Suicidou-se nos meus
braços,
Quatro filhos, um marido
alcoólico, o amante constantemente com as primeiras cinco insónias
da madrugada, um cão, um pássaro, que mais ela podia desejar?
Saía de casa por volta
das 04:30 horas, ainda não tinha acordado o dia, levitava-se pela
casa em bicos de pés, beijava na face cada um dos filhos, rogava uma
praga ao marido embriagado e pensava nas primeiras cinco insónias do
amante, pegava-lhe na fotografia ao de leve, e beijava-o docemente
Nos meus braços,
O cão sabia ler, o cão
sabia escrever, e o pássaro
Nos meus braços,
Fazia a contabilidade da
casa, organizava os jantares de família, digamos que ele era a
governanta lá do sítio, cabisbaixo, de asas poisadas sobre a
lareira dos sonhos, fazia contas, e quando chegava à prova dos nove
Foda-se a conta está
errada,
Nos meus braços, os
fósforos que a morte come quando de deita o dia, chega a casa
cansado, desinteressadamente infeliz, faltava-lhe tudo, os rebuçados,
as guloseimas, as amêndoas de chocolate e o caramelo Espanhóis que
o contrabandista do zarolho oferecia todos os anos pelo Natal,
felizmente já faleceu, e vimos-nos livres dos caramelos
O meu pai sempre disse,
isto um dia vai acabar mal, nos meus braços, O cão sabia ler, o cão
sabia escrever, e o pássaro
Enfaixado nos caramelos
de Luz, chovia, o meu pai acordava todas as manhãs embrulhado em
vómitos e crateras de sulfato de amónio nos lábios, acendia o
cigarro da desgraça, o cão impaciente, o pássaro fodido, e a minha
triste mãe de lágrimas nos olhos a escrever as queixas nas faces
rosadas do amante, faltava-lhe qualquer coisa
Nos meus braços,
suicidou-se ao entardecer,
E o meu pai sempre disse,
isto um dia vai acabar mal, nos meus braços, o cão sabia ler, o cão
sabia escrever, e o pássaro não resistiu aos salpicos das garras do
gato do vizinho que aproveitando a janela da cozinha entreaberta,
zás..., fodeu-lhe o pescoço
Enfaixado nos caramelos
de Luz, chovia, o meu
Foda-se a conta está
errada,
Docemente a beijava, sem
perceber que a casa ardia na fogueira da paixão, os meus queridos
irmãos
Suicidou-se nos nossos
braços,
Eu
Caminhava com quatro
filhos, um marido alcoólico, o amante constantemente com as
primeiras cinco insónias da madrugada, um cão, um pássaro, que
mais posso desejar?
A morte,
O gato constrói um
arroto que todo o prédio presenciou sonoramente, na Antena 3
desenhava-se o Planeta 3 nas falsas palavras dos livros dele, os
uivos, os gemidos, os milagres concedidos à minha querida mãe, e
que hoje partilha uma assoalhada bem lá no alto
A morte de um orgasmo,
Bem lá no alto, No céu?
Os meus três irmãos os
estúpidos de sempre, engasgados nas asneiras da literatura vendida
no vão de escada, subia-se, subia-se
No sexto andar seus
parvalhões,
Subia-se até que
chegávamos ao céu,
Eu, três irmãos, a
minha querida mãe melancólica, o meu paizinho sempre embriagado, o
amante da minha mãe constantemente à procura das cinco primeiras
insónias da madrugada, um cão, um pássaro, que mais eu podia
desejar?
A morte de um orgasmo
Na cabeça da lua, nos
braços
Bem lá no alto, No céu?
Suicidou-se nos meus
braços sem perceber que eu era um cadáver ensonado que de jardim em
jardim, que de embarcação em embarcação, que de autocarro em
autocarro (riscar autocarro porque estão em greve), que de papoila
em papoila
Bem lá no alto, No céu?
A morte de um orgasmo
depois do suicídio das lâmpadas de néon que todos eles utilizam no
Natal,
A morte de um orgasmo
Na cabeça da lua, nos
braços
Bem lá no alto, No céu?
Sim, no céu, os dias
deixaram de ser dias, os dias, pequeníssimas folhas de papel voando
sobre um ninho de cucos...
(texto de ficção não
revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó