foto: A&M ART and Photos
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Não me toques, meu amor, não toques nas minhas
pétalas, não, por favor, não toques nas minhas imagens, invenções
minhas quando a noite mergulha no teu corpo desassoreado,
desassossegado, embriagado por palavras e palavras, por luzes, e
pelas eternas árvores, não amor, por amor, não me toques,
(três pequenas malas separavam-nos da paixão das
almas embalsamadas, tínhamos asas, e tínhamos onde esconder os
pequenos sobejos de nós, simples coisas, poucas, das tuas mãos,
apenas uma máquina fotográfica, com imagens dentro, e de mim, nada,
não esperavas absolutamente nada, a não ser, meia dúzia de livros
com bolor, e alguns poemas escritos sobre os teus joelhos, e
confesso, sabendo que não me estás a ouvir, e a ver, que esses –
Queimaste-os? - claro, assim, despedi-me do teu corpo, como alguns
corpos, se despedem suspensos dos ramos de árvore, algumas frágeis,
tão frágeis que vergam e partem, e morrem...)
Não, não meu amor, por favor, não toques em mim,
não, não me toque – Que dia é hoje, meu querido? - não sei,
não, deixei de contar os dias, deixei de apontar as horas na parede
em gesso do quarto minúsculo e húmido, e com uma também minúscula
janela virada para um quintal de areia, desértico, tão pobre,
quase, como os móveis que habitam esta tão acorrentada casa de
sonhos, grãos de milho sobre uma eira sem nome, sem destino, sem
terra, e queimaste-os dizes-me tu, e claro que te mentia, minto-te,
porque sou incapaz de queimar palavras, talvez tivesse coragem de
queimar
(corpos?)
Mas destruir palavras, nunca, meu amor, não me
toques, por favor, deixa-me, deixa-me...
(corpos, o meu, o teu, o dele, corpos, corpos entre
imagens a preto-e-branco, janelas intactas, que depois das
tempestades, lá, estão sossegadamente lá, como o estavam antes,
como o continuaram depois, e o fotografia não é mais do que uma
janela, fixa, sem vidros e inquebrável . Queimaste-os? - baixava a
cabeça e não respondia, e pensava, como poderia queimar os teus
joelhos... - impossível queimar os teu belos joelhos, meu amor! - e
no entanto, mentia-te, dizendo-o quando não o tinha feito, e tu,
acreditaste, sempre, que todos os poemas escritos sobre os teus
joelhos, coitados, foram todos queimados numa sexta-feira, era Verão,
talvez uma tarde de Agosto, e depois, semeei as cinzas sobre a lápide
encarnada do batom que passaste a usar nos lábios, sabia-me bem, não
sei a quê, talvez – A chocolate? - não, não era a chocolate,
talvez fosse a saudade)
Deixa-me, que um dia vais perceber que dentro das
minhas imagens existem sonhos, os nossos sonhos, um dia vais perceber
que da árvore que morreu devido ao peso de um corpo, outro corpo
nascerá, - acreditarás em mim? - e outro, e outro, e outro corpo
mergulhará nas imagens que escondo dentro das minhas férteis coxas
de silêncio, tu um dia, vais
(corpos – Queimaste-os? - sim, meu amor, sim, sim,
queimei-os a todos...)
Vais, vais bater a uma porta com um pedaço de
vidro, do outro lado, alguém, mulher, homem ou criança, ou todos,
perguntar-te-ão pelos poemas escritos sobre os meus poemas, e tu,
responderás
(queimaste-os?)
Não, por favor, não me toque, meu querido, e
responderás que os tens dentro de uma caixa de cartão, melhor
dizendo, três perdidas caixas de cartão, em que numa delas, três,
talve... talvez meia dúzia de imagens, guardas, de mim, do meu
rosto, da minha pele, e
(teus joelhos)
Não, não, por favor,
E esqueci como era o teu rosto.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha