Princesa, seu cabelo mais loiro do que a seara
seus olhos, princesa, mais estrelas do que o céu
princesa menina, princesa criança
mais bela e mais linda
do que a manhã de Primavera.
Princesa, seu cabelo mais loiro do que a seara
seus olhos, princesa, mais estrelas do que o céu
princesa menina, princesa criança
mais bela e mais linda
do que a manhã de Primavera.
mulher mãe
sem tempo para ser mulher
mulher guerreira
que luta
labuta
e não tem medo da insónia
mãe mulher madrugada
do escuro faz uma enxada
com a lua constrói a liberdade
mulher mãe
sem medo de ser mulher
sem medo de ser mãe
de trança lança o vento sobre a seara o loiro cereal
ele se verga até ao chão e não tomba
sobre a terra semeada
de lança trança percebe o vento de
sementeiras
e poesia ao deus dará
de trança
lança
o vento contra a tarde
de trança o vento
lança
a saudade
e a cicuta da noite
Faz hoje 108 anos que morreu um dos
maiores poetas portugueses da primeira metade do Século XX; Mário de Sá-Carneiro.
Tinha 25 anos quando se suicidou em
Paris.
Um enorme acto de coragem e de nobreza.
finos silêncios que a noite semeia na terra cremada
um corpo é solicitado pelo diabo,
enviamos-lhe os ossos
e ficamos com o poema
finos pingos de luz tem a madruga
antes que morra a noite embrulhada numa
mortalha
finos silêncios têm as estrelas
depois da tempestade
quando o cabelo se enlaça num sorriso
finos pergaminhos, onde me deito e
escrevo
banhado por este rio invisível
que apenas a minha mão conhece as suas
águas
e os seus lábios
e as suas mãos
e os seus olhos.
finos silêncios que a noite absorve do
luar
das palavras envenenadas por um louco
ou por uma espada
de luz;
o medo
são tantas as cordas que aprisionam o meu corpo à sombra
são tantas as sombras que chicoteiam o
meu olhar
são tantas as estrelas que me abandonam
são tantas as ruas onde me perco
são tantas as cidades onde escrevi o meu
nome
e agora
esqueceram o meu nome
saberei, amar-te!
são tantas as mãos que se escondem no
meu rosto
são tantas as flores que morrem no meu
jardim
são tantas as pedras que me atiram
são tantas as nuvens que poisam sobre
mim
são tantas as madrugadas sem dormir
são tantos os sonhos por concluir
são tantos os meus sonhos…!
saberei, amar-te!
quão mágico é um rio de sofrer
que abraça os teus olhos de mar
quão mágico é saber
que nos teus lábios brinca o luar
quão mágicas devem ser as tuas
madrugadas
entre a luz e a escuridão
mergulhada nas palavras
e na solidão
quão mágico é um rio de sofrer
quando o mar está tão perto
e não é certo
que consiga lá chegar
quão mágico é este rio amar
na ponta dos meus dedos escrever
estás tão triste…, dos teus olhos desprendem-se lágrimas de luz
que aos poucos incendeiam a manhã e
deixa-a também triste
estás tão triste, e nada posso fazer,
porque ainda estou mais triste do que tu
porque ainda estou mais triste do que a
manhã
meu amor, é tão triste a noite
interminável
é tão longa e fria a
noite, meu amor
que às vezes parece que
estou a sufocar
querer respirar
querer
meu amor, é tão triste a
noite
é tão palavra
palavra simples
que se escreve sem querer
no peito de uma mulher
no teu peito, meu amor
São muito mais, os
soldados do meu presépio, são muito poucos aqueles que vêem a minha sombra mergulhada
na azafama de uma noite que cresce desalinhada com o horário de um relógio.
São tão poucos, aqueles
que me conhecem
são tão tristes, os meus
minutos.
