terça-feira, 20 de maio de 2014

Quem és, pergaminho abandonado no meu corpo?

foto de: A&M ART and Photos

Quem és, pergaminho abandonado no meu corpo?
Enrolas-te em mim disfarçado de cobra, alicerças-te aos meus frágeis braços,
e,
navegas no meu ventre como uma caravela sem destino...
entranhas-te em mim e dizes-me que o teu nome é Primavera...
Primavera... finjo nem perceber,
cerro os olhos e sinto as tuas mãos de desejo laminado nos meus seios,
pergunto-te porquê... pergunto-te porquê eu, pergaminho de olhos verdes?

E a cada momento meu o teu corpo descongela,
ficamos apenas uma finíssima pedra de amor...
descendo a montanha da paixão,

Quem és?
Eterno nocturno com sabor a escuridão,
marinheiro perfumado que te enfaixas nas minhas coxas de areia,
e sinto... e sinto os meus gemidos no espelho dos teus olhos,

Ai... meu querido amor!
A paciência minha depois dos teus gritos de prazer,
depois de adormecerem as gaivotas no Tejo,
e tu,
tu sais de mim,
e tu...
e tu desapareces na neblina que engole a escadaria do prédio onde habitamos,
foges,

sem destino,
e eu, e eu como uma folha amarrotada nos dedos de um cinzeiro de prata,

Quem és, pergaminho abandonado no meu corpo?
Que oiço os teus cabelos no peitoril enquanto saboreias o teu último cigarro,
que oiço o bater do teu coração enquanto poisas a tua cabeça no meu peito...
e pareces-me uma rua sem janelas numa cidade sem telhado,
uma casa sem varanda,
uma casa... uma casa enfeitada com sombras e pássaros,
uma casa como tu,
uma casa onde me abraças e me dou conta que apenas te pertenço...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 20 de Maio de 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

A manhã antes de acordar


Tínhamos dentro de nós
uma finíssima película de espuma
éramos dois espantalhos semeados no centro do trigo
sentados
olhávamos o espigueiro da preguiça
cansado
ao sol
deitado entre as ripas da solidão,

Tínhamos um punhado de desejo
e sentíamos as faces do vento nas nossas mãos de esmeralda
os diamantes iluminavam os teus olhos de sereia madrugada,

Tão louca
a noite
quando adormece no teu ventre,

Colocava os meus dedos nos teus cabelos
voavam como um colorido papagaio em papel doirado
ouvíamos as lágrimas do rio
que depois do luar... acorrentava barcos e marinheiros famintos
e tínhamos
e sentíamos...
o quê?
beijos transversais nas vidraças do poema,

Tínhamos...
… e era tão louca
a manhã antes de acordar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Maio de 2014

domingo, 18 de maio de 2014

A menina das palavras


Das palavras que me obrigas a escrever
oiço-as em teu dedos pincelados nos pérfidos desejos
reescrevo-as
e desenho-as no teu corpo mergulhado na amarrotada pele de seda
das palavras que me obrigas...
escrevo-as
dito-as
e finjo estar acordado,

Sei que as tuas tristes sílabas vagueiam no meu peito
como sementes esquecidas no vento
sei que nos teus lábios habitam agulhas de algodão
que servem para afugentarem as minhas palavras,

Das palavras que me obrigas a escrever
elas se acorrentam aos meus braços
fazes de mim um prisioneiro vadio
ou uma árvore sem coração
correndo sob a neblina do teu olhar
delas
apenas o perfume do néon que a cidade engole,

Mulher prisão
mulher inseminada das minhas tristes palavras
mulher de negro
mulher... mulher paixão,

Das palavras minhas que que obrigas a escrever
faço-o apenas porque os meus dedos deambulam no nocturno Oceano
escrevo-as
apago-as
afogo-as como mágoas
as palavras
as palavras que me obrigas a escrever
eu as escrevo para te silenciar...

Há mendigos palavras
homens enlatados descendo a avenida
há as minhas malditas palavras...
delas e elas... as palavras sem comida,

Uma duas três tristes palavras
uma duas três quatro... quatro vogais descendo as tuas coxas de iodo
uma janela peneirenta
e uma porta de entra roxa
e há uma varanda onde tu lês as minhas tristes palavras
aquelas que me obrigas a escrever
a vomitar sobre as páginas de um rosto em sofrimento
das palavras que me obrigas a escrever,

Há palavras obrigadas a viver
dentro de mim
e por ti...
por ti menina das palavras...

Há palavras que eu não quero escrever
há escrever sem palavras que recuso ler
há a menina das palavras
com correntes em aço
palavras prisioneiras
palavras amaldiçoadas
palavras que o púbis da caligrafia
semeia no corpo da menina das palavras.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 18 de Maio de 2014

Os círculos do desejo


Redefino-te entre os círculos do desejo
percebo das pálpebras do Oceano que o teu corpo flui na equação da recta
há nos teus seios de oiro uma velha parábola
que voa
e dorme
nas tuas mãos embrulhadas na curva de Agnesi,

És matemática que o homem acaricia
docemente
e resolve as equações de ti,

Redefino-te e sinto na tua boca o regresso do amor
sento-me em frente ao mar
e espero que cresça a noite
desenho na areia do prazer os lençóis onde adormeces
e absorvo-te na peugada estrelar das camélias em flor
e sei que habitam em ti todos os esconderijos da montanha...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 18 de Maio de 2014

sábado, 17 de maio de 2014

beijo feitiço


há um beijo feitiço nos teus lábios de saudade
há uma flor adormecida em tuas mãos
a penumbra manhã quando finge olhar-te
e desiste
há um biombo de ânfora perdido nas tuas pálpebras
e o beijo feitiço
voa como as palavras do poeta
nos seios de uma folha amarrotada,

há um beijo feitiço numa boca inventada
há uma menina traquina
há uma menina apaixonada...

há um beijo feitiço disfarçado de madrugada
estrelas em papel aprisionadas na mão da menina traquina...
há uma casa sobre uma árvore
com o nome de paixão
há um beijo
há um despedaçado coração
no feitiço
do beijo desejado.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 17 de Maio de 2014
(ao som do Planeta3)

tentáculos da saudade


sentei-me sob as lágrimas de ti
e fiz-me marinheiro do amor
corri
ouvi...
e escrevi
todos os sorrisos da tua flor,

voei nos teus cabelos de solidão
desenhei-te poemas sem sentido
fui um transatlântico anão
oceano nocturno dentro do teu coração
sou um homem esquecido na tua mão
sou um pequeno cortinado de veludo no vento perdido,

sentei-me sob as lágrimas de ti
e hoje pareço uma rua sem saída habitante de uma triste cidade
vivi
e senti
(os cansaços que o xisto absorve depois das miudinhas gotículas do desejo)
e vi...
o regresso da saudade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 17 de Maio de 2014