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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Roda dentada

 

(para todas as rodas dentadas, com amor)

 

 

Mataram todas as rosas do meu jardim.

Incha o corpo da serpente embrulhado na saliva florida do meu jardim

E, pergunto-me,

Porque morreram as rosas do meu jardim.

Uma velha roda dentada

Na minha cama deitada

Desmiolada

Triste cansada.

Porquê as minhas rosas embalsamadas?

Coitadas.

Tristes.

Velhas.

Cansadas.

O torno

Que é mecânico

Beija docemente a velha roda dentada

Tem muitos dentes

Tem orgasmos

E, tem uma manivela

Que não serve para nada

A não ser

Para ser rodada

Prá frente

Prá cima

Alto

Cuidado;

Se fosse puta, eu gritava,

Assim,

Como é uma manivela que beija uma roda dentada.

Nada.

Está perdoada.

Coitadas das rosas do meu jardim

De tanto brincar

Dormem

Assim

Como o telegrama que recebi;

Despedido.

Desculpe, não percebi.

Deve ser um mal-entendido

Porque esta maldita roda dentada

Tem a mania que governa

Mas, meus senhores,

Governar não lhe serve de nada.

Governar

Só. Uma roda dentada.

Grito pelo aplainamento

Que brinca com a furadora

Morre

Fode

E, pede desculpa à meritíssima Doutora.

A sentença

A carta de despedida do enforcado

Foi abandonado

Deixado

Pela roda dentada.

Chamei a fresadora

Veio com ela a furadora

Mais a puta da rectificadora.

Hoje foi um putedo de máquinas

Livraram-se do arranque da apara

E lá continua ela

A desgraçada da roda dentada.

Parti-lhe os dentes

Todos.

E, tudo

Para nada;

Todo este putedo em minha casa

Não esquecendo a soldadura

A electroerosão

A puta que os pariu a todos.

Mas, por favor.

Não deixem a minha roda dentada

Deitada

No chão.

Foda-se; que palhaçada.

As fotografias

As rosas

E todas as rodas dentadas.

(e, Senhores. Isto não é um poema. Isto é uma orgia mecânica,

Que dorme na minha cama).

 

 

Francisco Luís Fontinha, 04/12/2020