foto: A&M ART and Photos
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Não me digas que os rios são de pedra, porque, não
o são, não, não me digas que a fome é invisível, porque, não o
é, não, não me digas que o teu corpo é inacessível, como uma
janela altíssima, quase junto à lua, porque eu não acredito que
ele esteja tão longe de mim, não
(é atarde ainda para pegar na tua mão)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que
a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não
(imerso nas profundezas da tristeza que a tarde
aproxima com a ajuda do vento, imerso nos cabelos das nuvens sabendo
que não existem nuvens, e pergunto-me, o que tenho eu nos meus
lábios? Qualquer coisa estranha e parecida com os cabelos de um ser
humano, com esqueleto e na boca sinto-lhe pequenos orifícios,
cavernas melhor dizendo, e escrevendo, e dizem-me que não podem ser
lábios porque não existem lábios nas nuvens, E, E se não foram
nuvens que o vento trouxe? Que trouxe então o vento? E se em vez de
tristeza, não, não são profundas nem tristes..., E se forem? E se
a água da chuva forem as lágrimas de Deus?)
Não, Não o são, porque se o fossem, eu saberia,
não, não me digas que hoje é terça-feira, porque não o é,
porque se o fosse, eu, eu estaria completamente quilhado, pois era
hoje que partiria para a eterna viagem de barco para o longínquo
(de pedra, os rios?)
Oh minha querida, como poderiam ser de pedra os
rios..., como caminhavam os barcos no interior das pedras? Não, não
o são, não...
(e o mar, meu querido?)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que
a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não, e
no entanto é tarde e eu sem entrar em casa, e no entanto caminho
sobre um rio que se tu não estivesses ao meu lado, juro, com medo
que me oiças, dir-te-ia que o rio onde caminho é de pedra sim, sim
o é, mas não o digo, para não o ouvires, porque vais logo dizer
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!)
E, não, não a tinhas,
(de pedra, os rios?)
Não a tinhas e nunca a tiveste, aparecias-me como
se eu fosse o teu canino de estimação, colocavas-me uma gravata de
plásticos, um pouco comprida diga-se, e pegavas em mim e levavas-me
para o jardim em frente à nossa casa, um sexto andar em ruínas, sem
elevador, com alguns dos degraus completamente embriagados pelo
silêncio e pela escuridão, não tínhamos luz, e quando forçado a
erguer-me do chão e subir até ao tecto do céu, três degraus
depois, estava a cerca de seis degraus do local de partida, assim
(não, não)
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces
fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na
beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de
papel, não?)
Não, não, e, quando percebíamos... o cigarro com
a ajuda do vento e da lei da gravidade, pumba... mesmo no centro do
capô do automóvel estacionado na rua, coitado dele, e um deslumbre
cinzento começava a erguer-se, e a erguer-se, até que acabou por
desaparecer, eu tremia, o medo que ele se incendiasse, eu quase que
me lancei da varanda para mais depressa conseguir resolver aquilo que
o vento tinha provocado, e não me lancei e o automóvel não ardeu,
E será que o vento apenas trouxe nuvens com cabelos e cavernas? Mas,
tu não acreditas em nuvens com cabelos e cavernas!
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces
fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na
beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de
papel, não?)
E neste momento acredito que os cigarros inventem
dores de cabeça na copa das árvores, porque se assim não o fosse,
os pássaros fumavam, os frutos fumavam, as folhas fumavam, a chuva
que dizes ser as lágrimas de Deus, fumavam, e como sabes, não
fumam...
Árvores, pássaros, frutos, folhas, ou mesmo, como
tu gostas de o dizer, as lágrimas de Deus, aquelas que ultimamente
não nos largam, dia e noite, já não bastava não termos luz, água
canalizada ou gás, ainda temos o problema do telhados, como qualquer
coisa relacionado com bicos de papagaio, e claro, entra-nos as
lágrimas sobre os cobertores embrulhados em insónias e soluços de
Carnaval, aparentemente, desisto de construir um lugar seguro,
eterno, com os rios de pedra, porque a tua teimosia, porque a falta
de cigarros
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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