domingo, 7 de novembro de 2021

A lentidão das coisas

 

Abraço-te, sentindo que da lentidão das coisas,

Acordam na tua mão as rosas floridas,

Abraço-te, sabendo que na lentidão das coisas,

Vivem todas as palavras sofridas.

Abraço-te, sabendo que nos braços da lentidão das coisas,

Escrevem-se livros de poesia e, desenhos de viver,

Escrevem-se também, as palavras que ela sentia,

Nas palavras de morrer.

E de dizer.

Abraço-te, abraçando-me à lentidão das coisas,

Um perfume envenenado,

Talvez, como das outras vezes,

Um corpo ensanguentado,

Ou uma donzela em translação,

Talvez um corpo queimado,

Talvez, talvez uma enorme ferida no coração;

E, mesmo assim, houve uma vez,

Onde senti a neblina cansada da escuridão.

Abraço-te, quando na lentidão das coisas,

Regressa a noite bem vestida,

Se senta na esplanada da vida,

Grita,

Grita para a alvorada,

E ouve da enxada maldita,

O silêncio das abelhas em gargalhada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 07/11/2021

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Equações, palavrões & trambolhões

 

Milimetricamente falando,

Sou uma simples quadrícula sem memória,

Nas mãos de uma criança.

Sou uma flor

Dançando,

Sou estória,

História morta à nascença.

Semeio palavras na eira madrugada,

Quando das nuvens acordam os pássaros vagabundos,

Milimetricamente falando,

Sou uma página cansada,

Cansada das palavras sem rumo,

Sou uma velha enxada,

Enxada que transforma o mundo.

Tenho na mão

A equação do adeus ingrime da solidão,

Tenho na mão, a mão da minha mão,

À mão do meu coração.

Sou, então, uma velha página a arder,

No corpo da serpente,

Sou uma página de escrever,

Escrever o que ela sente.

Tenho na mão,

Milimetricamente falando,

Todo o cansaço de viver.

Tenho na mão,

Na minha mão,

Palavras para escrever,

Escrever para não sofrer.

Sofrendo, ela percebe que pertenço aos números primos.

Sou estátua que dança na neblina,

Sou equação que brilha na escuridão;

E todos nós sentimos,

A cidade menina,

À cidade minha canção.

Tenho nesta mão,

Um pedacinho sorriso beijar,

Tenho na outra mão,

O desejo simples de amar.

Escreves-te entre uma recta paralela

E finas lâminas de geada,

Escreves-te quando nasce o sol na nossa triste aldeia;

E sabes, rosa amarela?

Do teu jardim vem até mim uma rosa cansada,

Cansada e tão bela…

Tão bela essa Sereia.

E, entre equações

E palavrões,

Deus não mete a colher.

Não se importa,

Nem quer…

Não quer que eu abra esta triste porta.

Sendo assim,

Todas as equações,

Todos os palavrões

E todos os trambolhões,

São cremados

E sepultados,

No meu alegre jardim.

(o jardim das ilusões)

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 5/11/2021

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Corpo sofrido

 

Das fragas selvagens da vida cansada,

Sentadas na sombra infinita do luar,

Às fragas invisíveis desta madrugada,

Agachadas junto ao mar.

 

Dos limites incompreendidos do anoitecer,

Quando um menino sentado à lareira,

Não se cansa de escrever,

Escrever à sua maneira.

 

Ele, só, semeia as palavras da alvorada,

Dentro das nuvens em vidro adormecido.

São canções à desgarrada,

 

São canções de amar,

Amar o corpo sofrido,

Sofrido antes de falar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4/11/2021

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Todas as noites, são noites de viver

 

Todas as noites

O corpo desajeitado

Desce a montanha da solidão,

Todas as noites

O corpo mutilado

Agarra-se à espingarda que poisa na sua mão.

 

Todas as noites

Brinca uma criança traquina

Na palma de sua mão,

Todas as noites

Vejo a alma que ilumina

As palavras de uma canção.

 

Todas as noites

São noites de adormecer

No silêncio de sua mão,

Todas as noites

Que não posso esquecer,

As palavras da minha mão.

 

Todas as noites

Nos versos cansados

Na minha mão,

Todas as noites

Há corpos envenenados

Envenenados pela minha mão.

 

E todas as noites,

Sinto o cansaço do anoitecer

Antes de dormir,

Todas as noites, são estas noites

Noites de viver

Viver antes de partir.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 01/11/2021

Flores do meu jardim

 

Tenho as flores do teu olhar,

Da saudade em construção,

Tenho rosas as rosas do mar,

As rosas do teu coração.

 

Tenho as flores dos teus lábios madrugada,

Quando em mim vive a liberdade,

Tenho as flores do teu olhar, teu olhar minha amada,

Minha amada de verdade.

 

Tenho em mim, a tua boca de beijar,

Tenho no meu jardim,

As flores de te amar,

 

Tenho em mim, o beijo desejado,

Das tuas mãos de cetim,

Às tuas mãos neste corpo cansado.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1/11/2021