sábado, 19 de dezembro de 2020

O circo da loucura

 

Um louco será sempre um louco.

Cerram-se todas as janelas da poesia,

Morrem todos os pássaros da minha aldeia,

De tanto, o pouco,

Das flores donzelas que eu queria…

Antes do horário da ceia.

Caem sobre ti as loucas fotografias,

Escrevem-se as palavras sobre a ria,

Depois, vem a fantasia,

E, o amor e, a alegria.

Escrevo-te, meu amor,

Todas as tardes em beleza,

Sinto, sento-me, nas heteras mãos de Deus,

Sabes? O palhaço está doente,

A flor,

Tua doce boca, só, na clareira,

E, todas as sanzalas, e, todos os musseques,

Doentes

Como Deus nos apetece.

Esqueço,

Durmo nesta cama azada,

Entre um cobertor de pano

E, uma nova namorada.

Entre palavras parvas

Que assombram as minhas mãos;

Sabes, meu amor!

A vizinha está encharcada de veneno,

Trouxe a morte,

A vaidade…

E, escreveu seu nome,

Nas amplas matrizes de poder,

Olho-a,

Vejo-a,

E, loucamente te beijo,

E, loucamente,

Eu, este louco que te quer.

Um louco será sempre um louco,

No destino de viver.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó/19-12-2020

sábado, 12 de dezembro de 2020

Minha flor de Orfeu

 

Cáfila pétala teu nome

Abraço madrugada,

Dentro do silêncio, a fome,

A fome do beijo prometido,

Na boca sem nada.

(o homem perdido)

Percorre o corpo camuflado de desejo,

Ao sabor do vento arisco,

Pede às palavras, palavras de ensejo,

Num olhar nunca visto.

Sabe de antemão que tem no seu jardim,

Flores, meu amor e, palavras encantadas,

Papeis que voam dentro de mim,

Depois da tarde madrugar,

Sou o homem perdido,

Perdido no mar;

Sou o homem das palavras cansadas.

Minha flor de Orfeu,

Sorriso de menina,

Livros, cantigas e, beijos adormecidos,

Poema teu,

Na tua mão que alguém lê a sina,

E, sem o saber, alimenta os pássaros endoidecidos.

Escrevo no teu corpo, amar,

Cancão que o vento beija,

E, coloca nos teus lábios, a serpente envenenada.

Amor, temos tudo como um simples abraçar,

De quem a pedra aleija,

Dando à palavra, a seta laminada,

E, ao homem perdido, a minha flor de Orfeu;

Todas as palavras são desejo,

Todas, menos a saudade,

Porque em cada beijo,

Existe uma flor sem maldade,

E, em cada flor sem maldade,

Um beijo teu.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó, 12/12/2020

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Roda dentada

 

(para todas as rodas dentadas, com amor)

 

 

Mataram todas as rosas do meu jardim.

Incha o corpo da serpente embrulhado na saliva florida do meu jardim

E, pergunto-me,

Porque morreram as rosas do meu jardim.

Uma velha roda dentada

Na minha cama deitada

Desmiolada

Triste cansada.

Porquê as minhas rosas embalsamadas?

Coitadas.

Tristes.

Velhas.

Cansadas.

O torno

Que é mecânico

Beija docemente a velha roda dentada

Tem muitos dentes

Tem orgasmos

E, tem uma manivela

Que não serve para nada

A não ser

Para ser rodada

Prá frente

Prá cima

Alto

Cuidado;

Se fosse puta, eu gritava,

Assim,

Como é uma manivela que beija uma roda dentada.

Nada.

Está perdoada.

Coitadas das rosas do meu jardim

De tanto brincar

Dormem

Assim

Como o telegrama que recebi;

Despedido.

Desculpe, não percebi.

Deve ser um mal-entendido

Porque esta maldita roda dentada

Tem a mania que governa

Mas, meus senhores,

Governar não lhe serve de nada.

Governar

Só. Uma roda dentada.

Grito pelo aplainamento

Que brinca com a furadora

Morre

Fode

E, pede desculpa à meritíssima Doutora.

A sentença

A carta de despedida do enforcado

Foi abandonado

Deixado

Pela roda dentada.

Chamei a fresadora

Veio com ela a furadora

Mais a puta da rectificadora.

Hoje foi um putedo de máquinas

Livraram-se do arranque da apara

E lá continua ela

A desgraçada da roda dentada.

Parti-lhe os dentes

Todos.

E, tudo

Para nada;

Todo este putedo em minha casa

Não esquecendo a soldadura

A electroerosão

A puta que os pariu a todos.

Mas, por favor.

Não deixem a minha roda dentada

Deitada

No chão.

Foda-se; que palhaçada.

As fotografias

As rosas

E todas as rodas dentadas.

(e, Senhores. Isto não é um poema. Isto é uma orgia mecânica,

Que dorme na minha cama).

 

 

Francisco Luís Fontinha, 04/12/2020

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Um relógio de sono

 

Às cinco menos um quarto

O teu corpo coberto de poeira

Nos teus lábios, a doce madrugada quer acordar,

Na tua boca, as palavras de luz

Que habitam nos meus olhos.

