quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

sacias-me enquanto se escrevem as palavras

sacias-me?, das palavras ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em cores agoniadas, ele, ela, das palavras

sacias-me enquanto se escrevem as palavras nos olhos tuas mamas de pétala encarnada, sacias-me, pouco, ou nada, a vida engraçada, o prato de sopa recheado com migalhas de nada, fundeado em ti os petroleiros submersos no teu querido peito de marinheiro abandonado, das

palavras, ele, ela, coleccionavas árvores e arbustos, e janelas e portas e ruas e edifícios velhos, velhos os sonhos do menino sem casa, velhos os meandros sufocos das esplanadas a pilhas, a bailarina entre paredes e pincéis, desenvergonhadamente quando me saciavas as mãos com doce de abobora e beijos de alecrim, o João saltitava nos paralelepípedos das velhas avenidas com barcos em madeira estacionados, às vezes

cansados, dizias-me tu, farto da vida, dos dias sem dias, eu, tu, ela, todas as palavras sem palavras, as donzelas, belas às janelas, malvadas cansados, todos, nenhuns, porque a vida construiu para nós uma jangada de xisto com sabor a verniz de sílaba doentia, vinha a tia, e cinco coroas cresciam entre os meus dedos de vime sem..., donzelas, belas, velas, dizias-me tu, eu estou farto da vida, dos automóveis com ar-condicionado, estou farto das casas com paredes interiores e escadas para os sótãos da infância, estou farto dizias-me tu das cadeiras em madeira, pobres, poucas, miseráveis, nobres bandeiras, poucas, às vezes, afáveis,

e às vezes bastava-me um sonífero beijo nas pálpebras de linho embebido em insónia, as nocturnas vidas que um homem desenha nas margens de um rio sem nome, sem dono, sem mar para o abraçar, como eu, como tu, dois distantes troncos de madeira à deriva numa rua da cidade, sem saída, a noite, afáveis, entre pincéis e palavras de susto adormecido, eu, tu, ela, nós, nós correndo sobre a ponte de aço e lá longe deus à nossa espera, as algas dissipadas nas vozes do empregado do snak-bar

dois pregos para três, um deles sem alho, e ouvia-o É esquisito o gajo, não eu, o outro, ele,

sacias-me?, das palavras ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em cores agoniadas, ele, ela, das palavras parvas que escrevo sem perceber que ninguém lê, sem perceber que tu odeias, que ele odeia, que nós, eu, e tu, e ele, odiamos vivamente como odiamos as

desculpe o meu é bem passado,

odiamos não odiar, tínhamos combinado no pacto que continuaríamos felizes para sempre, tudo mentira, tudo falso, não há felicidade eterna, não há vida eterna, nem cadeiras eternas, e os pregos

então esses pregos Manel?,

desculpe o

não importa, sem alho,

detesto-o, odeio-o, quando entra em mim como se tratasse apenas de uma simples picada de insecto invisível, misturado no refogado, horrível, mastigar o sabor desprezível do alho, da cebola, e de toda a porcaria enlatada com sabor a merda,

então esses pregos Manel?,

o teu primeiro beijo

o que tem?,

enlatado dentro de um livro, uma rosa em esqueleto, e depois?, gostas dele?, o teu primeiro beijo a esquadro e régua, tinta da china, papel cavalinho, e eu estava lá, e eu pegava na tua mão de cereja, olhava-o e ele parecia o crucifixo da tia Adosinda nas fendas do gesso que as lápides deixavam cair do canto dos lábios, voavas nos meus braços, e percebias que o amor

o que tem?

que o amor

então esses pregos Manel?,

que o amor é uma rosa envenenada e com pintinhas brancas e que às vezes o vento leva-a e nunca mais se vê.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

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