quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Medo do medo

Talvez fosse meia-noite em mim, e os teus olhos diziam-me

- eles já chegaram, e juro que não percebia o que eles me queriam dizer, Quem chegou meus queridos olhos?, os óculos chegaram, os escuros ou os de ver ao perto?, ambos, lá fora desejavam-se círculos de luz com bolas de sabão, e ela continuava Eles já chegaram, e talvez meia-noite,

em mim,
acreditava que das pequenas árvores guardiãs da montanha um par de mãos sobrevivesse à tímida geada das noites passadas ao leme de lareira acesa, francamente juro que não percebia o que eles me queriam dizer, em mim, o livro adormecido em sonhos inconstantes ressonavam nas minhas mãos de Inverno rigoroso, frio, lá fora, cá dentro, em mim, os sonhos dela desenhados nos telhados zincados dos musseques, quando no final da tarde, vagueavam as sombras dos mortos, das plantas mortas, restos de árvore sem perceber

- o que eles me queriam dizer, Quem chegou meus queridos olhos?,

e poucas, às vezes nenhumas, palavras, Não vais almoçar rapaz?, não ter fome patrão, e eu tinha sempre fome, hoje, ontem, amanhã, sempre a mesma fome, sempre o mesmo silêncio nas paredes ressequidas das nádegas embrionárias dos desenhos, sem perceber

- eles chegaram e vão comer-te, e eu, eu todo contente, eu feliz, finalmente vou ser engolido por um bicho enorme, feroz, malvado, talvez seja o mar desabafava contra o candeeiro suspenso no Hall de entrada depois de muito esforço atravessar o corredor da solidão,

às vezes, e poucas, quase nada dentro de mim, um ténue fio de aço que me prendia ao cais de madeira e não me deixava voar, eu queria voar, eles nunca mo permitiram, covardes, montes de merda com olhos de prata, as sombras dos mortos, das plantas mortas, restos de árvore sem perceber que o medo mata as pessoas, e que os homens como eu não morrem de medo, não têm medo, os homens como eu emagrecem com o medo, e desaparecem

- eles chegaram,

e desabafava com as jangadas tristes das tardes miseras onde se ouviam, ali, além, poucas vezes, aqui, as cobras de sete cabeças com pernas de gesso que aos poucos subiam a montanha, em mim, acreditava que das pequenas árvores guardiãs da montanha um par de mãos sobrevivesse à tímida geada das noites passadas ao leme de lareira acesa, francamente

- menino Francisco,

nunca tive medo do medo.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

sacias-me enquanto se escrevem as palavras

sacias-me?, das palavras ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em cores agoniadas, ele, ela, das palavras

sacias-me enquanto se escrevem as palavras nos olhos tuas mamas de pétala encarnada, sacias-me, pouco, ou nada, a vida engraçada, o prato de sopa recheado com migalhas de nada, fundeado em ti os petroleiros submersos no teu querido peito de marinheiro abandonado, das

palavras, ele, ela, coleccionavas árvores e arbustos, e janelas e portas e ruas e edifícios velhos, velhos os sonhos do menino sem casa, velhos os meandros sufocos das esplanadas a pilhas, a bailarina entre paredes e pincéis, desenvergonhadamente quando me saciavas as mãos com doce de abobora e beijos de alecrim, o João saltitava nos paralelepípedos das velhas avenidas com barcos em madeira estacionados, às vezes

cansados, dizias-me tu, farto da vida, dos dias sem dias, eu, tu, ela, todas as palavras sem palavras, as donzelas, belas às janelas, malvadas cansados, todos, nenhuns, porque a vida construiu para nós uma jangada de xisto com sabor a verniz de sílaba doentia, vinha a tia, e cinco coroas cresciam entre os meus dedos de vime sem..., donzelas, belas, velas, dizias-me tu, eu estou farto da vida, dos automóveis com ar-condicionado, estou farto das casas com paredes interiores e escadas para os sótãos da infância, estou farto dizias-me tu das cadeiras em madeira, pobres, poucas, miseráveis, nobres bandeiras, poucas, às vezes, afáveis,

