Desenho letras no muro das tuas coxas onduladas
debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tenho medo, pergunto-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com
flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
Poisadas nos mamilos da sede, sem que eu perceba
onde fica o bosque, e a canção que é filha do bosque, e os
pássaros, e os restantes muros
Desenho letras nas tuas coxas, e tenho o medo, e a
vaidade, e tenho o sentido que não sinto, e depois, sento-me sobre o
papel amarrotado das tardes violentas que os segredos do Inverno
inventam nas tuas pequenas mãos, tenho pena
Dos teus ínfimos dedos, esbeltos, finos, e
transparentes,
Como a água dos rios sem nome, sem destino,
livremente correndo até ao mar, correndo, correndo, regressando os
pinheiros mansos das eternas manhãs sem vidros nas janelas que têm
visão nocturna para as rochas tuas coxas, aquelas
Onde desenhas letras? Exactamente, meu amor, essas
mesmo, um muro de carne e sedução, curvadas à direita, e à
esquerda, embebidas às vezes, ou sempre, no desejo infinito coração
com sílabas de pétalas agrestes, como os livros tristes e cansados
dos homens sem nome, sem vida, sem viabilidade económica, sós, e
abandonadas
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas, e algumas
delas, poucas, que se escondem nas pedras pequeninas dos teus dóceis
dedos de fio iluminado pelos lábios da lua, escrevo as letras que
desenho nas tuas coxas, preocupo-me, muito, e pergunto-me
E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem
o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua
boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?
Gostava das tuas mãos quando me desenhavam letras
nas minhas coxas, recordas-me as árvores da nossa infância, a
minha, a tua, separadas por um muro alto e fino de cimento armado, eu
atirava pedras para o teu território, tu, mais amoroso, atiravas-me
rosas em papel, uma tarde, furiosa, eu, parti-te a cabeça com uma
pedra, fiquei triste naquele momento, depois, durante a noite, sorri,
sorri, sorri até que percebi o que era o amor, a paixão e as pedras
não serviam apenas para partir cabeças de meninos mimados, filhos
únicos, as pedras também serviam para eu perceber o que era a
paixão
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas,
E,
Invejava a pontaria da avó Silvina e do tio
Serafim, lançavam pedras e caiam estrelas do céu, ao revés, eu,
lançava uma pedra contra uma árvore (alguém durante a noite
escreveu EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989) onde brincava um pássaro, e
partia o vidro da janela da escola, nunca, nunca tive jeito para o
lançamento de pedras e para jogar à bola, e meu Deus, Meu Deus...
quantos vidros estilhaçados, quantas espigas de milho esmigalhadas,
mas estrelas, não estrelas, nunca tive uma estrela, e por quem?
(E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar
sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a
tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?),
E invejava as letras desenhadas nas coxas que fugiam
como os barcos, leves, com o vento, escorregadios como lânguidos
gemidos de orvalho, sentíamos as luzes dos livros embrulhados nas
tristes maçãs da macieira do quintal, e subíamos pelas escadas da
insónia até chegarmos ao varandim com janelas de sangue onde às
vezes dormiam os vampiros, os verdadeiros, aqueles que nos chupavam o
sangue antes de adormecermos, os mesmos, aqueles que nos roubaram os
sonhos, e sempre belas as fotografias a preto e branco, e um dia,
desceremos das nuvens, vamos calçar os sapatos com biqueira
pontiaguda e com salto alto que deixamos junto ao Tejo, e talvez, e
talvez sobre uma mesa estacionada num dos bares de Cais do Sodré,
EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989, desça de uma árvore de casca grossa,
difícil de decifrar, como as equações com integrais que
resolvíamos sentados num banco de jardim, debaixo de uma...
E sobravam-nos, não poderei dizer sempre, mas quase
sempre,
Letras do muro das tuas
coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tinha
medo, perguntava-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com
flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha