sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Dos pássaros em cio às palavras envergonhadas

 

Do oiro imaginário às sete drageias do destino, sobe a montanha em direcção ao céu, senta-se à sua direita e, adormece. O vento arranca-lhe os rochedos aprisionados ao olhar magnético que a divina montanha desenho quando nasceu. A casa, dorme.

Sinto-lhe a mão suspensa numa imagem a preto e branco

Assim morreu depois do sono.

O mar entra-lhe pela janela da paixão, a imagem a preto e branco alicerça-se ao cansaço matinal, acordava sempre maldisposto, noites de insónia ventiladas pelo sexo das flores, cinco imagens dormem sobre o velho cabelo e, sempre que imaginava o mar

O mar dança na sua mão.

Dizem que o mar é um velho preguiçoso, mulherengo durante a noite, insatisfeito ao pôr-do-sol; tínhamos desenhado as estrelas sobra a areia fina do Mussulo, ela, dançava em cima da sombra cansada das palmeiras, e ele, vestido de marinheiro, fazia-se ao mar, todas as sextas-feiras, o barco voava nas montanhas pinceladas de carvão.

Tenho fome, mãe.

Come pão.

Quero uma sandes.

Só tenho pão.

O pai, zangado, oferecia-lhe sandes de pão com pão, dizem aqueles que experimentaram ser sem dúvida o melhor manjar da ilha dos amores.

A ilha tinha uma janela voltada para os lábios da solidão, quando acordava travestido nos calções de porcelana, dos braços saiam-lhe palavras que mais tarde, depois da caminhada improvável sobre a areia, deitava sobre os seios da madrugada; tirava fotografias aos barcos acabados de morrer.

Um dia, depois de sepultar a tarde numa jarra com água-benta, foi de encontro aos retractos deixados numa caixa em papelão, pelo pai, quando este fugiu para Ambriz, numa bela tarde de finados. Ontem tudo parecia uma folha em papel envenenada pelo desejo,

Comeu-as todas,

E, não só de desejo vivia ele, também acariciava as palavras embriagadas pelo mordomo, que de enxada não mão, fazia dirigir as cabras para o areal; todos os dias, o medo de que alguém estivesse abraçado à tristeza.

Os desenhos queriam sair das paredes velhas de um café em ruínas, lia o jornal, vaticinava sobre o fim da guerra e, quando se deitava, sempre à procura do medo de não acordar ao outro dia, dizia-se Ateu, apenas para enganar a solidão,

Hoje, não.

A cabeça pesada, os vómitos das curvas endiabradas e, sempre que questionava se faltava muito,

Dizia-lhe, estamos quase, estamos quase.

As laranjas sabiam a saudade, de todos os livros que tinha, um deles era sobre o mar

Abraça-a todas as noites.

Havia um louco que não sabia andar de bicicleta, transportava-se num velho triciclo que tinha pertencido a uma família de gaivotas, acabadas de partir devido à guerra, hoje

Nada sei de o doce olhar do amanhecer.

Hoje, sinto uma fina angústia de sono junto aos tornozelos, os cigarros são sombras inventadas pelo velho cozinheiro da aldeia e, em todas as ruas, uma estátua de luz dorme.

“O sexo entre duas pedras de gelo e uma doze de uísque”

- Do oiro imaginário às sete drageias do destino, sobe a montanha em direcção ao céu, senta-se à sua direita e, adormece. O vento arranca-lhe os rochedos aprisionados ao olhar magnético que a divina montanha desenho quando nasceu. A casa, dorme.

Sinto-lhe a mão suspensa numa imagem a preto e branco

Não sei, talvez,

E, sempre que pode, senta-se numa pedra junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó 06-08-2021

terça-feira, 3 de agosto de 2021

Corpo silêncio de rosas amanhecer

 

Há um corpo de rosas

Pincelando os meus braços.

Lábios de espuma

Abraçados ao meu sorriso,

Há um corpo recheado de palavras

Que brincam no meu olhar,

A bruma,

Nos seios do mar.

Há um silêncio amanhecer

Que me ilumina,

Desenha e,

Alimenta na alvorada,

Há um corpo de rosas

Pincelando a madrugada.

Há a sombra das sílabas

Voando sobre o meu cabelo,

De vento em vento,

De socalco em socalco,

Semeando o medo,

O medo invisível dos rochedos envenenados pela paixão;

Há o teu corpo veneno,

Descendo a noite cinzenta da cidade,

Há no teu corpo o sorriso…

O sorriso da felicidade.

Há na minha janela o retracto de uma infância feliz,

Quando as palavras te pertenciam,

Há no teu corpo um grito,

Do cio que pincelo até às nuvens que fugiam.

Há um corpo vazio,

Recheado de flores,

Palavras,

Amores;

Há um corpo. O teu. Todas as noites na minha mão.

Há um corpo a preto e branco,

Que só a tela da saudade consegue escrever,

Na noite,

A mão que te faz crescer.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 03/08/2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

A cidade das palavras

 

Onde estão os grãos de areia da minha infância, esqueço-me enquanto me olho no espelho da saudade,

Em criança, desenhava nas tardes límpidas e sonolentas, os barcos da minha infância, procurava pelas sombras da minha infância, sem perceber, que um dia, junto ao tejo, morreria engasgado com uma tigela de caldo.

Couves, coma muitas couves. Dizem que durante a noite conversam com o intestino e, fazem-se passear pelas avenidas desertas da cidade.

Nunca acreditei nas tuas palavras; disseste-me, algures numa cidade que já nem recordo o seu nome que

Um dia vamos regressar,

Um dia peguei num punhado de grãos de areia, lancei-os ao mar, estava feliz. Muito feliz.

Tinha galinhas e pombas. Enquanto desenhava no sorriso das galinhas os socalcos que um dia me ia apaixonar, escrevia nos lábios das pombas, gatafunhos, coisas que só eu percebia. Diziam-me que todos os barcos tinham no coração uma cancela e, apenas os meninos que comiam a sopa lá entravam; mentira. Nunca consegui lá entrar.

O meu pai, quando havia treinos de hóquei, levava-me aos Coqueiros, nunca entendi a razão de ter alguma simpatia por este desporto, pois paixão por desporto tenho nenhuma.

Havia pássaros em papel no meu quintal, todas as noites, silêncio de assobios telintavam no zinco do galinheiro, depois das chuvas torrenciais, um pedacinho de capim saltitava junto ao meu triciclo, nada de novo, como ontem, nas mãos de um soldado. Vi muito. Eram todos meninos como eu; tinham pai, mãe, irmãos, irmãs, filhos, filhas, mulher e, muitas cartas sem remetente. A guerra foi uma merda, pai. Uma merda.

Comecei a coleccionar palavras e desenhos nas paredes de nossa casa. Comecei a acreditar que cá, também habitavam mangueiras e, que uma Bedford amarela se passeava pelas ruas, mas o tempo foi passando, a Bedford, aos poucos, foi sucumbindo às tempestades de areia e, morreu numa noite de geada.

Hoje percebo porque passava horas intermináveis, no portão do quintal, à espera de uma Bedford amarela, era a saudade que se embrulhava no meu cabelo, o avô Domingos dizia-me logo logo ela estava ao virar da esquina, mas com o tempo, com as lágrima da alegre infância, deixou de aparecer na rua.

Dizem-me hoje que morreu de cansaço.

O Domingo de Janeiro estava escaldante, e já nessa altura, acreditava que existiam papagaios em papel, que mais tarde, muito mais tarde, a minha mãe construía para mim. Trapos. Farrapos que eu aproveitava para vestir um velho amigo e algo estúpido, um boneco que baptizei num dia de neblinas matinais e, junto ao porto de mar, um paquete olhava-me, parecia que me queria comer, mas, não

Nunca entrei no coração de um barco.

Hoje, aqui sentado, olhando esta belíssima Baia, recordo os calções vestidos de menino e, um menino vomitando línguas de gato, enquanto aos poucos, o avô Domingos deixava a cidade levando pelas mãos o velho machimbombo: gosto de ti.

Assim.

Como esta Lua que nos separa.

Pudera.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 27/07/2021