Nunca lhe dei um nome. Olho-o, suspenso na parede fria e só como todos os meus livros, empilhados em estantes, frias e sós, mas esta pintura que neste momento observo, não tem nome. Não sei quem é o pai, quem é a mãe, tão pouco se gosta de literatura, poesia, música ou de arte; e que nome dar a uma pintura, suspensa numa parede fria e nua e só – como todas as pinturas que faço, frias, nuas e sós.
Irei chamar-lhe Caos.
O Caos nasceu numa tarde
qualquer de Verão, como quase todas as minhas pinturas, e ao contrário de mim,
que nasci num belo Domingo de Sol de Janeiro e às sete e trinta da manhã, o
Caos nasceu numa tarde de Julho ou de Agosto, tanto faz.
Tem olhos verdes, e se o
olharmos bem, tem no rosto o secreto mar do deserto. Perdoa-me, mas meu filho
serás, como todas as outras minhas pinturas.
Nunca te dei um nome, enquanto
te olho, e percebo que estás de braços abertos e estás suspensa nessa parede
fria e nua e só, tenho pena da noite que mais tarde te abraçará. E que todas as
estrelas se alicercem na tua boca,
E também não sei se tens
irmãos.
E todas as paredes são
frias e nuas e escuras e sós; e quando regressar a noite, mudarás novamente de
nome, e de Caos, quem sabe, passarás a madrugada, quem sabe, passarás a noite,
quem sabe, passarás a lua,
Quem o sabe.
As cores da tua pele
incendeiam a luz ténue do teu olhar, um comboio de lata emerge da cozinha, e
corredor adentro, entra no quarto, e deita-se sobre os lençóis do negro medo onde
poisam as minhas palavras. Ele bebe a cicuta dos sonhos, aquela que o levará
até à janela onde o mar brinca com a maré, e todos os barcos em papel, alguns embriagados
pelo desejo, olham-no, como eu o olho, mas que nunca saberei o seu nome.
Que importa se esta
pintura tem nome – e se eu não tivesse nome, certamente escrevia como escrevo,
pintava como pinto e amava como amo, então
Quão importante se ele se
chama de Caos ou de outra coisa qualquer.
Pintura será. Meu filho
será.
E por breves momentos,
coloco-me no lugar do Caos;
Conseguirá amar o Caos?
E se uma pintura amar, e
se uma pintura tiver dentro de si o desejo?
E se o Caos for um poema
disfarçado de pintura?
E se esta pintura, que
apelidei de Caos, for um lindo poema de Sol?
E se este lindo poema de
Sol for apenas a pintura que não tinha nome, que apelidei de Caos e que está
suspensa nessa parede fria e nua e escura e
Com a solidão da noite.
E o homem que deu vida ao
Caos, o pai do Caos, será ele um pintor, um poeta ou
Um pequeno silêncio de
vento?
Não importa se a noite é
escura, não importa se a parede da sala é fria, não importa…
Levanta as mãos, e reza.
Até que o vento seja um
pequeno quadrado de luz.
Poderia sentar-me nesta
cadeira e em frente ao mar, dar nomes a todas as minhas pinturas, poderia reler
todos os meus poemas, mas são tantos que o tempo restante de vida que me resta,
não chegaria.
Irei dormir sem saber o
teu nome, como não sei o nome das minhas pinturas: mas gosto muito de ti, meu
querido Caos.
Depois,
Um fino e frio e escuro
silêncio, desenhará um sorriso na parede da tua sala, fria e nua e escura e só.
Uma serpente enrolada nas
marés que assombra a janela com retracto para o teu nome; o Caos a quem dei a
vida e amo-o como amos todos os meus filhos. As minhas pinturas do nobre
deserto entre os parêntesis da insónia.
Alijó, 21/11/2022
Francisco