domingo, 24 de fevereiro de 2013

E depois?

Desenho letras no muro das tuas coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tenho medo, pergunto-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?
Poisadas nos mamilos da sede, sem que eu perceba onde fica o bosque, e a canção que é filha do bosque, e os pássaros, e os restantes muros
Desenho letras nas tuas coxas, e tenho o medo, e a vaidade, e tenho o sentido que não sinto, e depois, sento-me sobre o papel amarrotado das tardes violentas que os segredos do Inverno inventam nas tuas pequenas mãos, tenho pena
Dos teus ínfimos dedos, esbeltos, finos, e transparentes,
Como a água dos rios sem nome, sem destino, livremente correndo até ao mar, correndo, correndo, regressando os pinheiros mansos das eternas manhãs sem vidros nas janelas que têm visão nocturna para as rochas tuas coxas, aquelas
Onde desenhas letras? Exactamente, meu amor, essas mesmo, um muro de carne e sedução, curvadas à direita, e à esquerda, embebidas às vezes, ou sempre, no desejo infinito coração com sílabas de pétalas agrestes, como os livros tristes e cansados dos homens sem nome, sem vida, sem viabilidade económica, sós, e abandonadas
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas, e algumas delas, poucas, que se escondem nas pedras pequeninas dos teus dóceis dedos de fio iluminado pelos lábios da lua, escrevo as letras que desenho nas tuas coxas, preocupo-me, muito, e pergunto-me
E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?
Gostava das tuas mãos quando me desenhavam letras nas minhas coxas, recordas-me as árvores da nossa infância, a minha, a tua, separadas por um muro alto e fino de cimento armado, eu atirava pedras para o teu território, tu, mais amoroso, atiravas-me rosas em papel, uma tarde, furiosa, eu, parti-te a cabeça com uma pedra, fiquei triste naquele momento, depois, durante a noite, sorri, sorri, sorri até que percebi o que era o amor, a paixão e as pedras não serviam apenas para partir cabeças de meninos mimados, filhos únicos, as pedras também serviam para eu perceber o que era a paixão
Por quem?
Pelos caminhos onde deambulam peugadas,
E,
Invejava a pontaria da avó Silvina e do tio Serafim, lançavam pedras e caiam estrelas do céu, ao revés, eu, lançava uma pedra contra uma árvore (alguém durante a noite escreveu EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989) onde brincava um pássaro, e partia o vidro da janela da escola, nunca, nunca tive jeito para o lançamento de pedras e para jogar à bola, e meu Deus, Meu Deus... quantos vidros estilhaçados, quantas espigas de milho esmigalhadas, mas estrelas, não estrelas, nunca tive uma estrela, e por quem?
(E quando terminarem as tuas coxas? E se eu ficar sem o teu corpo, sem a tua sombra, e se eu perder os teus olhos, a tua boca, e se eu
Te perder numa tempestade de areia?),
E invejava as letras desenhadas nas coxas que fugiam como os barcos, leves, com o vento, escorregadios como lânguidos gemidos de orvalho, sentíamos as luzes dos livros embrulhados nas tristes maçãs da macieira do quintal, e subíamos pelas escadas da insónia até chegarmos ao varandim com janelas de sangue onde às vezes dormiam os vampiros, os verdadeiros, aqueles que nos chupavam o sangue antes de adormecermos, os mesmos, aqueles que nos roubaram os sonhos, e sempre belas as fotografias a preto e branco, e um dia, desceremos das nuvens, vamos calçar os sapatos com biqueira pontiaguda e com salto alto que deixamos junto ao Tejo, e talvez, e talvez sobre uma mesa estacionada num dos bares de Cais do Sodré, EU MAIS TU – AGOSTO DE 1989, desça de uma árvore de casca grossa, difícil de decifrar, como as equações com integrais que resolvíamos sentados num banco de jardim, debaixo de uma...
E sobravam-nos, não poderei dizer sempre, mas quase sempre,
Letras do muro das tuas coxas onduladas debaixo das gotas nuas de água em silêncio, tinha medo, perguntava-me
E depois? Quando o muro se transformar em jardim com flores de seda e coloridas abelhas cantando, e depois?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Libertação


Liberto-me das flores
dos espinhos em sítios distantes
como os amores
os amantes
liberto-me das pedras falantes
dos gritos distintos e ausentes
liberto-me dos corpos húmidos das manhãs de Primavera
como sempre ontem adormecia no teu colo imaginário
e tão bela
ela
dentro do aquário
como os lábios de um louco milionário...

Liberto-me das palavras não me pertencerem
e das asas as gaivotas enlouquecerem
liberto-me sem perceberes que sou louco e apaixonado
pelos livros com braços abraçados
e pelos livros com os olhos cansados
liberto-me da noite solitária entre o mar e o barco ancorado,

Liberto-me da ceia
infinita seara de mendigos com cerveja
liberto-me da cereja
dentro de um pão
que semeia
a triste ilusão
de um pobre coração
acreditando acreditar nas janelas de vidro do casarão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Inventaste-me o sono das noites de água

Inventas o espelho, e o caixilho onde dorme o espelho, inventas o prego, onde penduras o espelho, e a parede, inventada por ti, inventas a sombra que escurece o espelho, onde te olhas, onde fumas, o cigarro inventado, pela secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor da tua pele perfumada, a água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se os sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida com as roupas por ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos,
Dos murmurados alpendres onde me arrumavas os braços e as pernas depois de me usares,
Acordavas cedo, puxavas as cordas da noite e começava a clarear o dia, inventavas
Descobri tardiamente
Que inventavas os dias só para mim, como o jardineiro quando sente que uma fina pétala se desprende do esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas que sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de Trabalhos Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma simples instalação eléctrica, e com alguma picadelas nos dedos de areia
Descobri tardiamente que não tinha jeito para invenções,
De areia como as línguas de fogo que começaram a descer dos telhados de vidro das casas dos mais enlouquecidos pasteis de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o vento e o sabor a morango do rio, a cidade ia ficando-se
Como tu antes de inventares esse maldito espelho onde te olhas ao acordar, a janela do dia de ontem, onde vês o restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras vazias onde se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à Torre de Belém, fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça uma pano vermelho, e era alimentado por painéis lunares, e
Saltitava-lhe da voz
Todos Todas Adivinhos,
A rouquidão do prazer quando os mamilos da Cinderela, colorida com os lápis de cor da miúda, a filha da Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no pátio de gelo em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre empobrecido, delata, e um olho em xisto, E
E
Saltitavam-lhe da voz as laranjas podres e os limões sem as palavras que tu
(Inventas no espelho, e no caixilho onde dorme o espelho, inventas no prego, onde penduras o espelho, e na parede, inventada por ti, inventas na sombra que escurece no espelho, onde te olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida como as roupas por ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos),
Inventavas os diários de prata, de uma cigarreira simples, modesta, honesta, uniformemente acelerada, como o movimento dos teus olhos depois de fazeres O Amor,
Esquadro, Régua, Lápis e Borracha, Uma folha eterna de papel
E o dito O Amor deixa as marcas de sujidade nas nuvens dos céus tempestuosos da cidade envergonhada, a casa
Treme, o teu espelho
Recordas-te? Aquele, o inventado por ti...
Esboça pequenos círculos de Ilhas embebidas em vulcões e andorinhas selvagens, e vêem-se os distantes rochedos onde deixavas as minhas cartas, e depois, de mastigares todas as minhas palavras, inventavas-me entre os pilares de açúcar e o medo das noites com lâmpadas quadradas nas paredes de vidro dos tectos falsos das gargantas das mulheres apaixonadas, pelo vento entravam todas as manchas de óleo e os pedaços de saliva, que o mar, do outro lado da cidade, cuspia contra os táxis e os barquinhos de papel com desenhos de flores e casinhas castanhas com uma árvore negra, hoje, logo hoje, perdi as palavras dos teus cabelos
Castanhos,
Negros,
Azuis quando desces à fundo do Oceano,
(de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada), e vinte e oito anos depois, a morte, a morte trouxe-lhe o sossego, a morte trouxe-lhe a paz, a morte trouxe-lhe o encantado quarto enfeitado com verdes panos e lilases veludos que a mesma morte tinha comprado em São Tomé e Príncipe, e descansasse na Paz dos Anjos,
Como qualquer espelho inventado tem direito.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Manhãs sem rio

Um compartimento exíguo, aquilo que me define, o que sou, milímetros quadrados de nada, sem janelas, portas ou madrugada,
Do meu soalho, com algumas ranhuras, vê-se o sol, e facilmente se percebe que eu, ou seja, o meu compartimento está invertido, rodado cento e oitenta graus, talvez durante a noite, talvez quando acordou o dia, talvez
As portas sem madrugada,
Ou
Corações sem nada, simples, mistos, entre fios e hastes helicoidais, animais de estimação e um cão, com voz rouca, sofrendo, as mentiras de uma infinita palavra, começada por hoje e terminada em...
Nada,
Ou,
Do meu pobre soalho vejo além do sol, o rio das lágrimas doiradas, vejo também as desorientadas luzes dos dias que construíste sem a minha autorização, rodeaste-me de mentiras e falsidades, de equações do terceiro grau, as incógnitas desapareciam entre o papel quadriculado e o lápis de desenho, e percebi que não tinha jeito para ser engenheiro, nem letrado, nasci para ser um ser desprovido de tudo, eis a única felicidade de mim, não ter, não ser
Nada, madrugada, corações sem nada, sobre os pinheiros iluminados pelo perfume doentio das manhãs sem rio, e o cio?
O que tem o cio?
Tem frio?
Ou, também ele, como eu, um ser desorganizado, indiferente ao perfume com sabor a nafta dos barcos de papel quando atravessam a estrada ziguezagueada das loucas locomotivas que os pássaros deixam cair sobre as cabeças empastadas de laca
E às vezes
Sinto-os,
Sobre mim,
Ou
Também eles, como eu, um ser desorganizado e sem destino à vista, com uma previsão de sucesso de zero vírgula zero zero um por cento, fantástico, fascinante, e descubro que é mais fácil levar com um parafuso de um satélite na cabeça do que acertar na combinação correcta do euro milhões, sobre mim, tudo bem, análises normais, radiografias normais, e tirando a insónia dos teus olhos sempre suspensos no tecto do meu quarto, eu diria que
Sou um ser humano normal, feliz, sucessivamente a tropeçar nas pedras invisíveis que as palavras arrumam dentro dos caixotes de lixo semeados pelas ruas estreitas e largas da cidade com garganta de vidro e um simples olho de diamante lapidado pelas mãos de uma linda e nobre flor,
Estupidamente
O teu Príncipe imperfeito, sem jeito, nem afeito, como os camelos encalhados nas ruelas do deserto, uso um capacete de fibra de vidro para me proteger das possíveis agressões das gaivotas revoltadas com as minhas palavras,
(por isto da escrita nem sempre agradamos a todos, e tenho recebido algumas queixas, poucas, de gaivotas, alguns barcos de recreio e de um livro que vive atormentando-me, veja-se que ele quer passar à frente da lista de espera, quer isto dizer, nada, que a madrugada, existe para me obrigar a sair da cama, e que a noite, existe, para me obrigar a olhar os olhos suspensos da flor linda que alguém inventou para mim),
Gostava de ti e nunca o disse, por algumas flores são como os versos entrelaçados nas rimas com preguiça, enrolam-se nas ervas junto à eira de Carvalhais, e depois, depois descem até conseguirem rodar o meu exíguo compartimento cento e oitenta graus, e através do meu soalho,
O sol é uma miragem, e através dos buracos do soalho consigo com a minha mão acariciar o mar, e as algas com sorriso de amar, porque às vezes, o amor
(Não é só fodido – livro de Miguel Esteves Cardoso)
O amor pode causar danos irreversíveis no seu coração de areia, seu, meu, nosso, o deles,
De todos os corações,
De todas as cores, de papel, plástico ou vinil, todos
Eles,
Encalhados nas profundezas das aranhas com sete patas de alumínio e com asas de casca de amêndoa, dinamicamente nas algibeiras das equações quando as calças de cetim se rompem com a força do vento, depois vem a estática, e as equações parecem beijos moribundos e desenganados pelas ardósias das tardes junto à lareira, e assim
Vai andando sobre rodas, o amor e o desejo de amar,
Como o relógio de bolso, o meu, que me espera sentado na prateleira da minha estante na companhia de alguns livros, cachimbos, e meninas de sorriso loiro,
E confesso
Não me apetece pegar-lhe.

(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A paixão dos peixes


Procuro-te sabendo que não existes
e que pertences às palavras mórbidas
que as noites de Inverno inventam
e fazem-nos sonhar
que amamos a chuva
e o luar,

Procuro-te entre os muros pintados de branco
com letras negras
e flores amarelas
procuro-te sem perceber porque te escondes de mim
e escondes as cartas abstractas que deixamos adormecer na saudade
dos pinheiros mansos do recreio da escola,

Procuro-te sabendo que te escondes das ditas conversas de café
quando uma simples mesa com pernas de madeira
tropeça nas sílabas divinas que o teu corpo transpira
e lança contra as lindas e amargas moscas de incenso...
as varandas do eterno amor desejado
e perdes-te de mim sem perceberes os destinos adormecidos do sangue,

A carne apodrece
e os ossos do amor nas tuas mãos envergonhadas
que Deus deixou para mim à porta do abismo sonho
e uma dor apodera-se do meu peito submerso na paixão dos peixes
há pontes entre nós incompletas defeituosas e ausentes
como todas as histórias,

Como todos os sinceros morcegos das noites quentes
caem as estrelas sobre o mar
e comem todos os barcos de amar
e dizem que eu procuro fantasmas
nas letras cansadas do muro pintado de branco
como as coisas belas do teu corpo inexistente triste ausente,

Todas as pedras do amor com flores de vidro
procuro-te sabendo que pertences às sombras infinitas das equações diferenciais
mesmo sabendo que poderás estar dentro de uma integral tripla
não sei
se algum dia pegarei na tua mão
e numa ardósia de fim tarde escrever – AMO-TE.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha