terça-feira, 30 de abril de 2024

princesa

Princesa, seu cabelo mais loiro do que a seara

seus olhos, princesa, mais estrelas do que o céu

princesa menina, princesa criança

mais bela e mais linda

do que a manhã de Primavera.


mulher

mulher mãe

sem tempo para ser mulher

mulher guerreira

que luta

labuta

e não tem medo da insónia

 

mãe mulher madrugada

do escuro faz uma enxada

com a lua constrói a liberdade

mulher mãe

sem medo de ser mulher

sem medo de ser mãe


sexta-feira, 26 de abril de 2024

cicuta

de trança lança o vento sobre a seara o loiro cereal

ele se verga até ao chão e não tomba sobre a terra semeada

de lança trança percebe o vento de sementeiras

e poesia ao deus dará

de trança

lança

o vento contra a tarde

de trança o vento

lança

a saudade

e a cicuta da noite

Mário de Sá-Carneiro

 

Faz hoje 108 anos que morreu um dos maiores poetas portugueses da primeira metade do Século XX; Mário de Sá-Carneiro.

Tinha 25 anos quando se suicidou em Paris.

Um enorme acto de coragem e de nobreza.


o medo

finos silêncios que a noite semeia na terra cremada

um corpo é solicitado pelo diabo, enviamos-lhe os ossos

e ficamos com o poema

 

finos pingos de luz tem a madruga

antes que morra a noite embrulhada numa mortalha

finos silêncios têm as estrelas

depois da tempestade

quando o cabelo se enlaça num sorriso

 

finos pergaminhos, onde me deito e escrevo

banhado por este rio invisível

que apenas a minha mão conhece as suas águas

e os seus lábios

e as suas mãos

 

e os seus olhos.

finos silêncios que a noite absorve do luar

das palavras envenenadas por um louco

ou por uma espada

de luz;

o medo

é sexta-feira


 É sexta-feira; bebemos então e vamos celebrar a poesia.

saberei, amar-te!

são tantas as cordas que aprisionam o meu corpo à sombra

são tantas as sombras que chicoteiam o meu olhar

são tantas as estrelas que me abandonam

são tantas as ruas onde me perco

são tantas as cidades onde escrevi o meu nome

e agora

esqueceram o meu nome

 

saberei, amar-te!

 

são tantas as mãos que se escondem no meu rosto

são tantas as flores que morrem no meu jardim

são tantas as pedras que me atiram

são tantas as nuvens que poisam sobre mim

são tantas as madrugadas sem dormir

são tantos os sonhos por concluir

são tantos os meus sonhos…!

 

saberei, amar-te!

rio de sofrer



quão mágico é um rio de sofrer

que abraça os teus olhos de mar

quão mágico é saber

que nos teus lábios brinca o luar

 

quão mágicas devem ser as tuas madrugadas

entre a luz e a escuridão

mergulhada nas palavras

e na solidão

 

quão mágico é um rio de sofrer

quando o mar está tão perto

e não é certo

 

que consiga lá chegar

quão mágico é este rio amar

na ponta dos meus dedos escrever

lágrimas de luz

estás tão triste…, dos teus olhos desprendem-se lágrimas de luz

que aos poucos incendeiam a manhã e deixa-a também triste

estás tão triste, e nada posso fazer, porque ainda estou mais triste do que tu

 

porque ainda estou mais triste do que a manhã

noite

meu amor, é tão triste a noite

interminável

é tão longa e fria a noite, meu amor

que às vezes parece que estou a sufocar

querer respirar

querer

 

meu amor, é tão triste a noite

é tão palavra

palavra simples

que se escreve sem querer

no peito de uma mulher

no teu peito, meu amor

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Os soldados


São muito mais, os soldados do meu presépio, são muito poucos aqueles que vêem a minha sombra mergulhada na azafama de uma noite que cresce desalinhada com o horário de um relógio.

São tão poucos, aqueles que me conhecem

são tão tristes, os meus minutos.

 

São tão espingardas, os soldados do meu presépio, dos muito mais homens e mulheres

afogados no rio

São muitos os cadáveres que transporto no olhar…

São muito poucos, aqueles que me gritam, são muito tão muito aqueles que me desejam

também afogado no rio.


coisas


simples coisas

momentos

pensamentos & coisas

as minhas coisas

coisas belas

são coisas simples

os teus cabelos

que ventos trazem os teus cabelos

que ventos desenham nos teus lábios beijos

o mar

que marés os teus cabelos ao vento

trazem aos teus cabelos

o vento

 

que palavras vento

se escrevem nos teus cabelos

que ventos silêncio amar

se abraçam aos teus cabelos

quantas estrelas vento

iluminam os teus cabelos

 

(amo-te)

mão

há uma mão que procura outra mão

no meio de muitas outras mãos

há uma mão que quer tocar na mão

há uma mão que quer acariciar o rosto da mão

o cabelo da mão

há uma mão que quer olhar os olhos da mão

há uma mão que quer beijar os lábios da mão

há uma mão quer abraçar o corpo da mão

uma mão que quer ser o poema da mão

há uma mão que deseja escrever na mão

há um beijo de mão em mão

um beijo fictício

e quando duas mãos se beijam…

há uma mão que se ergue

da mão 

25 de Abril sempre

 


quarta-feira, 24 de abril de 2024

querer

é mesmo isto que eu quero

digamos que não sei bem o que quero

se quero

é mesmo isto que eu quero

(temos de preparar a roupa para o bebé)

oiço uma sonolenta voz que vem da televisão

quanto a mim

não tenho bebés

 

é mesmo isto que eu quero

digamos que deus está muito indeciso em relação a mim

deus ainda não sabe muito bem o que quer para mim…

seja lá o que for

é mesmo isto que eu quero

 

a minha mãe, ainda eu bebé, espantou-me o sono

desde então

nunca mais dormi

ou quase

durmo muito pouco quase

 

já é noite, acordam os vampiros, a vizinha do lado envenenou-se com drageias para a diarreia

o cento e doze foi rápido, uns homenzinhos vestidos de abelha ergueram a minha vizinha e lançaram-na contra a lua

três dias depois

irá aparecer junto às alfaces, junto ao poço

 

digo eu

que é mesmo isto que eu quero

querer

daqui a pouco

cem por cento eléctrico, o meu corpo comporta-se como uma nave espacial,

em pequenos círculos, viajo pelo espaço frio e escuro dos teus olhos,

não percebendo eu nada de olhos,

para mim, são um espaço frio e escuro, os teus olhos.

 

que já não tenho muita paciência para as parvoíces do professor Marcelo, e cem por cento eléctrico, o meu corpo segue viagem até um sítio onde exista uma rocha firme, para me sentar.

ainda é dia e é uma chatice.

uns são rurais e outros…

citadinos,

não percebi, professor.

juro.

 

daqui a pouco é noite, os cortinados dos sonhos estão prontos para descerem aos limites da razão, um filho beija o pai, e há flores que se dizem serem em papel,

poderá lá ser, flores em papel.

daqui a pouco é noite, eu, e eu daqui a pouco serei dia.

Diário

quarta-feira, 24 de Abril de 2024,

manhã e tarde, uma treta, nada a acrescentar, o expediente normal e nos intervalos envolto nos meus pensamentos. Depois do lanche, fiz um cigarro especial e fui até ao jardim Dr Matos Cordeiro fumá-lo. Diga-se que o jardim está muito desprezado e feio e sujo para o meu gosto.

Chamei de “ranhosa” a uma criança, que já no cemitério em conversa com a minha mãe, percebi que não o devia ter feito, isto é, chamar “ranhosa” a uma criança, porque as crianças nunca são “ranhosas”.

Coisas de não ser pai, se o fosse talvez soubesse.

Poderá o leitor questionar-me qual a razão de ir ao cemitério e falar com aquela pessoa que perdemos e que às vezes é difícil de o aceitar. Não o sei, mas penso que ainda não estou maluco e que me sinto muito bem ao fazê-lo.

Com o meu pai falo muito pouco.

Sempre falei muito pouco.

Adiamante.

Talvez deixe aqui o último poema do dia nesta meia página de nada e que tem como título,

Diário.

