domingo, 23 de agosto de 2015


Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015

Os muros invisíveis da alma


Inventaram este suicídio para me acorrentarem aos muros invisíveis da alma,

Trouxe da vida as palavras e a noite,

Trouxe da noite

A luz incandescente dos corpos suspensos na alvorada,

Não tenho medo da solidão,

Nem medo de sofrer,

Não tenho medo da fogueira madrugada…

Brincando na minha mão,

Acaricio-te o rosto envenenado pela dor,

Inventaram-me este suicídio para me roubarem o sono

E as montras iluminadas da cidade,

Caminho abraçado ao vento…

Caminho procurando as montanhas sonolentas da paixão

Que só tu sabes onde se escondem,

Que só tu sabes o seu nome,

Inventaram-me este suicídio para me acorrentarem aos muros invisíveis da alma,

Vestiram-me de mendigo,

Venderam-me na “Feira da Ladra”…

E hoje pareço o luar alimentado pela tristeza,

E hoje pareço um amontoado de ossos envergonhados

Esperando o varredor nocturno do silêncio,

Esta cadeira onde te sentavas…

Parece um rochedo recheado de lágrimas,

Uma praia encalhada nas tardes de papel celofane

Onde apenas tu brincavas,

E da noite…

Trouxe também o embriagado olhar com que me olhavas.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 23 de Agosto de 2015

Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015

sábado, 22 de agosto de 2015


Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015

O mendigo das palavras


Pedido nesta avenida

Recheada de cacos e velharias,

Mendigando palavras,

Fumando cigarros imaginários,

Perdido,

Achado,

Escrevendo no teu rosto poemas envergonhados

Que só tu

Consegues perceber…

A vida parece um carrossel enferrujado,

O teu corpo fundeado no meu peito

Como se fosse uma serpente de tristeza,

Perdido,

Achado,

Na algibeira alguns sorrisos de riqueza…

Mas tu sabes que nunca quis ser rico,

Mas tu sabes que nunca quis ser nada…

Apenas me apete estar qui,

Sentado,

À tua espera…

Como um barco que regressa do Ultramar

Trazendo gaivotas

Caixotes poucos…

E recordações em pedaços de papel,

Perdido nesta avenida

Recheada de insónia

E sonhos inventados por uma criança,

Hoje, hoje aqui sentado…

Espero-te sem saber se vens

Ou se pertences às lápides da madrugada,

Não me importo com as fotografias rasgadas

E deixadas nos braços do vento…

Perdido,

Achado,

Aqui… como um rochedo sem coração.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 22 de Agosto de 2015

Francisco Luís Fontinha - Agosto/2015

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Falsa partida


Partirei sem desenhar o meu nome na alvorada fantasma da vida,

Partirei sem deixar uma sombra deitada na manhã,

Partirei sem vontade de regressar,

Partirei como um sonâmbulo ambulante pernoitando de festa em festa,

Nos lábios do luar,

Partirei descendo a avenida

Que me levará até ao esconderijo da agonia,

Partirei apaticamente para o outro lado da rua,

Sentar-me-ei até que o meu corpo desfaleça,

Tudo esqueça,

A doença,

A amargura

E a tristeza,

Partirei deixando um prato de sopa dormindo em cima da mesa,

Falarei baixinho,

Dócil…

Para ele não me ouvir,

Só me faltava a mim

Levar comigo um prato de sopa,

Uma colher…

E um pedaço de pão

Para alimentar a solidão,

Assim… não saberei partir…

Partirei sem levar os livros,

As músicas mais desejadas,

Partirei deixando na fogueira todas as cartas,

Todas as palavras,

Que nunca deveria ter escrito…

Partirei,

Partirei vestido de pedinte,

Cambaleando contra os candeeiros da saudade,

Não, não vou levar comigo a felicidade…

Porque partirei de livre vontade,

Ao amanhecer,

Sem ninguém saber,

Partirei,

Partirei e deixar-me-ei envelhecer…

Até morrer.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 21 de Agosto de 2015