quinta-feira, 18 de abril de 2013

Três tristes madrugadas

foto: A&M ART and Photos

Três tristes rostos
embrulhados em três tristes madrugadas
com três indefinidos tigres coloridos
nas três primeiras semanas do mês,

Três mulheres desalmadas
sós
apaixonadas
três... rostos sombras espelhos ou montras de incenso...

Três horas
em três relógios trigémeos
nas três madrugadas tristes
embrulhadas,

Três tristes rostos
com três lindos pincéis de areia
três barcos e três Marias
e... três... três gramas de paciência.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O último nome e o último desejo à espera do último sonho

foto: A&M ART and Photos

Foi a última vez que escreveste o meu nome, escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola, sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da janela da escola, quando chegava a casa
(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as paredes, e bastava um simples olhar...)
Sobre a secretária, quando chegava a casa, os destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente
(procurei o teu nome em vão, não respondias, e entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água, sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente, de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras, porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas, sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? - correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo quando após folhear algumas das páginas, percebia-se posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada, sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares, tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,
(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco – e nunca deixei de gostar dele)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu pergunto-me
(porquê?)
Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes óculos, não as consigo ler,
(e o meu sonho era viver dentro de um barco).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As sombras cinzas dos cigarros perdidos

foto: A&M ART and Photos

Inventaste o medo para me afugentares
dos braços silêncio em espuma submersa nas manchas do prazer,
acreditava nas gaivotas com coração de prata
e lábios desconexos percorrendo searas adormecidas
e voando mais alto, perdiam-se, como os grãos de areia de fina estampa

nos corpos de madeira depois de derrubadas,
depois de assassinadas, todas as árvores e arvoredos
que a insónia imprime nos teus seios de pedra-pomes,
havíamos um dia de cruzarmos-nos numa rua sem saída
que o tempo deixou esquecida na cidade dos fantasmas vaidosos,

não acreditei,
não percebi que das sombras cinzas dos cigarros perdidos
pudesse sair o teu corpo húmido como uma manhã quando a neblina,
espessa, árida, cobre o rio com todas as gotinhas do suor tua pele,
quando a tua neblina penetra incessantemente as flores de um jardim enforcado,

um jardim sombreado, lapidado a lápis de cor,
eu ouvia
e,
eu ouvia e sentia nos teus doces lábios o cansaço dos dias
e das noites como um náufrago

há procura das rochas vermelhas,
roubava ao luar a sanidade mental de estar vivo,
e acreditar que amanhã,
depois de acordares,
deixavas de inventar o medo, e me abraçavas como as sílabas deitadas na página de um caderno...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de abril de 2013

A cidade das Eiras

foto: A&M ART and Photos

Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia
(e se um dia uma desconhecida me oferecer flores... isso é, nada, porque nunca uma desconhecida me ofereceu flores, nem nunca, na minha curta vida, uma desconhecida, conhecida, me ofereceu... um simples poema, ou apenas... um simples olhar tridimensional encerrado dentro de um hipercubo, pensas que sou louco, mas se pesquisares no Google por “hipercubo” encontrarás centenas deles, seres estranhos, que não devem amar, nem sofrer por amar uma maré em descomposição, como a extracção da raiz quadrada ou da raiz cúbica, ou... e se um dia uma desconhecida me oferecer flores... isso, nada, coisa alguma, nem um candeeiro de ruela consegue ser, nem cigarro, nem cachimbo, nem texto ou poema, isso é, um sonho interminável, desnecessário e não realizável, como nas manhãs de ti, o corpo da almofada embrulha-se nos teus seios, ancora-se ao teu púbis, e lá fora, um cansaço de palavras, feridas, doridas, mergulham nas clandestinas tascas com mesas cobertas com toalhas de plástico; a saudade do peixe frito, dos ovos cozidos dentro de uma vitrina de vidro, escancaradamente, sem portas ou janelas, onde poisavam as moscas, e em acrobacias, saltitavam entre os tais ovos cozidos, as pataniscas de bacalhau e os bolinhos, também eles de bacalhau, apenas de nome, porque de bacalhau, nada, só a batata e o óleo onde desciam ao fundo de uma frigideira, negra, escura como as noites sobre as toalhas de plástico, onde dormíamos, e vivíamos, e nos diziam que éramos felizes...)
Entre nós, o vento, envenenado, cinzento vento que faz adornar o teu corpo nas entranhas de um pinheiro bravio, em cio, talvez, e se um dia tivermos um filho, chamar-se-á de “Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”, e se um dia, se esse dia chegar, o das flores,
(tocam-me à porta, e eu como estou ocupado, não vou abrir, escrevo num caderno, coisas sem significado, coisas que ninguém lê e que depois de passar o vento, leva-as, a todas, as palavras e o caderno e a caneta de tinta permanente, - Gosto do cheiro da tinta, digamos que, sou apaixonado pelo cheiro a tinta – e os batimentos não cessam, como um coração de oiro perdido no centro de um buraco de areia, húmida, como as tuas coxas quando nasce o dia, aos cento e vinte batimentos por minuto, levanto-me irritadíssimo, poiso a caneta sobre as palavras dispersas no papel ainda em fase de transição, do molhado até atingir o seco, maleável, pronto a alimentar uma lareira que ganha vida no próximo Inverno, puxo a cadeira desconfortável para trás, e um espaço vazio abre-se entre a cadeira e a mesa, indeciso, vou à porta, apetece-me caminhar devagar, muito devagar, saio da biblioteca, rumo ao corredor, passo por uma porta, depois outra, atravesso a sala, a cozinha e mesmo em frente à porta de entrada penso – Quem será a esta hora! - e demoro uns segundos quase minutos a abrir, tiro a mão do bolso, puxo o trinco e abre-se a tão afamada porta, um vulto com cabelos castanhos e de olhos verdes e com pele escura, nos braços um ramo de flores, hesito, não acredito, mas enfim... a vida tem destas coisas, às vezes boas, outras, pouco loucas, e outras, quase impossíveis de realizar, mas quis o destino que uma linda seara de trigo, perdida na cidade das eiras, me oferecesse flores)
“Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia”
Saltas, como um pássaro em liberdade, vergas-te quando o vento faz dançar o teu caule dentro dos desejos sonhos inventados por um caderno recheado de palavras, e
(o cheiro, meus Deus, o inevitável e inesquecível cheiro da tinta de uma caneta permanente)
E tudo apenas para que um dia, próximo, distante, ou nunca, escrever o nome do nosso filho
(“Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”)
O filho de meia dúzia de palavras e de uma seara de trigo esquecida dentro da cidade das eiras, um filho como todos os outros filhos, com pernas, braços, cabeça. Olhos, cabelo, e claro, livro de instruções,
(é sexta-feira, de mil novecentos e oitenta e cinco, atravesso vagarosamente a ponte sobre o rio Sul, nas Termas de S. Pedro do Sul, a tarde parece infernal devido ao calor, distraidamente passo em frente à pensão David, vou em direcção à saída, e é quase como que se o meu corpo se transformasse em sombra, começo a contar os vidros das janelas, lá dentro nunca esqueci o cabrito assado, deliciosamente e divinal, do outro lado da estrada, o rio, e os patos de água, começo a contá-los e desisto quando vou em seis, mais à frente, atravesso uma velha ponte em madeira, e junto aos antigos balneários, debaixo de uma árvore, sento-me num dos bancos de jardim, perto de mim, uma fonte com o inconfundível cheiro a enxofre, esqueço-me que existo, e mentalmente, a cada mulher que passa por mim, imagino-a a oferecer-me flores, e nunca pensei, e nunca acreditei, que conseguisse receber tantos e lindos ramos de flores: obrigado meninas transeuntes... como os vidros das janelas da pensão)
Percebes agora?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A fotografia sem mãos



As mãos,
Vejo-as sobre a fina areia que o silêncio golpeia nos cascos moribundos de barcos ensonados, são vermelhas, as mãos, as mãos que o vento trouxe e semeou ao longo de um triângulo de luz, sem braços, cabeça, onde vejo apenas os tristes lábios de insónia, cruzo os braços, tal como eles o fizeram, e entrelaço as minhas mãos, para não as perder, para não me esquecer que tenho mãos, ou que um dia tive mãos, macias, de Cinderela, sumarentas comas as pétalas, como os vidros das janelas antes de ela os acariciar, as minhas mãos, escrevem, não tocam, mas inventam palavras nos muros de xisto,
Vejo-as e sinto-as,
No meu rosto coberto pelas tempestades de pólen que as abelhas transportam, de longe para longe, elas, as mãos infindáveis das tardes de Primavera parecem, aparecem, e
Desaparecem,
E deitam-se como se fossem palavras espalhadas sobre o papel branco, penumbro, e aos poucos, vou construindo o desejo, e aos poucos, eu e ela, vamos desenhando o prazer nas dunas sapientes dos distantes luares que nascem em África e vêm morrer na Europa com um Passaporte travestido de um outro transeunte, em migalhas, poucas, das velas dos veleiros doentes, elas, as mãos, poisam-se-me na face ácida, em chapa inoxidável e robusta, desaparecem
Vejo
Vejo-as,
As manhãs com ondas e espuma, oiço-as, a todas elas, espalhadas pela longínqua areia que os sonhos trazem, ou trouxeram de longe, e vão para longe, como voando à boleia do vento sem asas, livremente dentro de uma fotografia, a fotografia sem mãos, sem pernas, sem cabeça, apenas
Com rosas vermelhas, disfarçadas de mãos, as mãos do desejo em decomposição, putrefacto, o medo, o tédio, o nada, o nada quando elas, as mãos vestidas de botões de rosa, vagueiam, amam, desejam-se, como se desejam os homens, como se desejam as mulheres, as plantas e os animais, e Deus?
É esta a tua partida depois de morreres?
E da espuma há neblinas que cobrem as cidades, embrulham-se nos edifícios esfomeados e de alicerces apodrecidos, há jardins com bancos de madeira onde se sentam os amantes, trocam palavras – Amo-te muito, meu querido! - do mar um som em forma de farrapo percorre distâncias inseparáveis e atinge o jardim dos amantes – Eu também, eu também! - e ambos sabemos que numa fotografia sem mãos, pulsam os nossos corações, e a minha pele sobeja da pele dela, e na boca, em ambas as bocas do jardim dos amantes, um desequilíbrio de espuma escorre pelo canto da boca, molha os lábios e
Nasce o desejado beijo,
O beijo da fotografia sem mãos.


@Francisco Luís Fontinha
(Texto escrito para o desafio de: Maria Mendes: Alguém consegue escrever um texto para esta linda fotografia?)
(Alijó)