 

As abelhas também amam

 

Se a colmeia fosse um livro, se cada letra fosse um pedacinho de mel

Se cada palavra fosse uma abelha de lindos olhos

De lábios lindos

À procura do pólen amar.

 

Se cada silêncio, fosse um beijo

Se a cada olhar, caísse uma estrela

A noite era tão escura

Tão escura na colmeia desejo.

 

Se a cada pôr-do-sol duas abelhas se beijassem, se a cada toque de pele, uma gaivota voasse sobre o mar

Na colmeia desejo havia amor, havia mel

Se a colmeia fosse um livro, um beijo, um abraço

Se o mel fosse a noite

E tu

A Rainha da colmeia desejo

Se uma abelha poisasse no teu cabelo…

Acordava um poema.

 

Para uma quarta-feira, não foi muito mau.

memórias

Um homem também chora…! Bênção das pastas. (2022)


VEM CÁ MEU AZUL DE ROSA

MEU PEDACINHO DE JARDIM

E DEPOIS DO ADEUS…!

mil cores

muitas luas têm os teus lábios

mil cores têm os teus olhos

mil silêncios no teu cabelo

nas muitas estrelas da tua boca

 

muitas vozes têm o teu corpo

na manhã mimada pela flor das tuas mãos

mil beijos eu te dava

nos mil dias sem madrugada

Quase

É quase dia. Neste momento não importa se é dia, se é noite, se sou eu ou se é apenas o poeta à procura da lua

sou quase eu, é quase dia, é quase dispendioso viver acorrentado a uma lâmina de sémen, invisível, primitivamente só

é quase dia, e ainda é noite nos teus seios, e ainda é noite na minha mão

é quase dia dentro de mim, porque dentro de mim…

é sempre dia.

 

É quase dia e deixará de ser noite. É quase sábado, e ainda hoje só é quarta-feira

é quase flor, e é apenas um ponto de luz mergulhado na insónia

é quase tarde, é quase

pôr-do-sol quase

foi quase tela, e hoje é uma janela

foi quase Cinderela, e hoje é o mar que se vê da janela

foi quase mulher

e hoje é mãe

 

e ontem foi criança.

É quase dia, é quase Primavera nos teus olhos, e é Inverno nos meus lábios

foi quase silêncio

foi quase

quase noite comida por um monstro

por um monstro quase.

 

É quase mesa

ontem foi quase cadeira

quase

quase por acidente

é quase dia, quase nos teus olhos!

terça-feira, 23 de abril de 2024

quero ser

quero ser

a mãe de todas as luas, luar

que me ilumina

quando te vejo passar,

quero ser neblina,

orvalho que me encandeia

nas manhãs ao acordar,

e sentir...que preciso de viver...

quero ser a semente

que a tua mão semeia,

o alimento que se multiplica na madrugada,

a canção de revolta,

quando uma criança maltratada

não compreende que é gente...

quero ser, e ter, à minha volta,

o silêncio dos que se querem esconder

e o medo ao acordar,

quero ser...

porque preciso de amar!

quero ser

o vento que em demanda

assobia na tua janela,

o poema que quero escrever

frescura de flor, tal como tu...tão bela,

que quem pode, não manda,

porque...se eu pudesse, queria ser...

tudo de bom à tua volta...

foguetão

avião,

astronauta.

Quero ser um barco à vela

Quero ser um barco à vela

Construído de vento

Junto à tua janela

Para navegar no teu pensamento.

 

Quero ser o livro que adormece na tua mão

A música que não te cansas de ouvir

A calçada onde passas apressada

A vontade de sorrir…

Quero ser a tua madrugada

O amanhecer sem clarão

O castelo onde habitas aprisionada

Com medo da paixão.

 

Quero ser um barco à vela

Perdido no teu coração

Olhando o teu rosto belo

Belo pois então.

 

Quero ser um barco à vela

Sem vento para navegar

Navegar no teu pensamento

Com vontade de amar.

Quero ser o vento

No teu cabelo donzela

Vento

Que bate na tua janela.

 

Quero ser um barco à vela

Cansado de esperar

E medo de se perder.

Quero ser o mar

Onda a valer

Adormecido na tela

Que tu queres ter.

Quero ser um barco à vela…


 

ÀS VEZES

ÀS VEZES SABIA BEM OUVIR

- ESTÁS VIVO?

- PRECISAS DE ALGUMA COISA?

ÀS VEZES SABIA BEM OUVIR

OS SEGREDOS DAS PLANTAS

QUANDO COMEÇA A NOITE

E UMA PÉTALA DE INSÓNIA…

POISA NOS TEUS OLHOS!

 

ÀS VEZES SABIA BEM OUVIR…!

final do dia

o que me espera ao final do dia

talvez um pouco de sombra, um muito de poesia

talvez um pouco de fome

ler numa lista desordenada, o meu nome

o que me espera ao final do dia

depois das árvores se despedirem

depois de os pássaros partirem

depois de o dia

morrer

o que esperar

ao final do dia

 

o que me espera ao final do dia

talvez um pouco de sombra, talvez uma lágrima em despida

um pedacinho de tristeza

uma madrugada perdida

o que me espera

ao final do dia…

poema

um poema

é um olhar que nos cativa

é a manhã de cabelo ao vento

sorridente

contente

 

um poema

é gente

é amor

é paixão

é flor

um poema é a tua mão

 

invisível no meu rosto!

feliz dia mundial do livro...

 


chuva miudinha

não me peçam para eu me erguer

não

não me apetece erguer

mais

mais não

 

não me peçam para sair deste poço

fundo e frio e escuro

não me peçam para eu me erguer

deste estábulo

desta miséria

 

não me peçam para eu me erguer

o cansaço é superior à luz

e o som

é a chuva miudinha

é estrela polar

não

 

não me peçam para eu me erguer!

segunda-feira, 22 de abril de 2024

abismo

porque caminhas sobre a lâmina daquele punhal

tu que escreves e és poeta

tu que podes cair a qualquer momento sobre o abismo…

e ninguém te recordará,

 

porque caminhas?

SER POETA

SE TE ABRAÇASSE

SE TE BEIJASSE

SE ESCREVESSE

 

MAS O POETA APENAS PODE ESCREVER

O POETA APENAS PODE SONHAR…

EM SER POETA

EM SER O TEU MAR




canto dos pássaros

oh dia que não se extingue de uma só vez

que não desaparece nunca

dia que é cansaço de viver

que é madrugada no canto dos pássaros

que é ribeira desengonçada

oh dia que não quer que seja dia

e que se extinga

e que morra este dia

dentro de um qualquer poema

cansaço

uma criança se cansa

de ser criança

um poeta se cansa

no cansaço das palavras

uma mãe se cansa

das madrugadas

um filho se cansa

das palavras do poeta que se cansa

e de outras palavras

 

um deus que inventa

a insónia a paixão e o amor e a dor e o sofrimento de amar

e também ele se cansa

do perfume de uma flor

cansa-se o velhinho da tarde que nunca mais acaba

e cansa-se a noite e cansa-se a poesia

uma criança se cansa

se cansa das mentiras do dia

a algum lugar me levarão…

 

a algum lugar me levarão…


o pescador de sonhos

oiço o suicídio do pescador de sonhos

no mar da tranquilidade

oiço as lágrimas do monte de sucata onde habita no meu corpo

e restos de chapa canelada, limalha de aço e pedaços de silêncio...

 

tomam conta do meu coração

 

(só, só, nunca estive tão só

e o vento não se cansa de soprar

em cada suicídio do pescador de sonhos)

 

a cidade atravessa o vale infinitamente belo

recheado com amêndoas

ovos de chocolate

e pássaros que inventam sonhos nas folhas emagrecidas das árvores do cemitério

as lápides

voam entre os restos de tristeza que sobejam das aboboras com olhos de mel

e as fotografias

oiço

 

(tomam conta do meu coração)

 

Oiço o suicídio do pescador de sonhos

no mar da tranquilidade

 

e percebo que estou completamente só junto ao rochedo dos sonhos

tomam conta do meu coração

as pedras

e as ervas

 

oiço

 

oiço a voz de uma sombra

oiço

vestida de mulher