A espuma de luz dos teus
olhos navegar, do nobre silêncio as palavras defecadas nos
parágrafos em migalhas que as andorinhas comem antes de adormecerem,
desligam-se todas as luzes da cidade, e acordam dentro das candeias
de sofrimentos as tão temidas noites de insónia, oiço o perfume
amorfo da tua língua, miúda traquina, saltitando de linha em linha,
a virgula, a virgula decepada vê mergulhar a cabeça da agulha no
finíssimo pano que é a tua pele em suor moribundo, as coisas que
preciso de ouvir da tua boca, das tuas mãos, dos teus lábios,
sinceros, ponto final, termino, indeciso-me, não sei, talvez não,
como se fosses um livro, de espuma, de luz
olhos navegar, as cartas
em despedida, rompem-se-me as águas lacrimais quando no espelho da
solidão, vejo as tuas mãos nos doces braços, fazem-me falta as
caricias de aço inoxidável dos cigarros quando fumávamos debaixo
dos candeeiros virados para o Tejo, de espuma, de luz, doze cadeiras
de vidro esperam doze homens de madeira prensada, doze pratos, doze
guardanapos, doze cigarros com olhos verdes, lindos, lilases, as
árvores do teu jardim,
talvez não, em suor
moribundo, sinceros olhos de verniz sobre uma tela de desejo, Deus,
Deus nos finíssimos sofrimentos infinitos bares encerrados para
obras, pedimos desculpa pelo incómodo reabrimos brevemente, faliu,
pariu, como se fosses um livro
eu um livro? Que livro?
Gostava que fosses o Kamasutra doce da poesia percebes?, eu um livro?
que livro meu querido? Amassadura da poesia? Não meu querido, não,
gostava que fosses o Kamasutra doce da poesia percebes? Não, não
percebo, desculpa, nunca percebo o que me dizem, disseram, querem-me
dizer e eu recuso-me a ser, ouvir, caminhar, vestir-me de janela
enfeitada com luzinhas, ignoro-o, não gostava. O presépio,
apaixonado, detesto-o a ele, o livro invisível das noites em jejum,
pão, água, cigarros com olhos verdes, lindooos
não sei,
lindos, todos, os poemas
dos teus olhos navegar
sei lá,
lindos, todos, os poemas
dos teus olhos navegar quando o corredor de acesso ao teu púbis,
perdão, com licença, virgula, travessão, parágrafo, quando o
corredor de acesso ao teu púbis voa sobre as oliveiras dos gemidos
uis e ais da tua janela além mar, vestes-te de barco, puxas um
cigarro (com olhos verdes lindooos) e finges orgasmos nas searas
húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas
horas e aterramos no Algarve, um praia deserta, em silêncio, morta,
os grunhidos que as nuvens desenham na areia do Mussulo, não demoro
meu querido, é ir e vir, fui, regressei aos teus braços de aço
inoxidável que
lindos, lindos, lindos
sei lá,
poucas coisas aprendi em
ti ontem dentro dos buracos os poemas dos teus olhos navegar, acho eu
meu querido, talvez um dia, talvez, regressarei aos poucos marasmo
que prendem as minhas pernas aos rochedos da miséria, serei
marinheiro, pegarei no teu leme e levar-te-ei para longínquas
paragens verdejantes de acrílicos ensonados, cubro-te com um
pedacinho de caricia e a tua face vermelha escreve-se nas paredes
lindos, todos, os poemas
dos teus olhos navegar,
sei lá, nas paredes
quadráticas que os esqueletos dos doze homens de madeira, cachimbos,
muitos, triste por ti, por nós, alguém se esqueceu dos nossos
desejos sobre a mesa-de-cabeceira, o pequeno-almoço derrete-se sobre
as tuas nádegas cinzentas, e eu, e tu, nós loucamente no corredor
de acesso ao teu púbis, e finges orgasmos nas searas húmidas do
Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e
aterramos no Algarve,
desculpa não percebo,
ontem também não
percebias,
no Algarve?
sei lá, não sei,
lindooos, lindooos os olhos verdes dos cigarros, verdejantes
palavras, desculpa, virgula, travessão, stop, três, cinco, água,
porta-aviões ao fundo, doze homens de madeira sentados em doze
cadeiras de vidro
Alentejo talvez, ontem
também não percebias, e hoje, e hoje dizes-me que não sabes o que
é a paixão, e hoje dizes-me que nunca soubeste o que é a paixão,
e hoje, logo hoje, doze homens sentados em doze cadeiras de vidro,
hoje, vestes-te de barco, puxas um cigarro (com olhos verdes
lindooos) e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho
quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve, um
praia deserta, em silêncio, morta,
desculpa não percebo,
e penduras a gravata.
(texto de ficção não
revisto)
@Francisco Luís Fontinha