Trazias nas mãos a transparente
geada.
Sabia que nos teus lábios
de amêndoa,
Habitavam as cerejas,
E brincavam os gladíolos
adormecidos
Junto à pesadíssima
enxada.
Escrevia no teu corpo
todas as palavras de escrever,
Desenhava em ti todas as
Primaveras da minha existência,
Verões cansados, Invernos
infinitos,
Escrevia no teu corpo o
poema
Das manhãs de viver,
Das manhãs de partir.
Planto no meu jardim
A tua sombra adormecida,
Com os teus olhos de luar…
Quando a Lua a fingir
Finge que não sabe amar.
Trazias nas mãos a
transparente geada,
O grito uivo da
madrugada,
Deslizando calçada abaixo,
Até se alicerçar no mar.
No mar,
Ela cansada;
Cansada das minhas flores
Sempre a derramarem
lágrimas,
Gotículas de suor nas
palavras de cantar.
E sentava-me a olhar a
maré
Fotografando pássaros,
paisagens e pequenos nadas.
Coisas simples e com
prazer,
Prazer do infinito
No infinito, sem fé.
A minha mãe dizia-me; -
meu filho, a fé é que nos salva.
E nada salva ninguém,
Nem ninguém pertence a
alguém…
Quanto mais salvar…
Que nem ela foi salva.
Aprisiono-me a este
corredor
Sem janelas físicas,
Inventando sombras nas
tristes paredes.
Traços,
Riscos,
E afago algumas pétalas
de flor.
Escrevo. Escrevo muito sem
o saber.
Escrevo palavras em todos
os cantos da circunferência hiperbólica
Das noites perdidas;
Escrevo, desenho e pinto,
Coisas que as pessoas me
dizem para fazer.
Escrevo cartas a um
remetente esquecido.
Resolvo equações a quem
precisar,
Escrevo muito,
Escrevo junto ao mar,
Nas tuas mãos a transparente
geada; nada está perdido.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 10/12/2021