sábado, 9 de julho de 2022

Porque amam as serpentes

 

Porque amam as serpentes os vadios fantasmas do desejo, porque amam o silêncio os livros cansados do beijo, porque amam as pedras as tristes madrugadas do luar… porque amam os peixes as lindas canções de amar,

 

Porque morrem os esqueletos do mar,

Porque vivem as flores do meu jardim,

Porque amam os beijos o mar

E o mar fugindo de mim,

 

Porque habitam nestas pedras amaldiçoadas

Todos os versos do meu cansaço,

Porque morrem as madrugadas

Sem levarem o meu abraço,

 

Porque amam as serpentes os vadios fantasmas do desejo,

Porque fogem de ti as palavras em tesão,

Porque desenhas o teu beijo

O teu beijo em minha mão,

 

Porque voam as manhãs sem acordar

Depois de acordar o teu sorriso,

Porque fingem gritar

Os gritos sem juízo,

 

Os gritos sem mar.

Porque dizem que sou louco,

Do louco caminhar…

Porque dizem de tudo um pouco,

 

O pouco sem acordar.

Porque choras as lágrimas desejar

Neste complexo verso de escrever,

Porque riem os pássaros do mar

Do mar sem correr,

 

Do mar de dizer.

Porque caminhas na montanha voar,

Se voar é liberdade…

Se voar é viver,

Se voar é a saudade

Da saudade sem morrer,

Da saudade de dançar,

Dançar sem esquecer,

Esquecer que no mar,

No mar se viver sem querer.

 

Aos barcos que não deixo voar,

Aos barcos que são a minha solidão,

Dos barcos que quero pintar,

Pintar com a minha mão.

 

Porque morrem os esqueletos do mar,

Porque choram as lágrimas de chorar.

Porque vivem as marés de habitar…

Habitar nos teus olhos de amar.

 

Porque amam as serpentes os vadios fantasmas do desejo, quando além-mar,

Peço aos barcos que não vejo, peço aos barcos de desenhar, sorrisos em construção, porque amam as serpentes o beijo, o beijo tua mão…

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8/07/2022

Criança mimada

 

Quando o beijo envenenado

Desce na tua boca em delírio alimento,

Quando a espada sobre a cabeça do condenado

Escreve o poema da verdade;

Quando as flores levadas pelo vento

Trazem as palavras da saudade,

 

Quando acorda a manhã, quando morre a madrugada.

Quando a tua sílaba alicerçada aos teus seios madrugar,

É canção revoltada,

Quando trazes a mim o desejo desejado

Que só a tua mão sabe desenhar…

Neste meu corpo cansado.

 

Quando tudo isto acontecer,

Quando o poema em construção

Deixar de viver

E voar nas mãos de uma criança mimada;

Então, terei o teu coração

Que nunca mais irei esquecer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8/07/2022

sexta-feira, 8 de julho de 2022

As sílabas da inocência

 

Éramos só nós. Trazíamos no dorso a triste enxada da saudade, quando logo pela manhã, aos Domingos, íamos visitar os barcos, que após uma longa noite de sono, aos poucos, acordavam como acordam as palavras do poema quando este, depois de zarpar do cais, se abraçava à baía que hoje, muitos anos depois, é apenas uma lágrima de sangue.

No Mussulo, escrevíamos na lápide areia branca as palavras envenenadas que só o silêncio consegue ressuscitar, após o almoço, um barco de espuma erguia-se da montanha do sono, aqui e ali, sabíamos que os meninos de calções, aqueles que sobreviveram à noite, começavam a voar em direcção aos sonhos.

São as lágrimas, quando o teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, como a nobre e labirinta geada que após o luar começava a poisar nas nossas mãos e, do teu rosto, os pássaros sabiam que sobre as árvores, que sobre as marés infiéis dos distantes musseques, os velhos ditadores, um dia, morreriam de tédio; amém.

Éramos só nós, trazíamos na algibeira a revoltada fome que emergia das tristes mangueiras que depois das chuvas, o cheiro da terra se impregnava nas roupas como dentes caninos da solidão; éramos só nós. Éramos só nós quando o barco começou a distanciar-se de uma cidade engolida pelo sono, que após passar a linha do equador e, em pequenos engasgamentos, a orquestra limitava-se a escrever na espuma, as sílabas da inocência.

São as lágrimas, quando o teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, são as lágrimas que guardo no peito, as tuas lágrimas das manhãs de cacimbo.

 

 

Alijó, 7/07/2022

Francisco Luís Fontinha