quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Poema vadio


Oiço os teus gemidos no cansaço da noite.

Amar-te não me chega,

Amar-te é crucificar o teu corpo nas rimas de um poema vadio,

Cansado do rio,

Antes de nascer o Sol.

Amar-te é construir uma cabana junto ao mar,

Plantar livros no quintal,

Desenhar na areia o silêncio da noite,

Esse mesmo,

Onde oiço os teus gemidos.

Não. Não estou louco.

Se o fosse não escrevia sabendo que oiço o mar nos teus lábios de amêndoa…

Contra os rochedos da insónia.

E eu sou capaz de caminhar até à montanha mais alta do meu corpo,

Vagueando nos teus braços de pérola adormecida,

Como o vento,

Levando com ele a cumplicidade de um beijo no esconderijo da noite,

Quando um transeunte tropeça nas palavras,

Que aqui,

Ali…

Vou semeando…

Para quando eu morrer,

Tu,

Acariciares entre parêntesis e ponto de interrogação.

Amanhã?

Logo à noite?

Somos apenas fotografia a preto-e-branco.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

8/08/2019

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A galáxia da paixão


(para ti, meu amor)

 

 

Desenho nos teus lábios o silêncio do desejo.

Procuro na tua mão a galáxia da paixão,

E todas as estrelas do Céu.

Trago na algibeira as lágrimas do rio,

Que afagam os teus seios…

Escrevo no teu corpo… amo-te…

E sinto que pertenço ao sorriso do mar.

Pinto no teu púbis os socalcos do Douro…

Lá longe um barco apita,

Olhas,

Abraças-me,

E ficas eternamente alicerçada aos meus braços.

Depois abrimos um livro,

Lemos um poema,

Beijo-te,

Sem perceber que a morte é um esqueleto de aço,

Que dói,

E perde-se no deserto das amarras silenciadas pela tempestade.

(Desenho nos teus lábios o silêncio do desejo.

Procuro na tua mão a galáxia da paixão,

E todas as estrelas do Céu.)

E percebo que estou apaixonado pelas palavras que te digo.

 

 

 

Alijó, 07/08/2019

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 19 de junho de 2019

O beijo


Os teus olhos são o poema.

O poema escrito nos teus lábios de amêndoa,

Quando cai a madrugada,

E a geada,

Engorda,

Não aguenta,

O beijo feitiço,

Da tua boca envergonhada.

Os teus olhos são o poema.

O poema inventado numa noite de tristeza,

Fico triste eu,

Ficas triste tu…

Porque o luar,

Junto ao mar…

Deixou de nos pertencer.

Grito,

Escrevo,

Escrever,

Que quando te vejo,

Tremo,

Fujo,

Adormeço.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

19-06-2019

terça-feira, 18 de junho de 2019

Os pássaros


Observo os pássaros poisados na minha janela.

Converso com eles,

Contam-me estórias,

Lamúrias,

Contam-me os murmúrios da noite,

Quando se acendem as estrelas e cessa o dia.

Pergunto-lhes porque me visitam, se durante o dia não recebo uma única visita.

Pergunto-lhes porque me perseguem enquanto saboreio, à noite, o meu último cigarro, e, o meu último copo de uísque.

São chatos.

Cansados,

Choram,

Gritam,

E não sei o que lhes dizer…

O que se pode dizer a um pássaro abandonado?

Que está frio?

Que a noite é a coisa mais bela de se olhar?

Escrevo-lhes.

Não me respondem.

Mas olham-me.

Abro a janela, eles entram, são as primeiras visitas dos últimos meses, e, ficam tão felizes por eu lhes acariciar as penas de algodão da cabeça…

Pergunto-lhes.

Vamos escrever um poema?

Que não. Que a poesia é para lamechas.

Mesmo assim, escrevo-lhes.

Falei-lhes de um tal de Francisco, que em miúdo, puxava um triciclo com um cordel invisível por um quintal de Luanda.

Não acreditaram na minha estória…

Dizem-me que não existem triciclos.

Dizem-me que nunca estive em Angola.

Sabes?

Não.

Nunca vi o mar das oliveiras.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

18-06-2019

domingo, 16 de junho de 2019

Todos os livros


Constrói o teu tumulo no silêncio da noite.

Alicerça no teu sorriso todas as palavras da tarde,

Como se fossem cadáveres…

Suspensos nas arcadas da solidão.

Grita.

Corre.

Desce os socalcos até ao rio, senta-te, e, dorme.

Constrói o poema na tua mão,

Abraça-o e foge.

Leva contigo os lábios da madrugada,

Todas as lâmpadas da cidade,

Esconde-te na face oculta da montanha,

Para que ninguém te veja,

Observe,

Absorve,

Os telegramas das ruelas sem saída…

Todas as noites.

Todos os dias.

Constrói em ti os livros não lidos,

Os lidos,

E aqueles que não tens vontade de ler,

Porque são cansativos,

Monótonos…

Ou sorrisos de sofrer.

E nunca te esqueças que o amor,

Todo o amor,

É um espelho cansado,

Perdido na cidade….

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

16-06-2019

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Sou


Sou,

Sou tudo aquilo que tu não querias que eu fosse,

Sou a escuridão,

Pássaro,

Avião,

Sou,

Sou a pétala de rosa que trazes nos lábios,

O poema cansado que beijam os teus seios…

Sou,

Sou pedreiro,

Carpinteiro,

E coveiro dos textos imperfeitos.

Sou,

Sou os socalcos que iluminam o teu olhar,

Sou a penumbra madrugada quando vais trabalhar,

Sou,

Sou a esperança de viver,

E deitar-me na tua mão esfomeada.

Sou a roseira do teu quintal,

Sou a melodia do teu corpo,

Quando iluminado pelo Sol…

Sou,

Sou tudo aquilo que tu não queres que eu fosse.

Sou,

Sou o amanhecer,

O charco embriagado da tua boca,

Sou,

Sou o poeta do inferno,

O camuflado sem-abrigo,

Apaixonado,

Sem trigo.

Sou…

Sou tudo aquilo que eu quero ser;

Um sonhador,

Lenhador…

Poeta candado…

Das noites em flor!

 

 

 

Alijó, 12-06-2019

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 12 de maio de 2019

A rosa,



São os dedos do poeta quando constrói o poema sobre a cidade.
São os lábios do poeta quando beija a madrugada.
É o perfume da noite quando o poeta dorme nas estrelas.
A rosa,
São os espinhos do poema,
As pétalas do poeta,
Quando o poema é incendiado pelo olhar da escuridão.
 
 
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
12/05/2019