terça-feira, 21 de abril de 2020
terça-feira, 31 de março de 2020
O menino dos livros
Os
livros dançam na paixão da manhã,
Envidraçada
tempestade de areia,
O
menino, sorri,
Canta
canções de areia,
Grita,
Chateia.
O
menino no circo,
De
livro na mão,
Escreve
um sorriso,
No
chão,
Brinca,
brinca com o livro de areia,
Não
grita,
Agora,
Mas
chateia.
O
menino dos calções,
Correndo
junto ao rio,
Em
cio,
Em
cio como as lâmpadas de néon.
Vende
livros à porta da igreja,
Arrecada
uns tostões,
Vai
para o mar,
De
bandeira na mão,
Deita-se
na areia,
Já
não chateia,
O
menino dos livros,
Enquanto
as gaivotas cantam,
E
também elas gritam,
Canções
de areia.
O
menino está calmo,
Sereno
com a tempestade,
Brinca,
brinca na saudade,
Sem
perceber,
Que
nos livros,
Onde
quer escrever,
Já
não sonham;
Apenas
brincam em canções de areia…
Nas
canções de sofrer.
Francisco
Luís Fontinha
31/03/2020
segunda-feira, 30 de março de 2020
O caixão do Adeus
Alguém
morreu, pensei eu, o portão do cemitério aberto, os pinocos anti estacionamento
colocados a preceito para que ninguém se alicerçasse ao pequeníssimo espaço, tudo
sinal de que haveria um velório.
Parei,
peguei num minúsculo cigarro de fumo, folheei o Jornal Público e, sobre as
árvores o silêncio dos pássaros, alguns, adivinhando qualquer coisa de
estranho, talvez eles já soubessem que alguém se tinha despedido da realidade e
enveredado pela sinfonia do Adeus, perguntei-lhes
-
Quem morreu?
Que
não sabiam, tinham acabado de regressar de viagem e, verifiquei três o quatro
pessoal, vestidas de negro, que pareciam esperar alguém,
-
Temos medo, Senhor,
Medo,
perguntei eu?
Do
vento, diziam eles, medo do silêncio e, das amendoeiras em flor,
Percebo,
percebo, mentalmente refazia-me do susto de alguém ter adormecido durante a
noite e ninguém à sua espera quando regressasse,
-
Sabe, Senhor?
A
morte é triste,
Pára
um carro funerário, lá de dentro sai um caixão escuro, vestido de tristeza, as
poucas pessoas que o aguardavam, choravam, em silêncio e, o mar estava longe, poisei
o Jornal, deitei no cinzeiro a beata que restava do meu alimentado cigarro, apetecia-me
acompanhar o velório, mas não o fiz, fiquei sentado,
Um
dos pássaros começou a cantar:
Capitalista
de merda
Mete
o dinheiro no cu
Dá
o dinheiro ao operário
Que
trabalha mais do que tu
Vai
o enterro a passar
Foi
a filha do operário
Que
morreu a trabalhar
Fiquei
incrédulo, não acreditava no que acabava de ouvir, entre lágrimas, alguém
desenhou um finíssimo sorriso de sangue e, entre o sol, as flores aplaudiam como
se o cansaço das lápides estivesse a terminar,
-
Acabou, acabou disse-me ele,
E,
tudo acaba; entre silêncios e lágrimas de chocolate.
Francisco
Luís Fontinha
30/03/2020
domingo, 29 de março de 2020
A luz envelhecida da paixão
São
horas.
Trago
nos pulsos a terminante esperança de caminhar junto ao rio. As luzes das
palavras são a caminhada para o futuro, já não tenho medo de caminhar, Paris é
lindo, são os poetas, como eu, são os pintores, como eu e, os livros, como eu.
Também
eu sou um livro, talvez a poesia tenha acordado em mim, já cá estava, sempre
esteve, e agora, voltou a acordar. São horas são horas de caminhar em direcção
ao caminho que sempre quis percorrer.
Tenho
saudades, mãe, muitas saudades das tuas mãos, quando a colocavas no meu rosto, cinzento,
fumegante dos cigarros envenenados e, o pai inventava lágrimas no meu olhar. As
ruas estão recheadas de gente, bonita, nova, sempre a correr em direcção ao
nada, com fome de escreverem na palma da mão o cansaço olhar da melancolia
madrugada, já não tenho medo, mãe, já não tenho medo de amar, sorrir e, correr.
No
entanto, às vezes, o poço que existia, deixou de existir, cansou-se de mim,
morreu. Paris, mãe, Paris é linda, subi à torre Eiffel, quase que te encontrei,
mas não estavas lá, ontem fui visitar uma igreja, coloquei uma vela por ti e
pelo pai, sei que tu sabes que eu, o teu querido filho, não acredita em Deus,
mas tu acreditas, mas o pai acredita, espero que gostes.
São
20:00 horas.
Comprei
alguns livros, sobre o Louvre e sobre a cidade de Paris. Sabes, mãe, sou louco
por livros, sabes, mãe, gosto de escrever, e escrevo-te deste sítio belo e
encantado, todas as noites, e tu vais ajudar-me a vender os meus livros, os
quadros e, no entanto, as palavras são o bálsamo da minha estória.
São
20:00 horas, a caneta expressa-se, vinga-se nas minhas mãos e, as palavras
soltam-se como uma bala disparada por um canhão de espuma. Desenho-te no meu
peito, escrevo-te, sinto as ruas desertas e não consigo adormecer com o
silêncio das lâmpadas do desejo, oiço a voz das tristes alegrias e, por vezes,
oiço a tempestade, e todos os livros dormem.
Que
saudades do Pacheco. Meu querido Pacheco! Que saudades…
São
horas. São horas de dormir, de comer, de passear em todos os caminhos, sempre
em desespero de conseguir acompanhar o sofrimento da minha alma. Os pássaros,
mãe, os pássaros que habitam na minha mão e, talvez estas palavras sejam o
princípio de uma história, um velho poema amarrotado, um silêncio disperso na
madrugada ou, nada.
Que
saudades, meu querido Luiz Pacheco, que saudades das tuas palavras, palavras
que absorvo com a saudade, com o medo, da noite, e é na noite que me perco
nestas ruas esfomeadas de luz.
Francisco
Luís Fontinha
Paris,
07/03/2020
(…)
Um
par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha
vida, a dela e a vida de quem não dorme…
Conhecia-a
numa noite de Inverno, no planalto do desassossego habitavam as planícies da
solidão, dias a fio encurralado numa jaula, à janela tinha a companhia da
Gaivota Desejo, conheci-a numa noite de Inverno enquanto acendia a lareia,
confesso, nunca tive, não tenho… apetências para lareiras, o meu caso é mais de
insónias, tardes confusas
Confusas?
Sim,
confundo o triste olhar do céu com os beijos da geada, sim, confundo os
plátanos nus com a tua nudez… e que desperdício, o desgosto de acordar tarde, e
tu
Sofrias
de sinusite aguda, durante a noite não dormias, já dormes, meu querido? Não,
não durmo, e de sinusite aguda transformou-se numa loba, tinha asas e voava
sobre o Tejo,
E
tu, e tu acreditavas que eu era marinheiro de profissão, tinha dois filhos e morava
num cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma
colher, a sopa infestada de sono, a sopa entranhada entre o ontem e o amanhã,
não, não meu querido, não acredito numa só palavra tua,
Confusas?
Distantes
e abstractas todas as minhas manhãs, conheci-a numa noite de Inverno, algas
mortas, as profundezas da palavra acorrentada à lareira, bêbado, sou bêbado…
cambaleava sobre a areia fina do destino, tinha dois filhos e morava num
cubículo recheado de velharias, alguns livros, dois ou três pratos e uma
colher, a sopa infestada de sono, o sono enfestado de sopa, e nunca vi o mar,
meu querido, o mar…
Durmo!
