sábado, 29 de janeiro de 2022

Uma velha e triste colmeia de vidro

 

Voávamos dentro de uma colmeia de vidro

Acorrentada ao silêncio;

Chovia torrencialmente e, todas as abelhas

Com medo da morte,

Liam poemas floridos.

Dançavam as palavras

Nas mãos da noite quase a acordar,

Como se fossem almas penadas,

Como se fossem almas de amar.

Voávamos do olhar menino,

Triste e, sem sorte.

Algum dia tinham que ler “os poemas perdidos”

Como quem lê a oração de mais um dia,

Ao deitar.

Tínhamos nos braços, a solidão,

Tínhamos o pão em migalhas,

 

Como um cadáver sem nome,

Que grita,

Que chora,

Que tem fome.

 

Tínhamos uma Nação,

Tínhamos um cão,

Um pássaro em combustão,

E tínhamos na mão,

 

Uma velha colmeia de vidro.

Voávamos e tínhamos…

As pedras de matar,

E tínhamos as árvores de morrer,

Ou de brincar.

Tínhamos vontade de avançar,

 

Correr, correr atá ao mar.

 

(Voávamos dentro de uma colmeia de vidro

Acorrentada ao silêncio;

Chovia torrencialmente e, todas as abelhas

Com medo da morte,

Liam poemas floridos.)

 

Poemas de matar,

Espingardas de escrever,

Poemas de amar,

Palavras de morrer.

 

Tínhamos na algibeira

As telhas de luz Luar,

Quando dançavam dentro de uma bandeira,

Tínhamos fome, tínhamos bombas e muitas palavras para disparar.

 

Morávamos numa velha aldeia,

Poemas cansados,

Poemas em suicídio,

Poemas de nada,

Poemas viciados,

Ou poemas de uma Nação,

 

Que grita.

Que tem fome.

Que não tem pão.

Dentro de uma colmeia de vidro,

Dois braços,

Dois corpos mutilados pela inflação…

 

E escrevíamos

Cartas à Nação.

 

Dentro desta colmeia de vidro,

Temos um corpo envenenado

Pelas canseiras da madrugada,

Tínhamos vinho,

Tínhamos uma enxada;

Tínhamos tudo e, não tínhamos nada.

 

Dentro desta colmeia de vidro,

O Natal é em Julho destino,

A Páscoa? A Páscoa celebra-se em Setembro,

Quando as flores dormem,

 

Quando as flores vivem,

Dentro desta colmeia de vidro…

 

Acreditando que amanhã,

Pela manhã,

Do teu corpo nasçam palavras a sério,

Palavras com lábios de abelha,

 

Palavras maradas,

Palavras desgovernadas sem perceberem,

Sem entenderem,

Que dentro de uma colmeia de vidro,

O silêncio é tudo;

E o poema é de borla; como todas as flores do teu jardim.

 

 

 

Alijó, 29/01/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Poemas de adormecer

 

Deste dia terminado

Das palavras sem memória,

Deste poema cansado

E deitado em mim,

Esquecendo a estória,

A estória sem fim.

 

Deste dia terminado

Nos poemas de adormecer,

Deste dia o mar salgado

Correndo sem correr,

Neste dia terminado

Nos braços do amanhecer.

 

 

Alijó, 28/01/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Silêncios ou quase nada

 

Abandonados braços

Que ninguém consegue apanhar,

São flores, são rosas, são cansaços,

Cansaços do além mar.

 

São Primaveras de um simples olhar,

Quando a manhã se ergue na alvorada

São palavras de encantar,

São palavras de nada.

 

Abandonados braços

Que ninguém consegue desenhar,

São gritos, são tumultos, são estilhaços,

Estilhaços de amar.

 

 

Alijó, 26/01/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Poema sofrido

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nas tuas lágrimas choradas,

Dentro do poema sofrido,

Habitam almas cansadas,

Cansadas por terem morrido.

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nesta triste cidade,

Vive um pobre mendigo,

Mendigo de verdade:

Triste, só e arrependido…

 

 

 

Alijó, 25/01/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 22 de janeiro de 2022

A sebenta


 

O teu corpo;

A sebenta onde adormeço o poema cansado,

Onde deito os beijos desejados,

Entre o espaço abraçado,

Entre os versos envenenados.

 

O teu corpo;

Engraçado,

Equação sem nome

E que brinca no caderno quadriculado,

No cansaço sem fome,

 

Do cansaço aguentado.

O teu corpo desejado

Que caminha sobre o mar,

É o teu corpo argamassado,

Argamassado nos poemas de amar.

 

 

Alijó, 22/01/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Os beijos versados

 

Aos beijos versados

Argamasso as palavras envenenadas no silêncio,

Escuto, sinto a tua voz melódica de incenso

Quando voa na ressurreição do desenho,

E nas catacumbas da solidão,

Vejo os teus lábios incinerados na madrugada,

 

Como se todos os pássaros fossem filhos de Deus.

Há na palavra

Uma oração cansada,

Distante de mim,

Distante da alvorada.

Aos beijos versados

 

Lanço as flores do meu jardim,

São flores em liberdade,

São pedaços de mim.

E o poema ergue-se como se erguem as vozes

Que chamam por Deus,

Ou que se revoltam contra Deus,

 

Como se Deus fosse o culpado,

Do poema estar envenenado,

Ou…

Os teus beijos

Sejam versados,

No espelho da paixão.

 

Aqui me sento sem prazer,

Lendo, escrevendo,

Ou em nada fazer.

Mas dizem que Deus está a ver,

Que nos olha como olhava por mim

A minha mãe, em viagem sem regresso…

 

Ao pó os teus pedaços ósseos

Na garganta do tumor,

E que esta viagem sem regresso

Seja apenas uma fotografia,

Recordação;

Nos beijos versados, o poema está vivo, vivo e em dor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/01/2022

domingo, 16 de janeiro de 2022

A saudade

 

Manuseia-se na cidade

Em busca das palavras perdidas,

Ouve a voz da saudade

Nas palavras esquecidas.

 

Caminha até ao mar

Vestido de petroleiro,

Perde-se na cidade amar

Nas mãos de um marinheiro.

 

Nas mãos de uma flor desencantada

Passeia-se destemido,

Corre, corre, corre até à esplanada,

 

Corre fingindo que está vivo.

Mas ele é apenas um cadáver perdido,

Perdido sem motivo.

 

 

Do silêncio, às vezes fingido, regressavam as palavras de amar, outras vezes, pensando que estava perdido, tinha na mão a luz camuflada da paixão.

Um dia, ao final da tarde, resolveu emparedar todas as janelas que davam para o mar, mesmo aquela em que ele tinha a oportunidade de fugir; mas para que queria ele fugir, se todos os dias acordava, se todos os dias vivia, vivia fingindo que acreditava, acreditando no que fazia.

Corria fingindo que estava vivo; ninguém acreditava se ele não o dissesse, pois transportava nas mãos o desejo de voar, sabendo que apenas o poderia fazer quando regressasse a noite.

Manuseava-se na cidade em busca de equações de sono e correias e engrenagens, no fundo, procurava as rodas dentadas da vida.

Acreditava, talvez já não acredite, que a vida é uma enorme roda dentada, e que os seus dentes são a saudade; a saudade de tudo e, de nada.

- Corre até ao mar!

Para quê, perguntava ele; se o mar fica tão longe e, a saudade de nada, dorme na solidão da madrugada. Ouviam-se os gemidos da feiticeira, entre rezas e sermões, desenhava nas estrelas buracos negros e, com alguns iões, sabia que amanhã choveria, pois, os iões estavam excitados e, pobre deles, porque ninguém fazia prever que estes acabariam sós, dentro de quatro paredes.

E eis que ouviu a voz da saudade. E eis que a saudade lhe segredou que regressaria todas as noites, antes de ele adormecer; mas será que ele queria mesmo ouvir a voz da saudade?

- Diz-me tu, rapazinho…

Digo que: “uma correia é um elemento mecânico flexível para transmissão de potência”. E como sempre, nada está perdido. Tudo se apanha quando o homem acorda dentro de quatro lençóis de sono, ao cair a tarde.

Rapazinho era ele, quando o sentaram numa velha esplanada e o mar o levou para um Domingo, num mês de Janeiro, precisamente às sete e trinta da manhã; até hoje, alimenta-se de pequenas aparas, algumas brocas e defeituosos parafusos.

A vida poderia ser um parafuso, alguém se dá ao trabalho de o enroscar até ao apero final: a morte.

E a morte é apenas uma equação que quando igualada a zero, obtêm-se o único resultado possível; a saudade.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/01/2022