sexta-feira, 5 de abril de 2013

Infinito Inferno

foto: A&M ART and Photos

Se eu me perco mar adentro
dizes que sou um barco desgovernado
em sofrimento
um barco aparvalhado,

E nem gota de água consigo ser
nem tão pouco um papagaio de papel
não sou palavra de escrever
nem ponta de cordel,

Se eu me perco perdido vou andar
quando da noite de Inverno
a nossa lareira se apagar,

Livremente só como as árvores em flor
perdidamente alegre dentro do infinito inferno...
no indiferente amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 4 de abril de 2013

E no Sábado?

foto: A&M ART and Photos

Há uma parede ínfima que separa a saudade da vontade de regressar, há uma brecha na parede ínfima onde me é permitida a entrada, e mesmo sendo apenas ao Sábado, eu entro, e fico lá, a olhar os pedaços de loiça que sobejaram da catástrofe que as madrugadas sem destino provocaram na melodia que junto à noite ouvíamos, provavelmente, da casa do vizinho, mas ao longe, um senhor de barba, todos os finais da tarde, saboreava o seu trompete, e eu, uma criança curiosa, inventava palavras para justificar aqueles sons, que ainda hoje oiço, cerro os olhos, e a música flui em mim como o vento quando enrola os lençóis pendurados no estendal perdido no quintal, lá, misturam-se couves, cebolas, tomates, feijão-verde, alhos e algumas galinhas em processo de rescisão de contracto, são velhas, e imaginando-as dentro de uma panela em ferro-fundido, nunca, nunca estarão prontas para serem comestíveis, a não ser que
(o infinito dos dias deram lugar à rapidez das palavras, quero-as escrever e estou a sentir dificuldade de imaginar-me sentado a uma secretária (digo – de madeira) com uma caneta de tinta permanente a escrever num caderno sem nome, talvez lhe coloque o nome de “Matraquilho”, Porque não? Sempre será mais agradável escrever sobre um nome, semelhante a escrever num corpo desnudo, e não saber o nome da folha de pele doirada onde se escreve, “onde se lê folha de pele doirada, o escritor quer dizer PÉTALA DE ROSA ABANDONADA”, e claro, é como beijar os lábios mais belos do Céu e desconhecer o nome desses lábios, todos têm um nome, uns são de filigrana, outras são de marijuana, outros..., o nome, por favor, insira a moeda na ranhura, e rode a alavanca, e logo em seguida tem o seu desejo concretizado, e melhor do que fazer pipocas, porque essa ideia já é tão velha como o apelidado de “cagar”, porque quase há trinta anos que vejo os ciganos nas feiras a venderem pipocas, e como dizia um professor meu na Universidade, tudo em engelharia já foi inventado, ou quase inventado, neste momento a sabedoria está em descobrir novos e mias económicos materiais, portanto, neste momento é na ciência de materiais que está a sabedoria, porque de equações quase que estamos conversados, esta agora... Pipocas..., ele há cada um)
A não ser que a minha amiga que vive na cabana a seguir à ribeira tenha uma porção mágica para transformar galinhas velhíssimas em novas, com coxas, com lábios, com seios, comestíveis
(o rio enfureceu-se comigo, entrou-me em casa e destruiu-me todos os papeis e livros, e eu não percebendo se estava a sonhar, e eu não percebendo se estava a dormir, apenas recordo-me de dizer – Felizmente, felizmente que alguém fez alguma coisa e destruiu-me esta porcaria sem cheiro, semelhante a rodas de chocolate, parecidas com bolachas de madeira – E logo eu, eu meu querido, logo eu que sou apaixonadíssimo por rios e barcos, logo eu)
Comestíveis saudáveis, comestíveis como folhas de alface – quando a parede ínfima que separa a saudade da vontade de regressar, há uma brecha na parede ínfima onde me é permitida a entrada, e mesmo sendo apenas ao Sábado, eu entro, e fico lá, a olhar os pedaços de loiça que sobejaram da catástrofe que as madrugadas sem destino provocaram na melodia que junto à noite ouvíamos, provavelmente, da casa do vizinho, mas ao longe, um senhor de barba, todos os finais da tarde, saboreava o seu trompete, e eu, uma criança curiosa, inventava palavras para justificar aqueles sons, que ainda hoje oiço, cerro os olhos, e a música flui em mim como o vento quando enrola os lençóis pendurados no estendal perdido no quintal, lá, misturam-se couves, cebolas, tomates, feijão-verde, alhos e algumas galinhas em processo de rescisão de contracto, são velhas, e imaginando-as dentro de uma panela em ferro-fundido, nunca, nunca estarão prontas para serem comestíveis, a não ser que – e dizem-me que amanhã é outro dia, claro, compreendo perfeitamente minha querida senhora, mas... E no Sábado?
(não sei o que são Primaveras)
Grades de sombra
(havia silêncios misturados nos sons do trompete do homem de barba, recordo-me agora, que era branca, tipo – Pai Natal? - Ora aí está, tal e qual, isso mesmo, e na altura eu sentava-me em frente à porta de entrada, uma casa simples, descomplexada, onde os aposentos de serem tão minúsculos quase que abria os braços e atravessava o quarto, entrava na casa da vizinha, e tirando isso – éramos felizes – e aqueles sons habitam hoje dentro do meu corpo, ainda hoje, sento-me em frente à porta de entrada da cabana onde habito, e apesar de não ser a mesma casa e de não ser o mesmo local, consigo ouvir os sons melódicos do trompete do senhor com barba branca, talvez do tempo, talvez da idade, talvez dos versos...)
E o teu corpo prisioneiro em grades de sombra, num castelo de areia, tão alto, tão alto, que é quase impossível alguém subir, subir – se ao menos soubesses voar! - Pois, mas infelizmente não sei voar, pois, mas infelizmente tenho medo que a areia ceda, e se transforme em grãos como bolas e sabão quando éramos crianças e andávamos pelas ruas do bairro a lançar bolinhas para a atmosfera, hoje, ainda as vejo, às vezes, a atravessarem o horizonte entre voos rasantes e lentidão de saliva, e o teu corpo lá, lá, lá...
(A não ser que a minha amiga que vive na cabana a seguir à ribeira tenha uma porção mágica para transformar galinhas velhíssimas em novas, com coxas, com lábios, com seios, comestíveis – Depois de amanhã é Sábado – e mesmo assim talvez não seja este Sábado que vou conseguir entrar através da brecha da parede ínfima que separa a saudade da vontade de regressar – só se as comermos assim, mesmo assim, duras)
Lá, na rua onde vivemos, aprisionado a grandes de sombra, e lá – Lá o quê? - lá bem no alto a entrada no castelo para chegar à cela invisível onde ela come e dorme e vive... e dizem que ama.

