sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Destes barcos sem nome

 Abraço-me a este pobre rio

Onde poisam os barcos sem nome

O comandante

Bebe as lágrimas dos subúrbios da insónia

E sobre os ombros

 

Os dedos imaginários das tuas mãos

A serpente de Deus

Brinca no teu pescoço

E um beijo voa sobre o mar

A casa

 

A casa é indivisível

E um portão de ferro

Apreende as primeiras lágrimas da manhã

Batem à porta

Senta-se sobre a sombra e enforca-se com o poema

 

Em pedacinhos de sono

A mesinha-de-cabeceira geme

Como gemem os gonzos das portas por onde entro

E destes sonhos que me despeço

O mar leva-me

 

E parto em busca dos teus cabelos

Que semearam as planícies do teu diário

E dos dias das minhas mãos de luz

O silêncio

Deste rio onde poisam os barcos sem nome.

 

 

 

 

Alijó, 25/11/2022

(Francisco)

Marés de Inverno

 

Meu amor

As ruas em silêncio

As palavras semeadas neste velho jardim

Meu amor

Das páginas deste livro

Que foges de mim

Meu amor

Dos olhos estrelares

Meu amor

Meu amor em luar

Meu amor de todos os mares

Em marés de Inverno

Meu amor

Quando a noite é inferno

Da noite amor

Na noite em flor

E meu amor

Quando o poema cresce em tua mão

E de mim

A silenciada paixão

Quando o meu coração

Meu amor

Desce às profundezas do medo

E em desejo meu amor

O teu sorriso beijo.

 

 

 

Alijó, 25/11/2022

(Francisco)

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

As loucas palavras

 A loucura

O louco que sou

Nesta loucura

 

As palavras

Loucas

As loucas palavras

Do velho louco

Quando o rio louco

É o único louco da noite

 

Uma árvore louca

Onde poisam pássaros loucos

E eu

O louco

Que escreve

Que fuma e bebe

No louco cansaço da noite

Abraça a louca árvore

E ouve as loucas palavras

Palavras loucas

Deste vosso louco

 

As palavras

As loucas madrugadas

A fome

E o louco pão

Na mão

Desta louca mão

Que pinta

O louco sorriso deste louco coração.

 

 

 

 

 

Alijó, 24/11/2022

(Francisco)

Em flor esta flor

 Uma flor

Uma pequena flor

Tem braços

Tem mãos

Tem olhos

Lábios

Uma flor

Uma pequena flor,

 

Uma flor

Uma pequena flor

Uma flor que me olha

Escuta

E deseja,

 

Uma flor

A flor da insónia

Uma flor

Uma pequena flor que me escreve

E desenha sobre o mar,

 

Uma flor

A flor que poisa na tua janela

Em flor

A flor mais bela,

 

E da boca

Uma flor

Em flor,

 

Esta pobre flor

Uma flor

Cansada

Uma flor apaixonada

Em flor

Da flor

E de nada

Esta flor,

 

Uma flor

A flor do beijo

Em flor

Uma flor

Uma pobre flor,

 

E esta flor

Que dorme

Sente

Ama

A flor,

 

A flor das manhãs ensonadas

Em flor

Esta pobre flor

Flor

Do mar em flor,

 

Da flor em mar,

 

Esta flor de amar,

 

A flor.

 

 

 

 

 

Alijó, 24/11/2022

(Francisco)

As gaivotas do meu jardim

 Um dia, quando acordei, dei-me conta que tinham desenhado o mar no tecto da minha alcofa, e desde então, nunca mais esqueci o mar.

Tinha alguns meses, as melódicas equações do sono chegavam a mim através de um pequeno radio a pilhas, invenção da minha mãe, com o som muito baixinho, deliciava-me; qua maior felicidade podia ter um bebé, ouvir música e observar a imensidão do mar no tecto de uma alcofa.

(Francisco) quando a luz incendeia os meus lábios, e uma nuvem abraça-se ao teu cabelo encantado das noites sem dormir, todo o mar poisa sobre mim.

O mosqueteiro protegia-me dos insectos, e pelas pequeninas quadriculas chegam a mim os primeiros raios de luz, como se à minha volta existisse uma janela com vista para lado nenhum.

Às vezes, as gaivotas entravam pela janela e desenhavam voos rasantes no tecto da alcofa e eu comecei a acreditar que um dia, um dia também faço como elas. E ainda recordo o dia em que zarpei e fiz o meu primeiro voo sobre as periferias de Luanda; foi lindo, pai. Lindo.

Depois queria ser comandante de um petroleiro, ou paquete, e durante a tarde, enquanto desenhava e recortava vestidos de chita para o meu maior amigo, um parvalhão de um boneco, pequenos petroleiros de insónia desenhavam pequenos quadrados no pavimento do corredor, depois ouvia os apitos em despedida, e percebia que um dia, um dia também faço como elas. A tarde despedia-se de nós, poisávamos todos os apetrechos da costura, lanchava e começa a desenhar o sono na janela que dava para o jardim, e enquanto a minha mãe confeccionava o jantar, novamente zarpava e sobre a cidade, deliciava-me com o silêncio dos mabecos.

O sono tomava conta de mim.

As palavras absorviam-me, e nas paredes da sala comecei a desenhar figuras estranhas, letras e números. E um dia vou ser como elas.

(Francisco) como são lindas as flores dos teus olhos!

(Francisco) como são lindos os teus lábios e os teus olhos!

Perdi o interesse pelo mar, comecei a apaixonar-me por barcos, barcos grandes, que o meu pai, todos os Domingos, me leva a ver; e enquanto os olhava, sonhava que um dia, um dia seria como elas. (Francisco) como são lindas as tuas mãos!

(Francisco) e dos teus cabelos as lágrimas do silêncio poisam no meu peito!

E quando regressava a casa, sentia-me o comandante de todos aqueles navios; um pequeno círculo com olhos verdes brincava na minha boca, e sabia que um dia, um dia, mãe,

(Francisco) as tuas mãos são lindas, meu amor.

Um dia, mãe, um dia eu e tu vamos voar sobre as gargalhadas desta linda cidade e esta cidade será a nossa eterna sepultura.

Queria ser como elas. Queria voar sob as estrelas que durante a noite desciam do Céu e deitavam-se junto a mim, pegava-lhes na mão e adormecia até que acordava e dava-me conta que estava junto ao mar, pertinho do tecto da alcofa, sentado sobre o triciclo que em sonâmbulos soluços ia percorrendo todo o quintal até que quando me aproximava do portão de entrada, o homem que puxava os machimbombos pelas ruas da cidade, regressava, e com um beijo, fazia-me acreditar que todo aquele silêncio se devia aos meus pequenos voos que durante a tarde fazia sobre as sanzalas envenenadas de pequenos charcos de água. O odor a terra queimada abraçava as minhas mãos…

(Francisco) o desejo de quando os olhos são as estrelas de uma tarde de Domingo.

Um dia, um dia serei como elas e fartei-me do mar que tinha desenhado no tecto da alcofa, um dia serei como elas e fartei-me do pequeno radio a pilhas, um dia serei como elas e fartei-me dos barcos e de ser o comandante de todos aqueles navios de insónia.

(Francisco) dois olhares em desejo que apenas uma parede de silêncio consegue afugentar, e no pescoço, a corda do poeta enforcado.

Os dedos esticados, o papel sobre a mesa em delinquentes beijos que depois de eu adormecer, desapareciam como tudo, desde que nasci.

E um dia serei como elas.

(Francisco) as tuas mãos poisadas na sombra da minha mão, da algibeira retirava o mar que trouxera e que durante alguns anos esteve desenhado no tecto da minha alcofa, e quando acordei, todos os barcos da minha infância olhavam-me como me olharam quando me viram pela primeira vez e pensavam que eu tinha regressado da lua ou do sol; tão tristes, mãe, estão as flores do teu jardim e as primeiras gaivotas que me ofereceste.

(Francisco) a paixão tomou conta dele, vendeu a alma ao diabo e dizem que hoje habita numa ruela de medo onde se senta numa pequena cadeira e de cigarro em cigarro, sonha com o regresso das gaivotas. Um dia, um dia vou ser como elas.

A cidade despedia-se de nós, e em pequenos milímetros de sombra, zarpamos em direcção aos búzios das manhãs sem madrugada.

(Francisco) poisa a tua cabeça no meu peito enquanto todos aqueles barcos aguardam o regresso do comandante; à janela, uma flor que só a luz consegue desenhar no velho mosqueteiro, percebe o que é a paixão.

 

 

 

 

 

Alijó, 24/11/2022

Francisco

(ficção)

A voz da razão

 

Com o tempo, tudo passa,

A saudade,

A saudade não passa,

Passa a morte,

E passa a sorte,

 

Com o tempo, tudo passa…

Passa a solidão,

Passa,

Tudo passa,

Passa a voz da razão,

 

Com o tempo, tudo passa,

Passa o Inverno,

E passa o Verão,

Tudo passa,

Com tempo, o tempo da paixão.

 

 

Alijó, 24/11/2022

(Francisco)

As mãos da poesia

 

Este dia

Que se esconde entre um suspiro de sono

E as palavras de um livro

Um livro que morre

Nos olhos do dia.

Este dia…

Este dia que sofre

Que grita

Este dia

No dia

Que morre

Que morre nas mãos da poesia.

 

 

Alijó, 24/11/2022

(Francisco)