domingo, 9 de dezembro de 2012

Kamasutra doce da poesia

A espuma de luz dos teus olhos navegar, do nobre silêncio as palavras defecadas nos parágrafos em migalhas que as andorinhas comem antes de adormecerem, desligam-se todas as luzes da cidade, e acordam dentro das candeias de sofrimentos as tão temidas noites de insónia, oiço o perfume amorfo da tua língua, miúda traquina, saltitando de linha em linha, a virgula, a virgula decepada vê mergulhar a cabeça da agulha no finíssimo pano que é a tua pele em suor moribundo, as coisas que preciso de ouvir da tua boca, das tuas mãos, dos teus lábios, sinceros, ponto final, termino, indeciso-me, não sei, talvez não, como se fosses um livro, de espuma, de luz

olhos navegar, as cartas em despedida, rompem-se-me as águas lacrimais quando no espelho da solidão, vejo as tuas mãos nos doces braços, fazem-me falta as caricias de aço inoxidável dos cigarros quando fumávamos debaixo dos candeeiros virados para o Tejo, de espuma, de luz, doze cadeiras de vidro esperam doze homens de madeira prensada, doze pratos, doze guardanapos, doze cigarros com olhos verdes, lindos, lilases, as árvores do teu jardim,

talvez não, em suor moribundo, sinceros olhos de verniz sobre uma tela de desejo, Deus, Deus nos finíssimos sofrimentos infinitos bares encerrados para obras, pedimos desculpa pelo incómodo reabrimos brevemente, faliu, pariu, como se fosses um livro

eu um livro? Que livro? Gostava que fosses o Kamasutra doce da poesia percebes?, eu um livro? que livro meu querido? Amassadura da poesia? Não meu querido, não, gostava que fosses o Kamasutra doce da poesia percebes? Não, não percebo, desculpa, nunca percebo o que me dizem, disseram, querem-me dizer e eu recuso-me a ser, ouvir, caminhar, vestir-me de janela enfeitada com luzinhas, ignoro-o, não gostava. O presépio, apaixonado, detesto-o a ele, o livro invisível das noites em jejum, pão, água, cigarros com olhos verdes, lindooos

não sei,

lindos, todos, os poemas dos teus olhos navegar

sei lá,

lindos, todos, os poemas dos teus olhos navegar quando o corredor de acesso ao teu púbis, perdão, com licença, virgula, travessão, parágrafo, quando o corredor de acesso ao teu púbis voa sobre as oliveiras dos gemidos uis e ais da tua janela além mar, vestes-te de barco, puxas um cigarro (com olhos verdes lindooos) e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve, um praia deserta, em silêncio, morta, os grunhidos que as nuvens desenham na areia do Mussulo, não demoro meu querido, é ir e vir, fui, regressei aos teus braços de aço inoxidável que

lindos, lindos, lindos

sei lá,

poucas coisas aprendi em ti ontem dentro dos buracos os poemas dos teus olhos navegar, acho eu meu querido, talvez um dia, talvez, regressarei aos poucos marasmo que prendem as minhas pernas aos rochedos da miséria, serei marinheiro, pegarei no teu leme e levar-te-ei para longínquas paragens verdejantes de acrílicos ensonados, cubro-te com um pedacinho de caricia e a tua face vermelha escreve-se nas paredes

lindos, todos, os poemas dos teus olhos navegar,

sei lá, nas paredes quadráticas que os esqueletos dos doze homens de madeira, cachimbos, muitos, triste por ti, por nós, alguém se esqueceu dos nossos desejos sobre a mesa-de-cabeceira, o pequeno-almoço derrete-se sobre as tuas nádegas cinzentas, e eu, e tu, nós loucamente no corredor de acesso ao teu púbis, e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve,

desculpa não percebo,

ontem também não percebias,

no Algarve?

sei lá, não sei, lindooos, lindooos os olhos verdes dos cigarros, verdejantes palavras, desculpa, virgula, travessão, stop, três, cinco, água, porta-aviões ao fundo, doze homens de madeira sentados em doze cadeiras de vidro

Alentejo talvez, ontem também não percebias, e hoje, e hoje dizes-me que não sabes o que é a paixão, e hoje dizes-me que nunca soubeste o que é a paixão, e hoje, logo hoje, doze homens sentados em doze cadeiras de vidro, hoje, vestes-te de barco, puxas um cigarro (com olhos verdes lindooos) e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve, um praia deserta, em silêncio, morta,

desculpa não percebo,

e penduras a gravata.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

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