(quase ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Porta do Silêncio

foto: A&M ART and Photos

A última bebida da noite disfarçada de palavras
simples duas pedras de sílabas
e uns singelos lábios
como se a noite continuasse a viagem até à ilha dos livros
atravessando a porta do silêncio,

Tenho dentro de mim
o teu espelho de infância onde te olhavas e brincavas
e às vezes te esquecias de adormecer
de tanto te olhares
e de tanto o teu corpo crescer,

O fim da história
do livro e do poema e da vida
sempre o derradeiro fim como a encerrada solidão
sem que a mão humana consiga abrir as janelas do sonho
como fazem os peixes quando descem ao fundo do rio,

O fingimento da felicidade
dos sorrisos falsos em falsos lábios de falsas cabeças
a dor quando o corpo transpõe a fronteira da loucura
e se vai sentar no banco de uma enfermaria com plátanos encarnados
e olhos azuis embrulhados em gotinhas de água,

Tudo à minha volta é falso
o dia e a noite e a liberdade e a Primavera que só existe em literatura
o falso amor com falsos sorrisos em falsas dores
com falsos juízos
mas tudo tudo é cor que dorme na tela do sofrimento...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Catedral dos cigarros sem filtro

foto: A&M ART and Photos

(terça-feira de Abril)

Lembras-me a Catedral dos cigarros sem filtro
com as suas quatro janelas de acesso ao inferno,
lembras-me a luz desperdiçada pelas frestas do desejo
sabendo tu que lá fora há uma boca com fome,
de braços abertos, e agarrado à pernada da árvore junto ao cemitério,

Não cessa de chorar
nem entra na escuridão enquanto não se alimentar,
não acreditas nos plátanos sobre os bancos de madeira
que o jardim da Vila esconde, e te sentavas, como uma flor de livro na mão,
não cessam nunca, essas bocas, às vezes, poucas e loucas,

Às vezes
triângulos de tédio abraçados a cubos de gelo,
às vezes, às vezes sinto-me a caminhar sobre o Tejo,
sou uma gaivota ou um velho cacilheiro,
às vezes, sou eu mesmo, um velho desiludido, um velho sentado no infinito do abismo...

Às vezes, visto-me, sim, também me visto e lavo e tenho higiene,
como estava dizendo, às vezes, visto-me de ponte iluminada pelo teu azul
que suspendes no teu corpo de texto ficcionado,
às vezes, minto-te dizendo-te que estou bem alimentado,
mas não estou, porque estou cansado, ou... porque... apenas me apetece dizer-te que sim,

Que comi as bolachas e bebi o leite com chocolate,
que fumei cigarros imaginados, porque deixei de fumar,
que, às vezes, (isto só para nós) não me apetece sorrir nem falar nem escrever,
e escrevo, sem o saber, sem perceber porque o faço...
porque às vezes, às vezes o que eu queria era voar, e deixar de ter ossos e olhos verdes...


(permita-me reflectir sobre os seus lábios, sabendo que não me pertencem, mas como é usual vê-los passear em frente à estação de Cais do Sodré, tenho a dizer-lhe a si e a eles – Lábios, que a minha vida melhorou significamente após o encontro entre os meus olhos verdes e os seus lábios azuis, de tal forma, que hoje, terça-feira, posso garantir-lhe que nunca mais me doeram as costas, a rótula do joelho esquerdo, e melhor ainda, a dor que sentia na perna direita, essa, desapareceu como desapareceram as moedas de Euro que me acompanhavam na algibeira, mas aí, a responsabilidade não é da menina, nem tão pouco da cor da sua pele, apenas deve-se
- à má gestão do meu misero dinheiro,
um dia quis ser bailarino, depois, costureiro, nunca dancei, mas garanto-lhe que cheguei na infância, e tenho como testemunha a minha querida mãezinha, a desenhar vestidos e a confeccioná-los, e tão giros que ficaram... tinha um boneco, a que parvamente o apelidava de chapelhudo, servia-me de modelo, e amigo, confidente, e personagem de texto não escrito, apenas falado entre mim e as pombas e as galinhas, e tudo isto, num enorme quintal, em Luanda, debaixo das mangueiras, tínhamos um portão de entrada, em ferro, que dava uma certa coloração – Não filha, não é ao seu corpo! - ao bairro, estava a falar do Bairro Madame Berman, claro, claro que quando chovia ficava encerrado em casa a desenhar com carvão nas paredes do corredor, quarto e casa de banho, e não me perguntes porque o não fazia nas paredes da sala, não o sei explicar,
- e hoje não me parece terça-feira,
e quando te falava no portão de entrada, claro minha filha, referia-me à chegada do avô Domingos, coitado, tão cansado de andar pelas ruas da cidade com um cordel a puxar um machimbombo, abria-o – sim filha, o portão, o que querias que fosse – voltava a fecha-lo, pegava-me ao colo, e, e dava-me um beijo,
- hoje?
amanhã, talvez me recorde,
- e nunca mais soube a cor do céu e vi o sorriso do mar.)


E deixei de amar, ser novamente a criança com os calções e as sandálias de couro,
não pensar em livros, em termodinâmica ou mecânica, ou literatura, ou amor,
e deixei e desaprendi que o teu corpo reabsorveu o azul do céu e o sorriso do mar,
e..., que as árvores (não vais acreditar) que as árvores, agora, pensam como nós,
e que amam, como nós, não hoje, mas quando ontem era ontem, e não terça-feira...

