É quase Primavera, é
quase poema, é quase dia… nos teus olhos!
Há sítios tão mágicos que a própria magia desconhece...! Cada fotografia, cada paisagem, é um poema.
É tão belo o nosso Douro!
Ausento-me.
Enquanto ainda tenho beijos,
Enquanto ainda existem abraços,
Enquanto este relógio não pára de caminhar…
Ausento-me.
Enquanto este poema não morre.
Ausento-me.
Enquanto esta cidade não dorme,
Enquanto este rio não deixa de correr para o
mar.
Ausento-me.
Ausento-me,
Enquanto escrevo e a tua mão não deixar de
me tocar.
Fui menino
Fui criança
Fui o mar
Fui barco,
Fui menino dos calções
Menino dos papagaios de
papel
Fui montanha
Cacimbo
E fui sanzala,
E hoje…
Sou poeta,
Poeta apaixonado,
Por ti…!
18/02/2024
Há um rio preguiçoso que
dança na tua mão,
Há um rio que escreve nos
teus olhos de mar,
Há um rio que apelidam de
Tua,
Tua sombra que envenena o
meu cinzento sorriso,
Há um rio nos teus seios,
Há um rio que traz a lua,
Um rio distante dos meus
olhos…
Há um rio triste, em ti,
Há um rio que mergulha
nos teus lábios,
Quando o Tua se aprisiona
nos teus olhos!
18/02/2024
Trazes-me as palavras de escrever
Trazes-me os versos de desenhar
Trazes-me a vontade de ser
Um braço de mar.
Trazes-me o peixe de olhar
Trazes-me o vento
Trazes-me o luar
Quando a noite é um tormento.
Trazes-me o viver
Quando o trigo poisa na eira
Trazes-me o amanhecer
E o nome desta ribeira.
Trazes-me a fome
Trazes-me o dia
Escondes o meu nome
E o meu corpo na poesia.
25/01/2024
Dos montes
Onde vivemos
Das fontes
De onde bebemos
Da fotografia
Que tiramos
No dia
Que temos
Dos montes
Onde vivemos
Nos horizontes
Que prometamos
Nos montes
Que amamos
Nas pontes
Que procuramos
25/01/2024
Traz a neblina
E esconde-me
Veste-te de menina
E esconde-me
Das flores desse jardim
Traz a neblina
E esconde-me de mim
E desta sina
E deste jasmim
Traz a neblina e não tenhas medo de me
esconder
Tão pouco quando escrevo SIM
Traz a neblina que assombra a madrugada
E o amanhecer…
E a alvorada
25/01/2024
Somos dois rios
Dois mares
Dois braços escondidos na
neblina
Somos duas árvores
Duas flores do jardim
Somos duas estrelas
Dois sóis
Ou duas luas,
Somos duas mãos
Entrelaçadas em duas mãos
Somos dois dedos perdidos
numa folha em papel
Somos dois poemas
Somos dois dias
E duas noites,
Somos duas pontes
Sobre os dois rios
Que também somos,
Somos duas palavras
Somos o amo-te
E somos o desejo-te
Somos a terra
A tarde
Somos a cidade
Quando é absorvida pela
insónia,
Somos a água
Somos a chuva
A neve
E a geada
Somos a janela
Somos o mar
Somos a areia…
Somos duas línguas de
fogo
Somos a lareira
Somos a ausência
Quando nos deixam com uma
máquina fotográfica
Somos a paisagem
Somos o retracto
Somos o cigarro,
Somos o amor!
23/01/2024
Oito paredes
Uma janela
Nove estantes
Prateleiras
E aproximadamente
Quinhentas mil
palavras,
(dois compartimentos)
Juntamente com as palavras
Fotografias
Esquemas
Gráficos
E dedicatórias,
Dedicado a
Feliz Natal de 198…
“Feliz aniversário
querido filho Francisco” ou outra merda qualquer
Mais “odeio-te”
Do “amo-te”
Alguns “nunca mais te
quero ver”
Felicidades
Boa viagem até ao Sol
E claro
Pequenos poemas que vou
escrevendo nos livros que leio
Datas
Números
Alguns rabiscos,
Quarenta cachimbos
Relógios
Canetas de tinta permanente
Discos de vinil
CDs
Catálogos e tabelas e
outras coisas e tal
Retractos
Abstractos quadros
E muito lixo,
Manuscritos dos anos
oitenta.
(mais de mil textos e
poemas)
Quando me sento na
secretária
Puxo um cigarro
Engano-o
Acendo-o
E fumo-o
Olho para a janela
O que vejo
Esqueletos
Esqueletos
Muitos esqueletos
Dos que amei
Dos amigos
Digamos que a janela da
minha biblioteca
A minha biblioteca
É um cemitério de ossos
Éum pequeno estendal de
retractos
A preto e branco
A cores
E ainda outros
Nem são a preto e branco
Mas também não são a
cores
Direi que são retractos
de ninguém
Anónimos
Anónimas
Pequenos corpos de luz,
O que tenho mais eu
Eu
Que vos possa oferecer,
Digamos que nada mais.
A minha fortuna maior
São caracteres
Milhares de caracteres
Esquemas
Gráficos
Retractos
Cachimbos
Os relógios
Os abstractos quadros
Desenhos
Discos de vinil
CDs,
(e muitos livros com
muitas equações)
E claro
O cemitério de ossos que
tenho na janela.
E enquanto fumo o cigarro
Questiono-me
(para que serve toda esta
merda?)
E se todas as noites me
sentasse à lareira
E aos poucos
Fosse semeando na lareira
todos estes caracteres
Todos estes cachimbos
As canetas de tinta permanente
E todo o resto
Talvez
Talvez ao fim de quinze
dias esteja em paz
E liberto de todos estes
pertences
Tralha
Merda
Muita merda,
O meu problema maior será
como me desfazer do cemitério de ossos;
Parto os vidros da
janela?
E será que após partir os
vidros da janela
O cemitério de ossos
desaparece,
Vai embora?
E se não for embora?
Fico sem janela
E com o cemitério de
ossos?
O cigarro acaba de
desmaiar
Provavelmente
Tensão alta
Ou açúcar no sangue
Fricciono-lhe o rosto
Começa a abrir os
olhinhos…
E temos novamente cigarro
para mais alguns minutos,
Poiso os olhos na
prateleira onde dormem
AL Berto
Pacheco
O Lobo Antunes
Cesariny
O Cruzeiro Seixas
E penso
E debato-me
O que fazei quando tudo arde
(António Lobo Antunes)
O que fazer com todas
nestas cinzas?
Com toda esta merda?
Sim
Merda
Sim
Cinzas
Porque toda a minha vida
Foram cinzas
Noites em claro,
Saía ao principio da
noite
E regressava de madrugada
com um saco repleto de palavras
Depois
Durante o dia
Colocava-as sobre uma
folha branca
Agitava um pouco
E passadas algumas horas
Tinha poemas
Tinha textos
Tinha desenhos
E às vezes descuidava-me
E tinha uma grande
porcaria
Ficava tudo chamuscado.
(nunca fui bom
cozinheiro)
Tinha o silêncio
Tinha o mar
Tinha barcos
Tinha nada
Tinha rios
Socalcos
Enxadas
Tinha tudo
Tudo
Tudo muito arrumadinho,
Agora não sei o que fazer
a toda esta porcaria
Não sei se queime tudo
Não sei se dê
Não sei…
(a minha preocupação é
com a janela)
Que farei com todos estes
ossos?
Dinheiro não será
certamente
Porque ninguém compra
ossos…
E se comprassem ossos
Já tinha vendido os meus
Não preciso deles.
E voltando
Às oito paredes
Uma janela
Nove estantes
Prateleiras
E aproximadamente
Quinhentas mil
palavras,
(dois compartimentos)
E questiono-me se não
seria mais feliz
Se eu não tivesse nada
disso
Se eu nunca tivesse
olhado o mar
Olhado o céu
A lua
O luar
O capim
As chuvas
A geada
Ter nascido às sete e
trinta da manhã
Saber o que é um machimbombo
Ter nascido a um Domingo
Tudo isso
Em Janeiro
E o outro
Aquilo
Daquilo
E um dia
Qualquer dia,
Nada.
Apenas mais um dia.
Mais nada.
De nada.
Alijó, 15/12/2022
Francisco Luís Fontinha
Porque dormem estas
fotografias
Que hoje são poeira
Porque choram estas
fotografias
Que ontem eram alegria
E hoje
São pedacinhos de
saudade.
Porque brincam estas
fotografias
Na sombra da minha
biblioteca
Onde habitam livros
Homens e mulheres
Crianças e palhaços
Deste circo que é a vida.
Porque guardo estas
fotografias
Dentro do meu silêncio
Porque escrevo na parte
de trás destas fotografias
As palavras envenenadas
das tristes tardes de Outono
Quando eu era criança
E hoje sou apenas uma
árvore que tomba sobre o mar…
Alijó, 30/10/2022
(palavras e quadro de
Francisco Luís Fontinha)
Gosto de borboletas,
Gosto dos meus poemas,
Gosto de cabrito,
Gosto de leitão,
Gosto das tuas sombras
sobre o meu corpo,
Gosto da geada,
Do frio Inverno,
Gosto,
Gosto dos teus lábios,
Da tua boca,
Gosto dos teus tristes
olhos,
Das tuas finíssimas mãos,
Gosto de borboletas,
Gosto das minhas
palavras,
Gosto do sol,
Da lua,
Gosto das noites
apaixonadas,
Gosto das estrelas,
Gosto de ti,
E não gosto de nada,
Gosto das partes ósseas do
cabrito e do leitão,
Gosto da tua pele,
Do teu perfume,
Gosto de me levantar
cedo,
Deitar tarde,
Gosto de sonhar,
Gosto de envenenar a
saudade,
Gosto de ti,
Gosto de mim,
Gosto,
E gosto muito de fumar…
Gosto muito de
borboletas.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 08/10/2022