e às vezes bastava-me um sonífero beijo nas pálpebras de linho embebido em insónia, as nocturnas vidas que um homem desenha nas margens de um rio sem nome, sem dono, sem mar para o abraçar, como eu, como tu, dois distantes troncos de madeira à deriva numa rua da cidade, sem saída, a noite, afáveis, entre pincéis e palavras de susto adormecido, eu, tu, ela, nós, nós correndo sobre a ponte de aço e lá longe deus à nossa espera, as algas dissipadas nas vozes do empregado do snak-bar

dois pregos para três, um deles sem alho, e ouvia-o É esquisito o gajo, não eu, o outro, ele,

sacias-me?, das palavras ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em cores agoniadas, ele, ela, das palavras parvas que escrevo sem perceber que ninguém lê, sem perceber que tu odeias, que ele odeia, que nós, eu, e tu, e ele, odiamos vivamente como odiamos as

desculpe o meu é bem passado,

odiamos não odiar, tínhamos combinado no pacto que continuaríamos felizes para sempre, tudo mentira, tudo falso, não há felicidade eterna, não há vida eterna, nem cadeiras eternas, e os pregos

então esses pregos Manel?,

desculpe o

não importa, sem alho,

detesto-o, odeio-o, quando entra em mim como se tratasse apenas de uma simples picada de insecto invisível, misturado no refogado, horrível, mastigar o sabor desprezível do alho, da cebola, e de toda a porcaria enlatada com sabor a merda,

então esses pregos Manel?,

o teu primeiro beijo

o que tem?,

enlatado dentro de um livro, uma rosa em esqueleto, e depois?, gostas dele?, o teu primeiro beijo a esquadro e régua, tinta da china, papel cavalinho, e eu estava lá, e eu pegava na tua mão de cereja, olhava-o e ele parecia o crucifixo da tia Adosinda nas fendas do gesso que as lápides deixavam cair do canto dos lábios, voavas nos meus braços, e percebias que o amor

o que tem?

que o amor

então esses pregos Manel?,

que o amor é uma rosa envenenada e com pintinhas brancas e que às vezes o vento leva-a e nunca mais se vê.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

E Setembro um barco em regresso

Não te sentes, desculpa?, proibido fumar ou foguear ou todas as coisas terminadas em AR, o café está amargo, poucas coisas sobrevivem às tuas mãos, os cigarros, as orelhas postiças dos animais de brincar, desculpa?, não te sentes, e hoje o café não DELTA, e hoje não, não te sentes, circula, corre, caminha, veste-te de vento e vai até às nuvens de fumo, faz-te homem meu rapaz, faz-te homem

- tantas vezes o ouvi, tantas vezes, e no entanto as perdizes livres como as árvores nas planícies junto ao mar, proibido, proibido morrer, e o beijos, hoje, amargos, não DELTA,

faz-te de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas até, horríveis como as luzes dos carrinhos de choque que todos os anos estacionam junto ao lago da miséria, os pássaros perderam as asas e as abelhas hoje são doutoras, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais da desgraça, hoje

- hoje não DELTA, o café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem dormir,

desculpa?, proibido fumar ou foguear, ouvia-o, tantas vezes, algumas vezes, coisas, loiças de porcelana, pulseiras de marfim, dentes de carneiro, e cornos sem fim, palavras, difíceis de engolir, quando a fome entra nos orifícios cinzentos das marés de Setembro, o barco gigantesco faz-se à vida, aproxima-se em pequeníssimas apalpadelas, e aqui, e ali, debaixo de uma ponte de ferro, a criança descobre o amor quando vê dois corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas transversais da colmeia, e são doirados, lindos, os olhos de Lisboa à noite, ouvia-o

- hoje,

e deixamos de o ouvir quando o barco se amarrou aos cais e as abelhas cor de mel desceram silenciosamente até perderem numa pensão de meia-tigela esquecida numa ruela sem janelas, árvores, gaivotas, velas, esquecida numa ruela sem jornais, cortinados, velhas e velhos de chocolate com mãos de açúcar, e hoje

- hoje não DELTA, o café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem dormir, e hoje os barcos enferrujados, velhos, apodrecidos, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais da desgraça, hoje, hoje também são doutores, ouvia-o

desculpa?

