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foto: A&M ART and Photos
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No quarto escuro, embriagados os relógios de pulso,
encosto-me à parede circular, da velha penumbra fechadura que o
empregado da ourivesaria deixou por esquecimento sobre o mármore do
lava-loiças que vive na cozinha, desgraçado dele, finge-se de morto
como as luzes da tristeza se fingem de árvores acesas nos jardins
juntos aos Oceanos marinheiros de areia, e, e olho-me nos gonzos
descomunais que os vidros de estanho provocam na face ocultas dos
meninos traquinas, e olho-me, penteio-me, infeliz como os rebuçados
de açúcar, nas geias íngremes até chegarmos à ribeira, olhava
para cima do teu ombro escuro, e via as estrelas dançando nos lábios
da tenda de circo que esta semana atracou amarras aqui na aldeia dos
sonhos, as crianças ainda acreditam em palhaços e malabaristas, eu,
acredito também, nas esquinas das paredes, que fazem do quarto
escuro o sítio mais seguro da casa assombrada, asas, barcos,
petroleiros e cacilheiros, mulheres, e crianças, meninas e meninos,
Os palhaços!
Tantos, tantas, como múmias desgovernadas das mãos
enlouquecidas dos ovos de chocolate, eles e elas, deitados, deitadas,
as moscas e os filhos das moscas, e claro, as sempre afamadas
formigas trapezistas, a recibo verde, em cada rua destruída pelos
ventos de nortada, havia destroços de ossos nas traseiras dos
prédios sem moradores, e havia moradores destruídos nas traseiras
dos bancos de jardim, e havia jardins destruídos, sem bancos e sem
plátanos, sem flores e sem corações de manteiga,
Os trapezistas voadores em arames de xisto,
(e será que elas voam?)
Adorava que sim, que se erguessem, e desaparecessem
entre a copa doiradas das árvores de papel celofane, E os palhaços?
Como os trapezistas...! De roulote em roulote, palmilhando trilhos e
veredas, e asas de cetim, E para quê?
Os trapezistas voadores em arames de xisto,
(e será que elas voam?)
Dizem que sim... que voam, que têm asas, corações
de vidro e lábios de porcelana, e elas, as gaivotas do desejo, claro
que voam, como pedaços de papel, como pedras descendo aceleradamente
a encosta montanha abaixo, e abaixo tudo,
Abaixo estes palhaços de barros,
Abaixo,
Abaixo estes trapezistas de madeira,
Abaixo,
Abaixo quem ergueu as palavras que servem para
escrever poemas, que falam de amor, que falam de paixões, que falam
de circos, ambulantes, como a liberdade dos homens..., abaixo todas
as cordas de nylon que aprisionam os barcos aos cais moribundos,
latifundiários, cais ordinários com palavras de “NÃO VAMOS
REGRESSAR NUNCA”, abaixo quem semeou os campos de trigos do
pavimento térreo do meu quarto, escuro, sem janelas, sem portas,
apenas com um tecto de vidro, abaixo os cinzeiros de vidro, os
cigarros que se prostituem, de boca em boca, de mão em mão, abaixo
todos os isqueiros de plástico, com cores berrantes, com desenhos
estranhos, e tão deselegantes, tão magros, tão...delinquentes
(e será que elas voam?)
E que acreditam nas algas com braços de prata, e
claro que sim, elas, abaixo os candeeiros que rompem a noite e
destroem as madrugadas de suor, as peles escuras com sinais sonoros,
abaixo os plátanos sem pássaros, e que destroem as mãos
amarrotadas dos livros sem titulo, sem história, sem... e é nessas
alturas que entra em nós o silêncio, amarfanha-se junto às coxas
dos distantes beijos que dos lábios de areia mergulham nas
alicerçadas marés de pedra, há virgens com flúor, e tristes mesas
de café sentadas nas cadeiras plastificadas dos livros escolares que
a mochila da infância carregava, como pedras, pesadíssimas as
sombras do teu olhar,
(não sei se amo, se desejo, não se me sinta vivo,
ou apenas como um esqueleto de arame vagueando pelas ruas desenhadas
por um miúdo acabado de regressar de África, não sei, o que deva
fazer, se correr ou esconder-me, abraçado a ti... no quarto
escuro...)
Idiota!
Covarde...
Diziam-me que as tristes viagens
eram desencontros que as palavras
construíam nas linhas curvas do papel
hoje não o dizem
ou o escrevem como se eu deixasse de
existir
procuro-te e dizem-me que morreste ou
deixaste de habitar a cidade dos peixes,
Não há cortinados com o teu nome
e todas as radiografias de ti foram
queimadas como ossos vadios
recheados com o reumático
não há janelas como os teu lábios
quando a tua boca se transformava em
areia de Primavera,
E dos teus seios havia barcos em fila
para atracarem no porto das alegrias
havia luzes coloridas
e flores com palavras escritas em cada
pétala perfumada
e tu parecias um peixe com olhos
castanhos à espera de semearem a noite
nos lençóis de linho da cama do
desejo,
Tinhas medo dos meus abraços?
Porque em casa âncora de luz um
sorriso adormecia nas estrelas de ontem
e diziam-me que as viagens
eram tristes
e que não sabiam mergulhar nas miseras
palmeiras do largo abandonado...
Covarde, eu?
(não sei se amo, se desejo, não se me sinta vivo,
ou apenas como um esqueleto de arame vagueando pelas ruas desenhadas
por um miúdo acabado de regressar de África, não sei, o que deva
fazer, se correr ou esconder-me, abraçado a ti... no quarto
escuro..., sem janela, nós inventamos uma com vista para o mar das
traseiras, esperamos que nos desenhem uma porta numa das quatro
paredes de gesso, provavelmente não será difícil, difícil mesmo
talvez seja desenhá-la, perfeita, em esquadria, e com as medidas
standard, oitenta centímetros de largura por duzentos e dez
centímetros de altura, e depois, de mão dada, podemos fugir juntos
para o infinito, onde dizem os matemáticos, se encontram as rectas
paralelas),
Gostavas de me dar a mão e abraçares-te a duas
rectas paralelas? Mesmo que sejam duas rectas pobres, traçadas a
fiz, ou a carvão, nada de sofisticado, nada de carris em aço, nada,
apenas riscos e beijos, apenas imagens dos cortinados de ontem,
Covarde, eu?
Idiota!
Covarde...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha