apenas por números e letras.
(sombras)
(muitas sombras)
(poderei concluir que
Deus é a palavra, um conjunto de palavras, um poema…, e se as flores gostam de
poemas, então as flores gostam de Deus) (lógica, meu querido…, lógica)
E novamente penso.
Penso.
Penso que uma lareira é
bela
Porque me aquece
Porque posso ler ou
escrever junto a ela
Porque posso desenhar no
teu corpo
E escrever
Escrever que penso
Não pensando
O que penso
No teu corpo;
Digamos que a lareira
fica.
Depois temos os livros
Amontoados de livros
E novamente
Novamente penso
Os livros ficam
Os livros vão
E o rio desce a calçada nas
tuas coxas
E as tuas coxas lêem
todos os meus poemas
E os meus poemas
Os parvos
Os menos parvos
Todos eles
(que tal como eu
Não pensam)
E claro
Os livros ficam.
E enquanto penso
Se uma flor
Uma simples flor
É bela
Menos bela
Ou assim-assim
Levem
Levem-me as flores.
Deixem o cubo B
Esse fica comigo.
(levem o cubo A, levem a
chuva, levem as flores, levem o dia, levem tudo, não me levem a lareira, não me
levem as coxas dela, não me levem a mal…, mas eu, às vezes penso e escrevo
cartas sem remetente)
E sim,
Podem levar também a
corda de nylon.
Alijó, 14/12/2022
Francisco Luís Fontinha