Às cinco menos um quarto

Um relógio de sono

Quase a desmaiar,

Será fome? Ou apenas manha do dono…

E, dos pássaros às árvores

Enquanto flor nocturna,

Desce sobre ti a triste madrugada,

Em Dezembro estás,

Em Janeiro ficarás nesta aldeia das quatro esquinas de luz,

E contra os rochedos,

As lâmpadas do poema em cio.

Às cinco menos um quarto

A minha mão nos teus seios,

As ditas palavras de ontem,

Tristes,

Vergadas pelo peso do sono,

Em Janeiro acordarás,

Deste azarado Dezembro.

O jantar está óptimo,

Como sempre,

Como todas as palavras,

E, bebo todas as equações do desejo.

Sou eu, não te recordas da minha mão?

Quando ontem

Às cinco menos um quarto

Na tua boca

A minha boca

Adormeceu

Cansada

Viva

Mais feliz pelas palavras comidas

E, de todas as equações sofridas,

Toca o telefone,

Era ela

E, às cinco menos um quarto

Um quarto

Uma janela

E, um sorriso de mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó/03/12/2020

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Os lábios do poema

 

São doces, os lábios do poema.

São as palavras, nos lábios do poema,

Quando o mar entra pela janela.

Lá fora, gente dispersa, contínua, como a água,

A mesma água que jorra dos lábios do poema.

São estes beijos, meu amor,

Que travestidos de palavras,

Vivem nos teus lábios – o poema;

Escrevo-te enquanto tu, vestida de flor,

Danças na sombra, a mesma sombra, que beija os lábios do poema.

Percebo que as roldanas do amanhecer, antes de oleadas,

Estejam perras, doentes e cansadas,

Mas, durante a tarde, as roldanas que vivem nos lábios do poema,

Despem-se; vejo-as banharem-se no rio onde brincam os lábios do poema.

O ciúme. A paixão dos versos envenenados pelos lábios do maldito poema,

Dançam, como tu, nos lábios do poema.

Durmo docemente nas tuas asas, andorinha Primavera,

E, o amor,

E o amor nos lábios dela,

Os mesmos lábios que dançam nos lábios do poema.

É hoje, a derradeira manhã adormecida,

Despida,

Nua e envelhecida,

É hoje, meu amor,

Que todas as palavras são beijos,

Os beijos dos lábios do poema.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó, 19/11/2020

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Eu COVID – a obsessão

 

Ouvi hoje (11-11-2020) na TSF o grito de alerta da Sociedade Portuguesa de Oncologia. Lamentável. Milhares de cancros não estão a ser diagnosticados devido à obsessão por parte das autoridades com a COVID-19.

Não se fazem rastreios, tratam-se mal os doentes oncológicos, e afins.

Como filho de doentes oncológicos, mortos no espaço de quatro anos, também me apetece gritar. Conheço, infelizmente o drama destes doentes e suas famílias. Horrível, apenas isso.

A COVID-19 existe, mas é apenas mais um vírus que vamos ter de aprender, a partir de agora, a conviver com ele.

Não abandonem os doentes oncológicos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

11/11/2020

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Todas as cerejas

 

As cerejas serão sempre cerejas na tua boca.

Os lábios das cerejas, na tua boca, teus lábios, serão sempre o nascer do sol.

Das palavras, às cerejas, há sempre um poema envenenado,

Uma canção de espuma,

Na mão sardenta de um condenado.

Há sempre um drogado,

Entre poemas e textos de escrever,

As cerejas, quando doces, são frutos de querer,

São melodias do narciso,

Voando em direcção ao mar.

Depois, no final da tarde, todas as palavras se suicidam,

Dormem na boca das cerejas,

Depois, o beijo, das cerejas,

Parecendo o acordar dos pássaros embainhados pelo sono da Primavera.

Tenho em mim, na minha mão, as cerejas de beijar,

Tenho na minha boca as cerejas do desejo,

Quando no oceano todas as cerejas, entre palavras, se agitam como moças parvas,

Cidades entre esquinas,

Luzes de caminhar de encontro às esplanadas de brincar e,

As outras cerejas,

As cerejas de acariciar,

Pintam na clarabóia da insónia,

As planícies de amar.

Amam-se as cerejas.

Brotam da terra as cerejas mortas,

Caducas,

Velhas,

Onde alguém desenha hortas,

Árvores em papel… e,

Janelas abertas.

As cerejas, meu amor,

São o silêncio da bruma,

São barcaças,

São pingos de espuma;

Um telegrama,

Que não me grama,

Coça os tomates,

Puxa de um cigarro invisível,

Lê na tua mão, meu amor,

Que todos os restaurantes faliram,

Morreram de sono,

Pumba.

Fim.

Incrível,

As aldeias de xisto,

Cansadas,

Cansadas de tudo e de nada,

Visto.

Está visto.

Porta cerrada,

Número de polícia trocado,

O velho,

O farrapo,

O vagabundo.

Atravesso a calçada,

Limito-me a observar,

Os pombos que cagam,

Os homens que cagam nos pombos e,

Meu amor, as cerejas que esqueci na tua boca.

Alimento-me.

Sou um sem-abrigo com ordem de recolher;

Mas nunca, nunca serei um homem de obedecer.

Ponto.

Vivam as cerejas,

Porque de tão belas,

São doces,

São mulheres,

São donzelas.

E as abelhas?

Que se fodam as abelhas.

E as cerejas de comer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 09/11/2020