Não te sentes,
desculpa?, proibido fumar ou foguear ou todas as coisas terminadas em
AR, o café está amargo, poucas coisas sobrevivem às tuas mãos, os
cigarros, as orelhas postiças dos animais de brincar, desculpa?, não
te sentes, e hoje o café não DELTA, e hoje não, não te sentes,
circula, corre, caminha, veste-te de vento e vai até às nuvens de
fumo, faz-te homem meu rapaz, faz-te homem
- tantas vezes o ouvi,
tantas vezes, e no entanto as perdizes livres como as árvores nas
planícies junto ao mar, proibido, proibido morrer, e o beijos, hoje,
amargos, não DELTA,
faz-te de homem porque lá
fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios
heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas
até, horríveis como as luzes dos carrinhos de choque que todos os
anos estacionam junto ao lago da miséria, os pássaros perderam as
asas e as abelhas hoje são doutoras, os barcos enferrujados e que
passavam as terdes no cais da desgraça, hoje
- hoje não DELTA, o café
amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem
dormir,
desculpa?, proibido fumar
ou foguear, ouvia-o, tantas vezes, algumas vezes, coisas, loiças de
porcelana, pulseiras de marfim, dentes de carneiro, e cornos sem fim,
palavras, difíceis de engolir, quando a fome entra nos orifícios
cinzentos das marés de Setembro, o barco gigantesco faz-se à vida,
aproxima-se em pequeníssimas apalpadelas, e aqui, e ali, debaixo de
uma ponte de ferro, a criança descobre o amor quando vê dois
corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios
de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas
transversais da colmeia, e são doirados, lindos, os olhos de Lisboa
à noite, ouvia-o
- hoje,
e deixamos de o ouvir
quando o barco se amarrou aos cais e as abelhas cor de mel desceram
silenciosamente até perderem numa pensão de meia-tigela esquecida
numa ruela sem janelas, árvores, gaivotas, velas, esquecida numa
ruela sem jornais, cortinados, velhas e velhos de chocolate com mãos
de açúcar, e hoje
- hoje não DELTA, o
café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis
noites sem dormir, e hoje os barcos enferrujados, velhos,
apodrecidos, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais
da desgraça, hoje, hoje também são doutores, ouvia-o
desculpa?
- quantas horas tens de
mar? ouvia-o,
desculpa?, muitos dias,
noites e marés, não falando nas noites de descanso vividas em
longínquas coxas de oiro, e púbis de cetim, desculpa?, ouvia-o
- estás licenciado, por
equivalência és doutor, também
e pela primeira vez na
vida o miúdo percebeu o que era o amor, a paixão, Lisboa à noite,
e apetece-me recordar e escrever (Lisboa há noite), ninguém
sobrevive ao medo das calçadas que terminam no rio, ouvia-o, faz-te
de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade
inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata,
coisas pouco belas, algumas até, outras não, e eu inventava-me de
homem, comprei um fato e uma gravata, e sapatos pontiagudos, estás
lindo
- perfeito meu querido,
perfeito,
e eu tal como os barcos,
também doutor, por equivalência,
- a carta de marinheiro,
e Setembro foi sempre um
barco que regressava de longe, um miúdo que descobria o amor, dois
corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios
de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas
transversais da colmeia, e um paspalho qualquer aos gritos
- Lisboa, Lisboa, Lisboa.
(texto de ficção não
revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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