(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha

De pedra os rios da saudade

foto: A&M ART and Photos

Não me digas que os rios são de pedra, porque, não o são, não, não me digas que a fome é invisível, porque, não o é, não, não me digas que o teu corpo é inacessível, como uma janela altíssima, quase junto à lua, porque eu não acredito que ele esteja tão longe de mim, não
(é atarde ainda para pegar na tua mão)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não
(imerso nas profundezas da tristeza que a tarde aproxima com a ajuda do vento, imerso nos cabelos das nuvens sabendo que não existem nuvens, e pergunto-me, o que tenho eu nos meus lábios? Qualquer coisa estranha e parecida com os cabelos de um ser humano, com esqueleto e na boca sinto-lhe pequenos orifícios, cavernas melhor dizendo, e escrevendo, e dizem-me que não podem ser lábios porque não existem lábios nas nuvens, E, E se não foram nuvens que o vento trouxe? Que trouxe então o vento? E se em vez de tristeza, não, não são profundas nem tristes..., E se forem? E se a água da chuva forem as lágrimas de Deus?)
Não, Não o são, porque se o fossem, eu saberia, não, não me digas que hoje é terça-feira, porque não o é, porque se o fosse, eu, eu estaria completamente quilhado, pois era hoje que partiria para a eterna viagem de barco para o longínquo
(de pedra, os rios?)
Oh minha querida, como poderiam ser de pedra os rios..., como caminhavam os barcos no interior das pedras? Não, não o são, não...
(e o mar, meu querido?)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não, e no entanto é tarde e eu sem entrar em casa, e no entanto caminho sobre um rio que se tu não estivesses ao meu lado, juro, com medo que me oiças, dir-te-ia que o rio onde caminho é de pedra sim, sim o é, mas não o digo, para não o ouvires, porque vais logo dizer
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!)
E, não, não a tinhas,
(de pedra, os rios?)
Não a tinhas e nunca a tiveste, aparecias-me como se eu fosse o teu canino de estimação, colocavas-me uma gravata de plásticos, um pouco comprida diga-se, e pegavas em mim e levavas-me para o jardim em frente à nossa casa, um sexto andar em ruínas, sem elevador, com alguns dos degraus completamente embriagados pelo silêncio e pela escuridão, não tínhamos luz, e quando forçado a erguer-me do chão e subir até ao tecto do céu, três degraus depois, estava a cerca de seis degraus do local de partida, assim
(não, não)
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)
Não, não, e, quando percebíamos... o cigarro com a ajuda do vento e da lei da gravidade, pumba... mesmo no centro do capô do automóvel estacionado na rua, coitado dele, e um deslumbre cinzento começava a erguer-se, e a erguer-se, até que acabou por desaparecer, eu tremia, o medo que ele se incendiasse, eu quase que me lancei da varanda para mais depressa conseguir resolver aquilo que o vento tinha provocado, e não me lancei e o automóvel não ardeu, E será que o vento apenas trouxe nuvens com cabelos e cavernas? Mas, tu não acreditas em nuvens com cabelos e cavernas!
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)
E neste momento acredito que os cigarros inventem dores de cabeça na copa das árvores, porque se assim não o fosse, os pássaros fumavam, os frutos fumavam, as folhas fumavam, a chuva que dizes ser as lágrimas de Deus, fumavam, e como sabes, não fumam...
Árvores, pássaros, frutos, folhas, ou mesmo, como tu gostas de o dizer, as lágrimas de Deus, aquelas que ultimamente não nos largam, dia e noite, já não bastava não termos luz, água canalizada ou gás, ainda temos o problema do telhados, como qualquer coisa relacionado com bicos de papagaio, e claro, entra-nos as lágrimas sobre os cobertores embrulhados em insónias e soluços de Carnaval, aparentemente, desisto de construir um lugar seguro, eterno, com os rios de pedra, porque a tua teimosia, porque a falta de cigarros
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água – Destaque no Sapo Angola

Adicionar legenda


Dois corpos invisíveis

foto: A&M ART and Photos

Se dois corpos se perdem no espaço exíguo da madrugada
deixando abandonada a mesa circular com duas chávenas e duas cadeiras
como se houvesse um túnel cinzento com aberturas tão finas como os sonhos de ontem,
se de dois corpos
nas mãos do néon que ligou o interruptor da solidão
descerem as palavras de silêncio
em busca da plenitude montanha das árvores acabadas de morrer,
se dois corpos em formato de pássaro
sem asas
começarem a voar sobre os campos doirados das planícies verdejantes
é porque uma mulher de corpo emagrecido
desceu das nuvens trazendo olhos castanhos e seios de algodão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Dois corpos invisíveis

terça-feira, 2 de abril de 2013

O comedor de imagens

foto: A&M ART and Photos

Havia no teu corpo crisântemos de esperança
como madrugadas incolores suspensas no estendal que esquecemos na varanda
procurávamos nas ruas os candeeiros de chumbo
para fugirmos à fome da cidade
e sabíamos que eles um dia regressavam para ajustarem contas connosco,

Depois esquecemos-nos das montanhas de azoto que nos invadiam
como moscas envenenadas ou como cadáveres de gesso
pendurados por um fio finíssimo de sémen na árvore do desespero
conversávamos com Deus e era como se estivéssemos a falar com uma parede de aço
insensível e distante e fria,

Chovíamos das nuvens emagrecidas em cidades de areia
e comíamos as imagens que trouxemos de África
e as pequenas recordações que só aparecem noite dentro
quando lá fora cessam as músicas do desassossego
e cá dentro revoltam-se as lágrimas de tristeza,

Um muro covarde arde docemente na lareira da idiotice
como aconteceu com as palavras do livro negro
com dentes de marfim
e cansei-me dos bons costumes
da pontuação e de regras de boa educação,

Sou um “filho da puta” mal-educado
que vive num País inventado
não sei se sou humano ou em pedra torneada e ornamentada com flores selvagens
sou um “filho da puta” cansado
de mendigar migalhas e sonhar com viagens...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Evasão de Privacidade

foto: A&M ART and Photos

A demolição do meu corpo dentro do cubo de silêncio que as andorinhas constroem nas triangulares janelas da casa dos fantasmas-sombra que desde a infância vivem no quarto ao fundo do corredor, sem portas, o tecto descia até não caberem mais os medos entre o pavimento e o candeeiro retrovisor do quarto das traseiras,
Chamavas-me durante a noite para beber o leite, eu recusava-me a acordar, eu recusava-me a abrir a boca, ele recusava-se a levitar sobre o jardim das flores de corpo-doirado, durante o processo de construção, levantava-me pensando que não me levantava, por exemplo, quando hoje estava a ouvir a Antena 3 e repentinamente, entra-me no ouvido a Radio Regional de Resende, confesso, por ignorância, desconhecia a sua existência, É para dedicar? Sim, para o primo Francisco, Para o Pai Francisco, e Para o avô Francisco, E o tema... “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”, e eu
(sabia lá quem era o Zé Amaro...)
E ainda agora desconheço a quem pertencem os pássaros que não cessam de refilar, refilam, refilam, e eu
(penso)
Será uma reunião sindical? Será uma manifestação? Não percebo, não entendo porque berram estes malditos pássaros que vivem nas árvores do jardim emprestado onde habito... sem bancos de madeira...
(dedico a todos)
A prisão do nobre silêncio às algemas dos fios de cobre que o sucateiro da esquina derreteu depois do dependurado João & João ter fanado do monte dos arbustos bravos, o telefone silenciou-se, e todos os sorrisos das câmara de vídeo perderam-se nas conferências de parvos a venderem pipocas na praça, melhor dizendo, junto aos Paços do Concelho, de meia-calça, sapato alto, e brincos de prata nas orelhas furadas como o crivo do passe-vite herdado da avó Silvina, e confesso-lhe querida senhora, ver não vi, mas pareceu-me que do outro lado da rua um senhor fugiu com um dos candeeiros de jardim estacionado junto ao largo onde passeiam elas, e mão dada, como andorinhas de Primavera,
(dedico ao meu pai, dedico à minha tia, e a todos os Membros do Governo, e já agora, para todos os desempregados...)
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)
A prisão, os fios de cobre a saltarem de mão em mão, e uma Polícia Política de espada na mão à procura de palavras e canções, de textos e gravatas, palavras, paralelepípedos recheados com os olhares da calçada do João & João, rapazola sabichão, salteador de amêndoas depois de levantar voo a Páscoa
(Aleluia, Aleluia, Aleluia)
Invoquem o artigo 21 da constituição, façam-no, não tenham medo, pior do que isso é a fome e a miséria,
E agora, depois de se erguer e dirigir-se para outras paragens, resta-nos os buracos das estradas mal alcatroadas, que brevemente vão ser devidamente tapados, pois este é ano de eleições Autárquicas, e eu, pergunto-vos, Porquê?
Se eu estava descansadinho a ouvir a Antena 3, tinha não mão o livro de poemas de AL Berto “Vigílias” e entra-me casa adentro o “Malhão do Beijo – Zé Amaro”, sem que alguém tenha mexido no radio, sem que uma única alma, que eu saiba, estivesse ao meu lado, e o estupor do radio vai até Resende, veja vossemecê, Resende, ao menos ficava-se por Carrazeda de Ansiães, ou por Vila Real, ou... pelos Paços do Concelho, mas não, quis o destino que hoje eu, sem perceber porquê, conhecesse a Radio Regional de Resende, por acaso, e imagino se o AL Berto fosse vivo
E dizia-lhes
(“Cesariny e o retrato rotativo de Genet em Lisboa
ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado acusam-nos de traição
sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção
lá fora mário
longe da memória lisboa ressona esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito”
AL Berto)
E dizia-lhes o quanto é difícil viver desordenadamente sem a ajuda de ninguém, como os fantasmas-sombra que habitavam a casa de Carvalhais e morreram quando ela morreu, e ruíram quando ela ruiu, e solidariamente se suicidaram, quando ela se suicidou, e no entanto, hoje vivo feliz por saber que deixei de existir, tenho um nome, apenas, e um número de contribuinte, um número que não serve para nada, que de nada me serve, apenas um número, e números tive muitos, apaixonei-me por muitos, e hoje, vivo completamente na solidão dos números, e apenas posso ter esperança no
(viva, viva o artigo 21 da Constituição)
Dia de amanhã, a mesma esperança que tinha no dia de hoje, e pergunto-me
(não devia ser inconstitucional existirem reformas abaixo de trezentos euros e abaixo de duzentos e setenta e um euros?)
Dizem-me para não repetir o que disse...
Porque isso não se diz, porque inconstitucional é a Taxa de Solidariedade, isso sim, porque não usufruir qualquer rendimento ainda não é nem será inconstitucional...
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Palavras Azuis

foto: A&M ART and Photos

Roubaram-me as palavras azuis da tempestade
e o papel de parede da sala de visitas
coitado
parece-me infeliz, triste, até quem sabe, cansado,
degolado pelos riscos transversais das armadilhas em flor,

Preciso de escrever
e deixei de ter uma cama decente, com lençóis e cobertores,
uma cama onde possa repousar uma almofada de carinho, ou...
amor,,,
preciso das persianas encerradas para refazer os tectos com desenhos parvos,

Indefinidos,
desenhos de “merda”
nas palavras à “merda”
e mesmo assim,
fogem de mim os pássaros das solidões de azeite,

Há sempre rios que dão guarida às palavras roubadas,
como o oiro, há sempre um parvalhão a vender por necessidade,
e há sempre,
quase sempre um vigarista a enriquecer
à custa da miserabilidade do parvalhão por necessidade...

Roubaram-me as palavras de escrever,
palavras azuis da tempestade marinha... sobre um veleiro de pedra,
palavras misturadas no sal de cozinha
que dão aos lábios da manhã
um feliz texto de melancolia...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha