terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

As palavras

 

Das palavras desertas

Às palavras cansadas,

Das palavras infinitas,

Ou comestíveis,

Das palavras abertas,

Às palavras famintas;

Ou todas as palavras invisíveis.

Das palavras envenenadas,

 

O oiro moiro da saudade.

Nas palavras amadas,

Às palavras sem vaidade,

Nas palavras mimadas,

Um pouco de verdade.

 

Das palavras deste livro em combustão

Às palavras sem nome,

Das palavras do coração,

Alheio à fome.

 

Das palavras em ti,

Em ti sentir o verbo amar,

Nas palavras que vi,

Que vi junto ao mar.

 

Das palavras testamentais,

Dos poemas em jornais,

Das palavras aos pardais,

Nas palavras que andais.

 

As palavras – que tombam ao som de uma espingarda.

Nas palavras amadas,

Às palavras sem guarda,

Estas minhas palavras,

Palavras cansadas.

 

 

Alijó, 1/02/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 30 de janeiro de 2022

Abraço

 

Abraça-me,

Como se eu fosse uma pedra

Fundeada no mar.

Abraça-me,

Como se eu fosse uma ponte

Suspensa no ar.

Abraça-me,

Como se eu fosse uma janela

Para observares o luar.

Abraça-me,

Como se eu fosse um poema

Nos sonhos de sonhar.

Abraça-me,

Como se eu fosse uma flor

Nos teus lábios ao deitar.

 

Abraça-me,

Como se eu fosse uma pedra,

Ou uma pequena alma penada;

Porque deste corpo em guerra,

No final, não sobrará nada.

 

E de abraço em abraço,

De cidade em cidade,

Esqueço o cansaço,

Mas nunca, nunca esqueço a saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30/01/2022

sábado, 29 de janeiro de 2022

Uma velha e triste colmeia de vidro

 

Voávamos dentro de uma colmeia de vidro

Acorrentada ao silêncio;

Chovia torrencialmente e, todas as abelhas

Com medo da morte,

Liam poemas floridos.

Dançavam as palavras

Nas mãos da noite quase a acordar,

Como se fossem almas penadas,

Como se fossem almas de amar.

Voávamos do olhar menino,

Triste e, sem sorte.

Algum dia tinham que ler “os poemas perdidos”

Como quem lê a oração de mais um dia,

Ao deitar.

Tínhamos nos braços, a solidão,

Tínhamos o pão em migalhas,

 

Como um cadáver sem nome,

Que grita,

Que chora,

Que tem fome.

 

Tínhamos uma Nação,

Tínhamos um cão,

Um pássaro em combustão,

E tínhamos na mão,

 

Uma velha colmeia de vidro.

Voávamos e tínhamos…

As pedras de matar,

E tínhamos as árvores de morrer,

Ou de brincar.

Tínhamos vontade de avançar,

 

Correr, correr atá ao mar.

 

(Voávamos dentro de uma colmeia de vidro

Acorrentada ao silêncio;

Chovia torrencialmente e, todas as abelhas

Com medo da morte,

Liam poemas floridos.)

 

Poemas de matar,

Espingardas de escrever,

Poemas de amar,

Palavras de morrer.

 

Tínhamos na algibeira

As telhas de luz Luar,

Quando dançavam dentro de uma bandeira,

Tínhamos fome, tínhamos bombas e muitas palavras para disparar.

 

Morávamos numa velha aldeia,

Poemas cansados,

Poemas em suicídio,

Poemas de nada,

Poemas viciados,

Ou poemas de uma Nação,

 

Que grita.

Que tem fome.

Que não tem pão.

Dentro de uma colmeia de vidro,

Dois braços,

Dois corpos mutilados pela inflação…

 

E escrevíamos

Cartas à Nação.

 

Dentro desta colmeia de vidro,

Temos um corpo envenenado

Pelas canseiras da madrugada,

Tínhamos vinho,

Tínhamos uma enxada;

Tínhamos tudo e, não tínhamos nada.

 

Dentro desta colmeia de vidro,

O Natal é em Julho destino,

A Páscoa? A Páscoa celebra-se em Setembro,

Quando as flores dormem,

 

Quando as flores vivem,

Dentro desta colmeia de vidro…

 

Acreditando que amanhã,

Pela manhã,

Do teu corpo nasçam palavras a sério,

Palavras com lábios de abelha,

 

Palavras maradas,

Palavras desgovernadas sem perceberem,

Sem entenderem,

Que dentro de uma colmeia de vidro,

O silêncio é tudo;

E o poema é de borla; como todas as flores do teu jardim.

 

 

 

Alijó, 29/01/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Poemas de adormecer

 

Deste dia terminado

Das palavras sem memória,

Deste poema cansado

E deitado em mim,

Esquecendo a estória,

A estória sem fim.

 

Deste dia terminado

Nos poemas de adormecer,

Deste dia o mar salgado

Correndo sem correr,

Neste dia terminado

Nos braços do amanhecer.

 

 

Alijó, 28/01/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Silêncios ou quase nada

 

Abandonados braços

Que ninguém consegue apanhar,

São flores, são rosas, são cansaços,

Cansaços do além mar.

 

São Primaveras de um simples olhar,

Quando a manhã se ergue na alvorada

São palavras de encantar,

São palavras de nada.

 

Abandonados braços

Que ninguém consegue desenhar,

São gritos, são tumultos, são estilhaços,

Estilhaços de amar.

 

 

Alijó, 26/01/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Poema sofrido

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nas tuas lágrimas choradas,

Dentro do poema sofrido,

Habitam almas cansadas,

Cansadas por terem morrido.

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nesta triste cidade,

Vive um pobre mendigo,

Mendigo de verdade:

Triste, só e arrependido…

 

 

 

Alijó, 25/01/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 22 de janeiro de 2022

A sebenta


 

O teu corpo;

A sebenta onde adormeço o poema cansado,

Onde deito os beijos desejados,

Entre o espaço abraçado,

Entre os versos envenenados.

 

O teu corpo;

Engraçado,

Equação sem nome

E que brinca no caderno quadriculado,

No cansaço sem fome,

 

Do cansaço aguentado.

O teu corpo desejado

Que caminha sobre o mar,

É o teu corpo argamassado,

Argamassado nos poemas de amar.

 

 

Alijó, 22/01/2022

Francisco Luís Fontinha