sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Natal

 

Sentia-me zonzo com os cheiros

Que brotavam de suas mãos

No Natal.

Hoje, procuro esses cheiros, em vão,

E apenas as fotografias,

Transformam os cheiros em lágrimas.

Lágrimas recheadas pela saudade,

Como sonhos, rabanadas e bolo-rei,

Hoje, o silêncio poisa sobre a mesa,

A mesa é outra, mas faltam algumas fotografias,

Hoje, são poeira,

Canção caminhando no Universo,

Paralelo, cubo, triângulo,

Hoje, acorda a ira,

Como se fosse uma nuvem em papel,

Voando em direcção ao mar.

Nasci pertinho do mar,

Junto à solidão dos macacos,

Havia gladíolos envenenados,

Havia bananeiras em cio,

Como as gaivotas passeando-se sobre a baía.

Sentia-me zonzo com os cheiros

Que brotavam de suas mãos

No Natal,

Tínhamos dentro de nós

O pesadelo de um futuro amaldiçoado,

Não distante,

Mas sempre ausente.

Hoje, olho todas estas fotografias,

São apenas imagens, lugares, pó…

Apenas pó…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/12/2021

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Espelho mar

 

Cinzento azul teu olhar

Entre paredes e janelas,

Cinzento azul espelho mar,

De marés tão belas.

 

Das palavras de escrever

Às almas predicadas,

Nos poemas de sofrer,

Sofrer nas madrugadas.

 

Traz a luz da manhã adormecida,

Traz o crucifixo doirado…

Não tenhas medo da partida,

 

E vai em busca da felicidade.

Pinta a noite de encarnado,

De encarnado sem vaidade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22/12/2021

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Os dias

 

Os dias são tardes perdidas

Nas mandibulas tuas mãos,

Os dias, os dias são margaridas,

Margaridas entre sins e nãos,

Os dias, os dias pertencem às noites esquecidas,

 

Das noites anteriormente perdidas.

Os dias são poesia, música, equação,

Os dias são horas adormecidas,

São palavras, são canção;

Os dias, os dias são todas as coisas permitidas.

 

Os dias são madrugada,

São o corpo na lareira,

Os dias são a alvorada,

Alvorada que brinca na fogueira,

Os dias são a manhã cansada,

 

Antes de acordar o dia; os dias são tristeza,

São garrafas embalsamadas na ribeira,

Os dias têm beleza,

E têm corpo de feiticeira.

Os dias são migalhas sobre a mesa,

 

São flores do meu jardim.

Os dias são tarde perdidas,

São pequenas coisas de mim,

Os dias são cores garridas,

Quando acorda o clarim.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/12/2021

domingo, 19 de dezembro de 2021

Menino traquina

 

Desço o teu corpo

Até encontrar a fina madrugada.

Na tua pele de amanhecer,

Habita a fogueira enamorada,

Das palavras de escrever,

Nas palavras de brincar,

 

Desço o teu corpo

Maré de mar,

Rocha incandescente a arder,

Rocha amorfa que não sabe falar,

Falar sem querer,

Querer que lá longe, lá longe zarpar

 

Para a lua a crescer.

Desço o teu corpo ancorado

Na minha mão desleixada,

Que pertence a este corpo envenenado,

Envenenado pela madrugada,

Desço o teu copo,

 

Até às profundezas do amanhecer,

Cidade assassina,

Cidade a arder;

Onde brinca um menino traquina,

Desço o teu corpo,

Teu corpo de sofrer…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/12/2021

Pequenas estátuas de luz

 

Uma estátua de luz

Suicida-se na cidade das marés envenenadas,

Traz a enxada,

Traz as madrugadas,

Traz as palavras,

 

E traz o falso oiro.

Deste poema,

Sobreviverá a todas as janelas quadradas,

Nas falsas alvoradas,

Nas falsas ribeiras ancoradas.

 

Uma estátua de luz

Que marcha na parada,

Ouve o grito do clarim sobre a ponte…

Corre, corre, corre até ao monte,

Corre… corre até desfalecer,

 

Gritar,

Chorar e gemer.

Aos uivos do teu corpo silenciar,

Gemem as palavras de escrever,

Morrem os pássaros de voar.

 

Uma estátua de luz

Suicida-se na cidade das marés envenenadas,

Correm, correm todos para a praça

Das esplanadas;

Assim seja, tristes madrugadas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/12/2021

sábado, 18 de dezembro de 2021

Cinco segundo de sono

 

Das palavras

À morte,

 

Cinco segundos de sono.

 

 

As tríades flores

Da sepultura sem nome,

Quando da lápide envenenada,

Quase noite,

Acordam as almas penadas.

 

Cinco segundos de sono,

Dançam na neblina madrugada,

Quatro palavras dormem nos braços da paixão,

Abraçam-no desde criança menino,

Até que o choro tomou conta dele.

 

As flores estão murchas,

As palavras, muito cansadas,

Da sua mão,

Quase invisível,

Constroem-se as migalhas nocturnas

 

Do cansaço.

Se bateram à porta,

Não me lembro,

Porque quase ninguém,

Bate à minha porta,

 

Tal como as canções que oiço,

Tal como as palavras que escrevo;

Cinco segundo de sono,

Chegam para desenhar a morte

No muro que circunda a aldeia.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18/12/2021

domingo, 12 de dezembro de 2021

Um dia

 

Um dia

Regressará o sono,

A luz,

E todos seremos apenas imagens,

Poeira,

E pequenos nadas.

 

Um dia

As palavras serão sombras,

E das imagens que eramos,

Seremos novamente, nadas;

Pequenas migalhas de pão,

 

Pedras,

Calçadas de espuma,

Em guerra na cidade,

Um dia seremos apenas chuva,

E pedacinhos de lágrima.

 

Um dia seremos nadas,

Ou outra coisa semelhante,

Um dia seremos geada,

Luz…

Ou fogueira ardente.

 

Um dia seremos nadas,

No outro dia,

Gente.

Um dia seremos pó,

No outro dia, dor, corpo ausente.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/12/2021