- quantas horas tens de mar? ouvia-o,

desculpa?, muitos dias, noites e marés, não falando nas noites de descanso vividas em longínquas coxas de oiro, e púbis de cetim, desculpa?, ouvia-o

- estás licenciado, por equivalência és doutor, também

e pela primeira vez na vida o miúdo percebeu o que era o amor, a paixão, Lisboa à noite, e apetece-me recordar e escrever (Lisboa há noite), ninguém sobrevive ao medo das calçadas que terminam no rio, ouvia-o, faz-te de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas até, outras não, e eu inventava-me de homem, comprei um fato e uma gravata, e sapatos pontiagudos, estás lindo

- perfeito meu querido, perfeito,

e eu tal como os barcos, também doutor, por equivalência,

- a carta de marinheiro,

e Setembro foi sempre um barco que regressava de longe, um miúdo que descobria o amor, dois corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas transversais da colmeia, e um paspalho qualquer aos gritos

- Lisboa, Lisboa, Lisboa.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha


Em destaque no Sapo Angola

Cachimbo de Água

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Jardins de fósforo

Tudo branquinho, e frio, o café moliceiro que os nervos de arame rompem o esqueleto ensonado, a cama, chama, a cama brincando no soalho zarolho, áridos, cansados cobertores, as cartas de amor, nas árvores aos jardins de fósforo depois do suicídio das flores coloridas, o equilíbrio, e frio

- e frio, o café moliceiro que os nervos de arame rompem o esqueleto ensonado,

a tenda de circo, o sufoco, a trapezista, dias e dias de sufoco quarta-feira à noitinha depois de grandiosas amarguras, e frio, está bem meu amor, mais cansado, que o comboio das dezoito e trinta, chegavas a Belém como um figurante e escondias-te entre os carros invisíveis que flutuavam sobre os cachimbos de névoa, traineiras, olhos de vidro, cabeleiras postiças e pulseiras de pechisbeque, teus, corações de cereja, e sempre acreditei que no teu peito habitava uma gaivota embalsamada,

- hoje cansei-me, hoje

acordavas de manhã, mal percebias que ele existia na tua cama de sofrimento, vivias nas ressacas e nos caranguejos entre pernas partidas e alicates de silêncio

- hoje cansei-me, hoje nem um beijo na face oculta do meu cadáver,

e dizias-me que o silêncio construía ruas desertas com casas desertas com homens desertos, e camelos muitos, a areia das palavras distribuídas pelas algibeiras de sucesso, doutores, engenheiros, sacerdotes, e mendigos, bêbados que a noite, e escondias-te, que a noite e escondias-te debaixo dos meus braços, gritavas alto, estremecias todo o prédio, não dormias, tinhas suores e diarreia, e vómitos, e todos os vidros das tuas janelas se partiam com a alvorada,

- hoje cansei-me, hoje a madrugada,

acordavas de manhã, mal percebias que ele existia

- hoje cansei-me,

que ele existia e vivia, que ele amava e sentia, a doçura melancólica das cerejas com chocolate, colocavas uma venda nos olhos, calçavas as luvas de cabedal, e em pequenas caricias percorrias cada milímetro quadrado do meu corpo bibliotecário, prateleira por prateleira, livro por livro

- sinto-te dentro de mim com todas as letras do alfabeto, sinto-te com todas as palavras, sinto-te em mim de mim como quando caiem lá fora as finas partículas de desejo, sinto-te, sinto-te vestida de noite, sinto-te em círculos negros com algas e vapores de iodo, e hoje cansei-me, hoje a madrugada, que ela existia,

por livro, pegavas num qualquer aleatoriamente, abrias-lo, folheavas-lo, e não percebias que o livro era eu e que

- hoje a madrugada,

era eu que pintava o céu de azul e desenhava as ondas no mar, ouvia-te longitudinalmente

- não acredito,

e podes acreditar, na raiz quadrada, nas equações do segundo grau, e podes acreditar que tudo branquinho, e frio, o café moliceiro que os nervos de arame rompem o esqueleto ensonado, a cama, chama, a cama brincando no soalho zarolho, áridos, cansados cobertores, as cartas de amor, beijos, hoje a madrugada disfarçada de geometria, ao pequeno-almoço um prato de letria, e ouvia-se o mar sobre a mesa estacionada na cozinha,
todo o prédio estremecia, um vento cinzento apagava a lareira com finas pétalas de vidro, o cheiro intenso a morte, a barcos, a rosas antes de tu as pintares e as depositares no interior de um desgraçado livro, coitado dele, tenho pena da solidão dos livros, sinto-te enfeitada com folhas de roseira e picos de medo, na cozinha, derretiam as sílabas dos gemidos lamentos dos teus difíceis diálogos em finais de tarde, e a tuas queridas irmãs

- hoje cansamos-nos, hoje a madrugada, e ternamente aborrecidas com as mãos dos delatores sexos que o inverno congela nas prateleiras

e as tuas queridas irmãs,

- nas prateleiras que todos os prédios em ressaca têm sobre os ombros ossudos e dos vestígios do alumínio em rolos de dez metros, filamentos de frio, o café moliceiro, e nem os teus lábios na despedida das quatro janelas com vidros do loiro cabelo quando ao acordares abraçavas um qualquer transeunte em direcção à outra margem,

e as tuas queridas irmãs, gritavas alto, estremecias todo o prédio, não dormias, tinhas suores e diarreia, e vómitos, e todos os vidros das tuas janelas se partiam com a alvorada, e todos os vidros das tuas janelas morreram.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

as margens métricas das mortalhas

nunca percebi quem foste, ontem sabia-te perdidamente esquecida numa prateleira lá de casa, na biblioteca, ou na despensa, talvez na casa de banho, sabia-te perpendicular ao sol quando o granito envelhecido, de bengala na mão, descia a montanha, descia vagarosamente até à clareira circular das nuvens mistas entre o amarelo e o verde garrafa, sobre a mesa a vodka esperava pela tua chegada, a amada quem foste, ontem, madrugada sem leme, madrugada da candeia cerrada como os troncos de madeira, à noitinha, muito, muito devagar, entras na cozinha, acendes a luz do silêncio, talvez numa das prateleiras da garagem, muito devagar, os miúdos em calções às voltas com um triciclo enferrujado, triste, elas, as mangueiras embalsamadas dos primeiros orgasmos inventados quando do capim se ouviam gemidos e uivos de borboleta, até que a morte os separe

hoje não, nunca, nunca percebi quem foste, sabia-te perdidamente esquecida dentro de uma lata vazia de qualquer conserva que tu conversavas agarrado ao cigarro indigesto, fumavas-lo sem perceberes que eu existia no quinto andar esquerdo, com quatro janelas e uma porta de entrada, tinhas sono, parecias um mono, um vagabundo, sujo, imundo, e, e hoje, quem foste, como serás hoje em frente ao espelho da pensão Josefina, velha moribunda, rabugenta, esfomeada,

e nem a morte nos consegue separar,

ouviste-me? lembras-te das minhas mãos de insónia? e depois, e depois do sono vaguear sobre o pénis da cidade, madrugadas, fúrias, beijos, beijos que nem a morte consegue separar,

desequilibras-te sobre o arame do desejo

e nem a morte nos consegue separar,

quando o circo aparece dentro do esófago, perdão, sarcófago de verga junto à lareira eu deitado nas tuas pernas, orgias de livros, os meus livros com os teus livros, eu e tu, nós, as sombras construídas nas azinhagas do ciúme

e nem a morte

separa as orgias invisíveis dos nossos livros, ouviste-me? lembras-te das minhas mãos de insónia? e depois, e depois do sono vaguear sobre o pénis da cidade, madrugadas, fúrias, beijos, beijos que nem a morte consegue separar, a morte, separa, acabam-se-me as pilhas, e a cidade, a cidade? qual é a tua cidade meu amor?

nunca percebi quem foste, ontem sabia-te perdidamente esquecida numa prateleira lá de casa, na biblioteca, ou na despensa, talvez na casa de banho, sabia-te perpendicular ao sol quando o granito envelhecido, de bengala na mão, descia a montanha, descia vagarosamente até à clareira circular das nuvens mistas entre o amarelo, o castanho, e o eterno azul marinho quando terça-feira aparece sobre a tua mesa na cozinha, ouves Deus, ouves Deus a falar dele enamorado, ele, não ele, o outro ele, ela distraidamente sentada no muro em paixão, os códigos secretos, um simples olhar

e nem a morte,

um simples olhar na janela dos sonhos e uma carta esquecida, querida, apaixonadamente perdida na prateleira, querida Josefina e nem a morte, e as tuas mãos, e os teus seios no vão de escada da pensão, escadas, cobertores e espelhos, corrimão de madeira, querida, minha quinta-feira Josefina das tardes de incenso, perdi-me, sabia-te esquecida. Perdidamente perdida, os mimos, os nossos livros juntos, felizes, em orgias nocturnas, fúteis

e nem a morte nos consegue separar, qual é a tua cidade meu amor? como são as tuas mãos meu amor? e os barcos meu amor tua boca?

fúteis as margens métricas das mortalhas, os canalhas, quando as muralhas incendeiam as faces ocultas dos planetas submersos nas candeias, a boca, língua, suspensos na genial loucura da geada, o inverno, o frio, o miúdo em calções à sombra de uma mangueira inventando papagaios de metal com cordéis de espuma, do destino

tua boca, nossa língua, às lâmpadas do sorriso,

infinito, será? do destino metamorfoseado pelas árvores de papel que brincam no jardim do quarto enfeitiçado, a loucura, quatro paredes, uma janela, grades de medo que escondem os plátanos brancos como a cal, diarreia, vómitos, frio, frio muito, e o medo em cada esquina de luz, infinito, será? às lâmpadas do sorriso

(amada quem foste, ontem, madrugada sem leme, madrugada da candeia cerrada como os troncos de madeira, à noitinha, muito, muito devagar, entras na cozinha, acendes a luz do silêncio, talvez numa das prateleiras da garagem, muito devagar?)

às lâmpadas

do sorriso teus lábios quando escrevem no meu peito

amo-te,

às lâmpadas o uniforme pó de arroz nas sobrancelhas de algodão que a cidade, que a noite, que os nossos livros em desejo, amo-te

no meu peito,

às lâmpadas.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Dezembro como tu


Dezembro como tu
à procura do mar tranquilo que embrulha a cidade e o rio
Dezembro num finíssimo esqueleto de frio
como eu ou como tu
que somos duas luzes de néon
saciadas pelas palavras da cidade
Dezembro
Dezembro no teu ventre anunciado,

húmido
farto das barcaças sem destino
cansado
ele
eu
ele e eu semeados na brancura
espuma
que o vento dissimila nas árvores clandestinas do prazer,

Dezembro como tu
míngua esplanada do silêncio
sílabas tontas nas palavras embriagadas
Dezembro
ele
eu
ele e eu e tu
duas luzes de néon e uma noite à janela dos velhos trapos de xisto,

desisto
insisto
Dezembro como tu
saciando melancolicamente as tuas nádegas de inverno
Dezembro
não me lembro
recordo e não regresso
aos desejos fúteis do carrossel de aço com palhaços de gesso,

eu
ele
tu
Dezembro com eu
eu que não mereço
esqueço
a paixão das belas carnívoras mãos que habitam como tu
em Dezembro.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha