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destaque – Sapo Angola
terça-feira, 21 de maio de 2013
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Das garças, chegada a noite, sempre uma janela que se encerrava
foto: A&M ART and Photos
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Deixamos de ouvir os murmúrios das garças, chegada
a noite, sempre uma janela que se encerrava, uma porta com os gonzos
empenados, talvez sofrendo de bicos de papagaio, espondilose lombar
ou artrose, ou dobradiças enferrujadas, ou
de coração frágil
Ou porque ontem tínhamos onde nos sentar e hoje,
hoje não cadeiras, hoje não bancos, hoje... que raio se passou
hoje, que coisa, que nem um banco livre para poisarmos as pernas,
descansarmos o rabiosque, nada, parece que nos abandonaram, como a
elas, que as deixamos de ouvir, ou morreram, ou
e pior do que frágil, às vezes bate
desmesuradamente, velozmente como um cavalo acabado de nascer, um
inútil, ou
Ou uma triste mão como lágrimas de tempestade, que
sem segundas intenções, pegava em nós, e acariciava-nos os nossos
cabelos de enxofre, e sentíamos essas mesmas mãos, lisas, duchista,
a percorrerem os nossos corpos acorrentados à baliza que ficava ao
fundo do recreio, queriam que eu jogasse futebol, eu jogava mas
inventava mentalmente personagens dentro de mim, e sabia que no
futuro tu, olhavas-me no passado, como hoje, eu
olho-te no futuro,
Morreste já, como as estrelas que quando as vimos
nascer, provavelmente, digo, quase de certeza, já morreram também
como tu, perguntas-me
porquê?
Imagina a tua imagem longínqua de mim, sobre uma
montanha de areia, imagina que essa imagem é reflectida e vem até
mim, demorando milhões de anos luz, poderás concluir que quando a
tua imagem me abraçar, tu, já não existirás, Certo?
olho-te no futuro, tens quatro filhos, já és avó,
mal podes com as pernas, demoras uma infinidade a subir as escadas
para o sótão da vaidade, quando atinges o patamar, abres a porta
quase encharcada de bicho da madeira, ela range, e começa aos poucos
a decompor-se como um corpo hirto mas morto, defunto, e de uma janela
onde costumávamos ouvir as garças, é hoje uma parede de betão,
sem acesso ao telhado, não temos divã, e os livros que tínhamos
deixado ficar nas estantes, também eles, morreram, em pedaços, são
agora poeiras voláteis em voos nocturnos,
Certo! E claro que não percebeste nada do que eu te
disse, como sempre, imaginas-me louco, criança ainda, porque devido
ao desfasamento entre o tempo e o espaço, eu vivo na infância, e
tu, infelizmente, já ultrapassaste a velhice,
és defunta, vives num cemitério perto da Ajuda, e
todas as noites, sempre que a neblina desce até à cidade, contas as
gaivotas que entram e saem do cais de embarque, um dia, vou crescer,
vou ser adulto, talvez, talvez um marinheiro salteando de cais em
cais, os alicerces das tabernas com mesas e toalhas em plástico,
serviam-nos pedaços de churrasco e bata frita, depois, sofríamos a
azia, o cansaço, o delírio das distâncias, desde a montanha
longínqua até mim,
Certo, sofro porque ainda sou pequeno, brinco num
quintal imaginário com um triciclo imaginário, no quintal percebo
que existem muitas árvores, são reais, porque lhes toco, e elas,
falam comigo, segredam-me o futuro e choram o passado, há um portão
em ferro onde Às vezes, quando me sinto cansado, prendo o cordel que
me dá acesso a um papagaio de papel esquecido no céu quase
nocturno, são cinco da tarde, o dia escoa-se-me por entre os meus
finíssimos dedos, que não sei se algum dia crescerão, se algum
dia, eu crescerei, se algum dia tu acordarás do teu sono eterno, tão
pouco
és defunta, vives num cemitério perto da Ajuda, e
ouvíamos os murmúrios das garças, chegada a noite, sempre uma
janela que se encerrava, uma porta com os gonzos empenados, talvez
sofrendo de bicos de papagaio, espondilose lombar ou artrose, ou
dobradiças enferrujadas, ou
de coração frágil
E a tua imagem, anos luz depois, chegava até mim, e
docemente, abraçava-me.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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Location:
5070 Alijó, Portugal
domingo, 19 de maio de 2013
Inventavas o desejo entre as paredes pintadas de um azul claro
foto: A&M ART and Photos
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Murmuro-te contra a fina película que separa o dia
da noite, descem os cortinados das clareiras paixões de areia, e um
sorriso de mar acorda nos teus braços, começa brevemente a noite
agreste dos solitários portões de ferro, o jardim dos sentidos, em
pedaços, acorrenta-se ao luar que finge viver nos teus olhos,
percebo, hoje, que nunca exististe, nunca tiveste olhos, nunca
tiveste boca, lábios, abraços para mim, percebo, hoje que nem o teu
nome deixaste ficar no espelho do guarda-fatos cá de casa, penumbra,
compartimentos embaciados quando entra em mim a neblina, os cruzeiros
e os passageiro imaginados pelas tuas mãos, quando inocentemente
pegavas na esferográfica,
Nunca escreveste o meu nome, nunca desenhaste o meu
corpo, nunca sequer escreveste no meu corpo... e que eu adorava-o,
ser escrita pelos teus dedos de cacimbo ao final da tarde, sentir a
Primavera a entranhar-se-me nas coxas como a concha de um molusco
anónimo, sem nome, idade ou profissão, adorava-o, sentir-te em mim,
sem estares sempre do outro lado da fina película de vidro, que
separa o dia, da noite, e deixa ficar um espaço simples e vazio,
oco, obsceno, leviano como os sonhos das árvores do quintal
invisível onde em criança brincaste, gostavas de Favarrel –
Carvalhais – S. Pedro do Sul, abrias a janela do quarto do meio,
chamavam-lhe do meio porque talvez devido a serem três quartos
seguidos, e esse, ficava mesmo no meios dos outros, era também o
mais estreito, e com a paisagem mas bela, deslumbrante...
pegavas na
Em mim, ouvia-se o sino, ouviam-se os pássaros
poisados na ramada das traseiras, ouviam-se os sussurros das espigas
de milho, a dormitarem palavras por entre as frestas da ripas em
madeira que revestiam o canastro, pegavas na esferográfica, e nem um
risco o fazias dentro do meu silêncio peito, poisavas os cotovelos
no parapeito, e ficas-te a imaginar sombras a subirem a montanha que
olhava para ti, como se fossem lírios tímidos, tão tímidos que
cerravam os olhos quando eu, quando eles me olhavam, eu nua, tu,
entre dois vidros, e eles, elas pareciam pombas brancas à procura do
som poético das palavras ainda não escritas, ainda não
prenunciadas, e todo o meu corpo tremia com a tua ausência,
pegavas na esferográfica, inventavas o desejo entre
as paredes pintadas de um azul claro, nelas, imaginava o mar, as
gaivotas, os abraços que me pedias, e porque eu estava prisioneiro
do feitiço da preguiça, não tos dava, desprezava-te como mulher,
via-te como uma criança mimada, uma criança que para mim nunca
cresceu
Cresci, meu amor, sou adulta, cresci como os
eucaliptos da tapada do avô Domingos, cresci e sinto-me e sei, sou
mulher, desejas-me?
que ainda olho para lá do espelho, e vejo-a de voz
simples, e princesa, saltitar entre as coisas espalhadas no passeio
da casa de Carvalhais, hoje penso que ainda és a mesma criança, a
menina, a mimada, aquela que dizia
Amo-te, amo-te tanto, meu querido,
criança, menina, mimada até à ponta dos castanhos
cabelos, e mesmo assim, hoje, vejo-a sentada num banco com ripas de
madeira, aqui, nas Termas de S. Pedro do Sul... ou num qualquer
jardim em Luanda,
Criança.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
A montanha da paixão
foto: A&M ART and Photos
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Todas as palavras que escrevo
são túneis de vento
correndo sobre o mar
e de Setembro
até Novembro
imagino-as caminhando sobre o salgado
amar,
Todas as estrelas palavras que o céu
absorve
comem-se-lhes sílabas e tristes vogais
sonhos
loiça estampada com os teus lábios
e línguas matinais escondidas nos
umbrais
portas de entrada... ou apenas... nada,
Todas... escrevo
sobre o teu peito camuflado nos carris
da tempestade
a saudade
das coisas que transformam em corpos de
olhar
olhar amar e... escrever
são túneis de vento... descendo a
montanha da paixão.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sábado, 18 de maio de 2013
Línguas de fogo percorrendo o cais das penumbras manhãs
foto: A&M ART and Photos
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Esperas-me?
terminam os carris, sorris, desces para mim das
bananeiras imergente dos teus livros em desassossego, levantas-me
como se eu fosse uma fina folha de papel, revestida, o sobretudo, as
algibeiras desconexas, parasitando-lhes as mandíbulas emagrecidas,
que a noite escreve no teu cabelo, o trabalho?
Não trabalho,
imagino-me como línguas de fogo percorrendo o cais
das penumbras manhãs onde brincam caravelas, mulheres, homens,
gaivotas coloridas, travestidas e belas, tão, o pouco trabalho,
desejado caminhar sobre capim e sombra do zinco musseque de arame, as
palmeiras viajam paralelamente ao teu corpo diurno, conheci ontem uma
montanha, imagino-a deitada, debaixo dos meus lençóis de cadáver
com cheiro a mimosas florida, alecrim, e
Não pertenço aos teus doces crisântemo adjacentes
das curvas de horror que vivem nas clareiras praias inocentes,
existiam dizias-me, homens com capacetes de verniz, dizias-me,
existirem janelas com roldanas onde uma corrente de aço se
alicerçava, e puxavas os pesadíssimos ascensores entre o trânsito,
transeuntes de palha, moveis de penúria, magrezas e gentilezas,
tuas, quando gritavas o meu nome
francisco!
Coisa nenhuma, eu, escondido no teu ventre de
sofrimento, lendo, relendo, o perfume e os desenhos (corações e
setas... e algures, perdidamente, eu + tu), e hoje, não percebo,
nunca percebi, quem eras tu, e quem realmente sou eu,
Francisco, e pensava olhando o espelho da noite que
começava na sanzala, - Vais levar nos cornos! - e claro, eu, eu
nunca me enganava, e ainda hoje, tenho medo ao
francisco...
esperas-me?
Ao que eu pensava, não, não te espero, nunca te
esperei, odeio-te, és um inútil covarde de metano, um cigarro
encharcado de medos, fúrias, solidões e casas de pasto, factura?
não
Obrigado, a todos, por, terem vindo ao meu último
desejo, a viagem sem regresso, deslizar sobre o gelo fundido,
caminhar sobre as searas de milho e recordar-me das corridas sobre os
torrões de açúcar da Eira de Carvalhais, tenho, muitas, as
saudades do sino da igreja, as badaladas infinitas, como pedras,
paus, calhaus desajeitados que as minhas mãos procuravam no orvalho,
sou um perfeito
inútil
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso
escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos
e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente
peixe frito, sandes de torresmos, tremoços e
quitetas, (os parvos nem imaginam o que são quitetas), vinho da
casa, bom, do melhor que há, e claro, não posso esquecer os bolos
maravilhosos da tia Guilhermina, tão velhinha, tão oca como as
oliveiras antes de conhecerem a morte, mas apenas ela, e só ela,
consegue, com meia dúzia de ovos, pouco açúcar e farinha...
inventar maravilhosos belos bolos cobertos por uma única fina
película de chocolate, as galinhas ainda não morreram, ainda temos
algumas couves para o seu sustento, e os peixes do aquário,
ultimamente, parecem andorinhas, voam, de encontro às vidraças das
janelas da sala de jantar, que por razões economicistas, está
encerrada, na porta, temos um letreiro “encerrado para obras”, e
assim, enganamos os clientes, amigos e familiares,
Obrigado, pertenço-lhes, como o velho vosso
escravo, um pedaço de xisto, enterrado na terra engasgada por ventos
e sofrimentos, marés ainda não temos, brevemente, nesta, na
próxima, cidade, brevemente regressados a casa, descalços,
despidos, mergulhávamos no misterioso corpo rochoso da menina
Guilhermina
sua tia?
Não, esta não é a verdadeira tia Guilhermina,
esta, a menina, a menina do rés do chão frente, número trinta e
três, mil e duzentos, Lisboa, esta, a menina Guilhermina, aquela que
entra em mim, e me desassossega para eu escrever todas estas
francisco...
Corridas sobre os torrões de açúcar da Eira de
Carvalhais, tenho, muitas, as saudades do sino da igreja, as
badaladas infinitas, como pedras, paus, calhaus desajeitados que as
minhas mãos procuravam no orvalho, sou um perfeito
inútil
Francisco.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
e esquisitos silêncios que absorvem os teus pequenos seios
foto: A&M ART and Photos
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um fino esqueleto de poeira
saber-se-à como palavras de solidão
submersas em ténues jejuns de insónia
o circular olhar da nuvem sem nome
que o vento come
os finos e esquisitos silêncios que
absorvem os teus pequenos seios
quando se passeiam pelas ruas junto ao
Tejo,
havíamos de construir um barco das
palavras nunca prenunciadas
por medo
tédio
ou ventos inventados
como caranguejos sebentas de papel
esbranquiçado entre mil riscos
que uma caneta de tinta permanente
derrama sobre um peito de aço,
um simples fino esqueleto de areia
moliceiro cansaço da manhã tempestade
do desejo
quatro letras suspensas numa janela de
salitre
e dizíamos-nos engraçados descalços
e pendurados nas árvores da Madragoa
e no entanto morríamos entre ruas e
casebres
e bares de Lisboa...
@Francisco Luís Fontinha
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