À
meia-noite regressava o eléctrico, descalça com os sapatos de salto alto
suspensos no cansaço, vomitavas as dores do teu camuflado esqueleto pela manhã,
vomitavas
Ela
já foi dormir…
Vomitavas
todos os gemidos da Sinfonia da paixão, acreditas, meu querido?
Fui
despedido
Durmo!
Ela foi dormir, ela quase nem me olhou
Boa
noite…
Fui
despedido e agora vou viver de esmolas e serviçais serviços, boa noite, ela já
foi dormir, fui despedido como são despedidos todos os poetas, dizem que as
mulheres têm o prazer de despedir poetas,
Foda-se
o poema,
Boa
noite…, nada mais, boa noite e partiu sem deixar rasto, algumas roupas, uma
pequena pasta com alguns papeis e uma esferográfica, talvez comece a escrever,
escrever-me definitivamente com o meu nome, endereço e rua,
Ela
partiu, boa noite, cansaço o caraças…,
Um
par de cornos
O
caraças, tu andas é com algum Mânio, iletrado, dormir, fui despedido
acreditando que levaria a vida de escritor,
Uma
merda, escrevo uma merda e merda
Um
par de cornos, um avental e uma faca do tamanho de um beijo, uma merda, a minha
vida, a dela e a vida de quem não dorme…
A
via não regressa mais aos teus braços, meu amor, sentíamos os gonzos da insónia
acorrentados aos nossos lábios, o dia consegue alimentar-se das ardósias sonsas
do olhar, a noite envergonha-se nos nossos medos, de amar, ser amado, amarmo-nos
sem percebermos que amanhã o amor é uma lápide de lágrima, tive um sonho esta
noite, estávamos sentados na saudade
Saudade,
meu amor? Sim, sim meu amor, sentados na saudade, as cancelas da morte
entreabertas, sentados na saudade,
Amanhã,
meu amor, os pássaros brincando na janela virada para a Quinta, ao fundo o Rio,
o Douro envergonhado galgando os socalcos do desejo, a vida
Não,
não regressa mais aos teus braços
Meus
amor?
Sim,
claro, amanhã, amanhã sentiremos o odor dos sufixos aprisionados ao Dicionário
da paixão, a encosta, o medo de perder-te, meu querido, enquanto lá fora a
noite vomitava fotografias da tua infância,
Saudade?
Os
brinquedos, os primeiros beijos e cartas de amor, o papel, os poemas em
pequenos suicídios, milímetros de suicídio, aos poucos, a partida, o Adeus, a
brincadeira,
Não,
não meu amor, amanhã não
Não
consigo absorver-te como te absorve a noite, as laminadas fragâncias
enferrujadas no cabelo da invisível maré de Azoto,
Saudade?
Os
brinquedos…
(…)
Francisco
Luís Fontinha
In
“Amargos lábios do Poema”
sábado, 28 de março de 2020
Necrologia
O
tempo que passa,
Desassossega
o desespero,
Finto
a vaidade,
Perco
o emprego,
Vagueio
na distância,
Ilumino-me,
E,
perco-me no cansaço dia.
Tenho
pena,
Daqueles
que por lá passaram,
E,
desavergonhadamente,
Lá
continuam,
Esperando
as pedras que caiem do silêncio,
Aos
poucos,
Em
cio,
Os
pássaros loucos,
No
desvaneio da solidão.
O
tempo passa,
A
fome aperta,
Neste
desespero acontecimento,
Dos
novos marinheiros,
Entre
sexos e chapas de zinco,
O
rio, comem-me,
Quando
a maré se abraça ao cansaço.
Todas
as vezes, algumas, o tempo passa,
O
mar envaidece-se de sonolências madrugadas,
Calcárias
manhãs de Primavera,
Ao
deitar,
Sobre
o travesseiro da insónia,
Esqueço-me
de acordar,
Tomo
café, todos os dias,
E,
vejo no jornal, a minha foto,
Necrologia,
Perdidos
e achados,
Despeço-me,
Até
logo,
Abraços.
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
28/03/2020
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