São tão espingardas, os
soldados do meu presépio, dos muito mais homens e mulheres
afogados no rio
São muitos os cadáveres
que transporto no olhar…
São muito poucos, aqueles
que me gritam, são muito tão muito aqueles que me desejam
também afogado no rio.
que ventos trazem os teus cabelos
que ventos desenham nos
teus lábios beijos
o mar
que marés os teus cabelos
ao vento
trazem aos teus cabelos
o vento
que palavras vento
se escrevem nos teus
cabelos
que ventos silêncio amar
se abraçam aos teus
cabelos
quantas estrelas vento
iluminam os teus cabelos
(amo-te)
há uma mão que procura
outra mão
no meio de muitas outras
mãos
há uma mão que quer tocar
na mão
há uma mão que quer
acariciar o rosto da mão
o cabelo da mão
há uma mão que quer olhar
os olhos da mão
há uma mão que quer
beijar os lábios da mão
há uma mão quer abraçar o corpo da mão
uma mão que quer ser o
poema da mão
há uma mão que deseja
escrever na mão
há um beijo de mão em mão
um beijo fictício
e quando duas mãos se
beijam…
há uma mão que se ergue
da mão
é mesmo isto que eu quero
digamos que não sei bem o
que quero
se quero
é mesmo isto que eu quero
(temos de preparar a
roupa para o bebé)
oiço uma sonolenta voz
que vem da televisão
quanto a mim
não tenho bebés
é mesmo isto que eu quero
digamos que deus está
muito indeciso em relação a mim
deus ainda não sabe muito
bem o que quer para mim…
seja lá o que for
é mesmo isto que eu quero
a minha mãe, ainda eu
bebé, espantou-me o sono
desde então
nunca mais dormi
ou quase
durmo muito pouco quase
já é noite, acordam os
vampiros, a vizinha do lado envenenou-se com drageias para a diarreia
o cento e doze foi
rápido, uns homenzinhos vestidos de abelha ergueram a minha vizinha e
lançaram-na contra a lua
três dias depois
irá aparecer junto às
alfaces, junto ao poço
digo eu
que é mesmo isto que eu
quero
querer
cem por cento eléctrico, o meu corpo comporta-se como uma nave espacial,
em pequenos círculos,
viajo pelo espaço frio e escuro dos teus olhos,
não percebendo eu nada de
olhos,
para mim, são um espaço
frio e escuro, os teus olhos.
que já não tenho muita
paciência para as parvoíces do professor Marcelo, e cem por cento eléctrico, o
meu corpo segue viagem até um sítio onde exista uma rocha firme, para me
sentar.
ainda é dia e é uma
chatice.
uns são rurais e outros…
citadinos,
não percebi, professor.
juro.
daqui a pouco é noite, os
cortinados dos sonhos estão prontos para descerem aos limites da razão, um
filho beija o pai, e há flores que se dizem serem em papel,
poderá lá ser, flores em
papel.
daqui a pouco é noite,
eu, e eu daqui a pouco serei dia.
quarta-feira, 24 de Abril de 2024,
manhã e tarde, uma treta,
nada a acrescentar, o expediente normal e nos intervalos envolto nos meus
pensamentos. Depois do lanche, fiz um cigarro especial e fui até ao jardim Dr Matos
Cordeiro fumá-lo. Diga-se que o jardim está muito desprezado e feio e sujo para
o meu gosto.
Chamei de “ranhosa” a uma
criança, que já no cemitério em conversa com a minha mãe, percebi que não o
devia ter feito, isto é, chamar “ranhosa” a uma criança, porque as crianças
nunca são “ranhosas”.
Coisas de não ser pai, se
o fosse talvez soubesse.
Poderá o leitor
questionar-me qual a razão de ir ao cemitério e falar com aquela pessoa que
perdemos e que às vezes é difícil de o aceitar. Não o sei, mas penso que ainda
não estou maluco e que me sinto muito bem ao fazê-lo.
Com o meu pai falo muito
pouco.
