sacias-me?, das palavras
ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em
cores agoniadas, ele, ela, das palavras
sacias-me enquanto se
escrevem as palavras nos olhos tuas mamas de pétala encarnada,
sacias-me, pouco, ou nada, a vida engraçada, o prato de sopa
recheado com migalhas de nada, fundeado em ti os petroleiros
submersos no teu querido peito de marinheiro abandonado, das
palavras, ele, ela,
coleccionavas árvores e arbustos, e janelas e portas e ruas e
edifícios velhos, velhos os sonhos do menino sem casa, velhos os
meandros sufocos das esplanadas a pilhas, a bailarina entre paredes e
pincéis, desenvergonhadamente quando me saciavas as mãos com doce
de abobora e beijos de alecrim, o João saltitava nos paralelepípedos
das velhas avenidas com barcos em madeira estacionados, às vezes
cansados, dizias-me tu,
farto da vida, dos dias sem dias, eu, tu, ela, todas as palavras sem
palavras, as donzelas, belas às janelas, malvadas cansados, todos,
nenhuns, porque a vida construiu para nós uma jangada de xisto com
sabor a verniz de sílaba doentia, vinha a tia, e cinco coroas
cresciam entre os meus dedos de vime sem..., donzelas, belas, velas,
dizias-me tu, eu estou farto da vida, dos automóveis com
ar-condicionado, estou farto das casas com paredes interiores e
escadas para os sótãos da infância, estou farto dizias-me tu das
cadeiras em madeira, pobres, poucas, miseráveis, nobres bandeiras,
poucas, às vezes, afáveis,
e às vezes bastava-me um
sonífero beijo nas pálpebras de linho embebido em insónia, as
nocturnas vidas que um homem desenha nas margens de um rio sem nome,
sem dono, sem mar para o abraçar, como eu, como tu, dois distantes
troncos de madeira à deriva numa rua da cidade, sem saída, a noite,
afáveis, entre pincéis e palavras de susto adormecido, eu, tu, ela,
nós, nós correndo sobre a ponte de aço e lá longe deus à nossa
espera, as algas dissipadas nas vozes do empregado do snak-bar
dois pregos para três,
um deles sem alho, e ouvia-o É esquisito o gajo, não eu, o outro,
ele,
sacias-me?, das palavras
ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em
cores agoniadas, ele, ela, das palavras parvas que escrevo sem
perceber que ninguém lê, sem perceber que tu odeias, que ele odeia,
que nós, eu, e tu, e ele, odiamos vivamente como odiamos as
desculpe o meu é bem
passado,
odiamos não odiar,
tínhamos combinado no pacto que continuaríamos felizes para sempre,
tudo mentira, tudo falso, não há felicidade eterna, não há vida
eterna, nem cadeiras eternas, e os pregos
então esses pregos
Manel?,
desculpe o
não importa, sem alho,
detesto-o, odeio-o,
quando entra em mim como se tratasse apenas de uma simples picada de
insecto invisível, misturado no refogado, horrível, mastigar o
sabor desprezível do alho, da cebola, e de toda a porcaria enlatada
com sabor a merda,
então esses pregos
Manel?,
o teu primeiro beijo
o que tem?,
enlatado dentro de um
livro, uma rosa em esqueleto, e depois?, gostas dele?, o teu primeiro
beijo a esquadro e régua, tinta da china, papel cavalinho, e eu
estava lá, e eu pegava na tua mão de cereja, olhava-o e ele parecia
o crucifixo da tia Adosinda nas fendas do gesso que as lápides
deixavam cair do canto dos lábios, voavas nos meus braços, e
percebias que o amor
o que tem?
que o amor
então esses pregos
Manel?,
que o amor é uma rosa
envenenada e com pintinhas brancas e que às vezes o vento leva-a e
nunca mais se vê.
(texto de ficção não
revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
Sem comentários:
Enviar um comentário