Sempre falei muito pouco.
Adiamante.
Talvez deixe aqui o
último poema do dia nesta meia página de nada e que tem como título,
Diário.
As abelhas também amam
Se a colmeia fosse um
livro, se cada letra fosse um pedacinho de mel
Se cada palavra fosse uma
abelha de lindos olhos
De lábios lindos
À procura do pólen amar.
Se cada silêncio, fosse
um beijo
Se a cada olhar, caísse uma
estrela
A noite era tão escura
Tão escura na colmeia
desejo.
Se a cada pôr-do-sol duas
abelhas se beijassem, se a cada toque de pele, uma gaivota voasse sobre o mar
Na colmeia desejo havia
amor, havia mel
Se a colmeia fosse um
livro, um beijo, um abraço
Se o mel fosse a noite
E tu
A Rainha da colmeia
desejo
Se uma abelha poisasse no
teu cabelo…
Acordava um poema.
Para uma quarta-feira,
não foi muito mau.
muitas luas têm os teus lábios
mil cores têm os teus olhos
mil silêncios no teu cabelo
nas muitas estrelas da tua boca
muitas vozes têm o teu corpo
na manhã mimada pela flor das tuas mãos
mil beijos eu te dava
nos mil dias sem madrugada
É quase dia. Neste momento não importa se é dia, se é noite, se sou eu ou se é apenas o poeta à procura da lua
sou quase eu, é quase
dia, é quase dispendioso viver acorrentado a uma lâmina de sémen, invisível,
primitivamente só
é quase dia, e ainda é
noite nos teus seios, e ainda é noite na minha mão
é quase dia dentro de
mim, porque dentro de mim…
é sempre dia.
É quase dia e deixará de
ser noite. É quase sábado, e ainda hoje só é quarta-feira
é quase flor, e é apenas
um ponto de luz mergulhado na insónia
é quase tarde, é quase
pôr-do-sol quase
foi quase tela, e hoje é
uma janela
foi quase Cinderela, e
hoje é o mar que se vê da janela
foi quase mulher
e hoje é mãe
e ontem foi criança.
É quase dia, é quase Primavera
nos teus olhos, e é Inverno nos meus lábios
foi quase silêncio
foi quase
quase noite comida por um
monstro
por um monstro quase.
É quase mesa
ontem foi quase cadeira
quase
quase por acidente
é quase dia, quase nos
teus olhos!
quero ser
a mãe de todas as luas, luar
que me ilumina
quando te vejo passar,
quero ser neblina,
orvalho que me encandeia
nas manhãs ao acordar,
e sentir...que preciso de
viver...
quero ser a semente
que a tua mão semeia,
o alimento que se multiplica na
madrugada,
a canção de revolta,
quando uma criança maltratada
não compreende que é gente...
quero ser, e ter, à minha volta,
o silêncio dos que se querem
esconder
e o medo ao acordar,
quero ser...
porque preciso de amar!
quero ser
o vento que em demanda
assobia na tua janela,
o poema que quero escrever
frescura de flor, tal como
tu...tão bela,
que quem pode, não manda,
porque...se eu pudesse, queria
ser...
tudo de bom à tua volta...
foguetão
avião,
astronauta.
Quero ser um barco à vela
Construído de vento
Junto à tua janela
Para navegar no teu pensamento.
Quero ser o livro que adormece na tua mão
A música que não te cansas de ouvir
A calçada onde passas apressada
A vontade de sorrir…
Quero ser a tua madrugada
O amanhecer sem clarão
O castelo onde habitas aprisionada
Com medo da paixão.
Quero ser um barco à vela
Perdido no teu coração
Olhando o teu rosto belo
Belo pois então.
Quero ser um barco à vela
Sem vento para navegar
Navegar no teu pensamento
Com vontade de amar.
Quero ser o vento
No teu cabelo donzela
Vento
Que bate na tua janela.
Quero ser um barco à vela
Cansado de esperar
E medo de se perder.
Quero ser o mar
Onda a valer
Adormecido na tela
Que tu queres ter.
Quero ser um barco à vela…
ÀS VEZES SABIA BEM OUVIR
- ESTÁS VIVO?
- PRECISAS DE ALGUMA COISA?
ÀS VEZES SABIA BEM OUVIR
OS SEGREDOS DAS PLANTAS
QUANDO COMEÇA A NOITE
E UMA PÉTALA DE INSÓNIA…
POISA NOS TEUS OLHOS!
ÀS VEZES SABIA BEM OUVIR…!
o que me espera ao final do dia
talvez um pouco de sombra, um muito de
poesia
talvez um pouco de fome
ler numa lista desordenada, o meu nome
o que me espera ao final do dia
depois das árvores se despedirem
depois de os pássaros partirem
depois de o dia
morrer
o que esperar
ao final do dia
o que me espera ao final do dia
talvez um pouco de sombra, talvez uma
lágrima em despida
um pedacinho de tristeza
uma madrugada perdida
o que me espera
ao final do dia…
um poema
é um olhar que nos cativa
é a manhã de cabelo ao vento
sorridente
contente
um poema
é gente
é amor
é paixão
é flor
um poema é a tua mão
invisível no meu rosto!
não me peçam para eu me erguer
não
não me apetece erguer
mais
mais não
não me peçam para sair
deste poço
fundo e frio e escuro
não me peçam para eu me
erguer
deste estábulo
desta miséria
não me peçam para eu me
erguer
o cansaço é superior à
luz
e o som
é a chuva miudinha
é estrela polar
não
não me peçam para eu me
erguer!
porque caminhas sobre a lâmina daquele punhal
tu que escreves e és
poeta
tu que podes cair a
qualquer momento sobre o abismo…
e ninguém te recordará,
porque caminhas?
SE TE ABRAÇASSE
SE TE BEIJASSE
SE ESCREVESSE
MAS O POETA APENAS PODE ESCREVER
O POETA APENAS PODE SONHAR…
EM SER POETA
EM SER O TEU MAR
oh dia que não se extingue de uma só vez
que não desaparece nunca
dia que é cansaço de viver
que é madrugada no canto dos pássaros
que é ribeira desengonçada
oh dia que não quer que seja dia
e que se extinga
e que morra este dia
dentro de um qualquer poema
uma criança se cansa
de ser criança
um poeta se cansa
no cansaço das palavras
uma mãe se cansa
das madrugadas
um filho se cansa
das palavras do poeta que se cansa
e de outras palavras
um deus que inventa
a insónia a paixão e o amor e a dor e o
sofrimento de amar
e também ele se cansa
do perfume de uma flor
cansa-se o velhinho da tarde que nunca
mais acaba
e cansa-se a noite e cansa-se a poesia
uma criança se cansa
se cansa das mentiras do dia
oiço o suicídio do pescador de sonhos
no mar da tranquilidade
oiço as lágrimas do monte de sucata onde
habita no meu corpo
e restos de chapa canelada, limalha de aço
e pedaços de silêncio...
tomam conta do meu coração
(só, só, nunca estive tão só
e o vento não se cansa de soprar
em cada suicídio do pescador de sonhos)
a cidade atravessa o vale infinitamente
belo
recheado com amêndoas
ovos de chocolate
e pássaros que inventam sonhos nas folhas
emagrecidas das árvores do cemitério
as lápides
voam entre os restos de tristeza que
sobejam das aboboras com olhos de mel
e as fotografias
oiço
(tomam conta do meu coração)
Oiço o suicídio do pescador de sonhos
no mar da tranquilidade
e percebo que estou completamente só junto
ao rochedo dos sonhos
tomam conta do meu coração
as pedras
e as ervas
oiço
oiço a voz de uma sombra
oiço
vestida de mulher