domingo, 9 de fevereiro de 2020

60 x 80 acrílico s/tela – Francisco Luís Fontinha

As pedras do silêncio

A rua deserta, imune ao silêncio das pedras,
O cansaço das árvores, quando desce sobre a terra a soldão nocturna das acácias em flor,
Um automóvel vomita lágrimas de fumo,
Uma criança brinca na sombra dentada da tarde,
E, mesmo assim, as flores dormem nos abstractos muros da insónia.
É tarde,
O relógio emagreceu com o tempo,
A tempestade de areia, silenciada pelas pedras em silêncio,
Que a madrugada faz florescer,
Acordam as trombetas,
As árvores, tombam à sua passagem,
Como soldados rebeldes,
Como espingardas revoltadas,
Com os homens,
Como os homens.
A noite alicerça-se aos candeeiros do medo,
Como as pedras do silêncio na manifestação junto ao rio,
A revolta contra a noite,
As nuvens emagrecidas, tontas, derramas as suas lágrimas nos arrozais,
Sem em delírio, sempre em manifestação, os homens, as mulheres,
Contra o silêncio das crianças,
Que brincam,
Que brincam na eira do milho amarelado pelo cacimbo,
O cão lateia, chama pelo dono,
Ao fundo,
A aldeia em chamas, lágrimas de prata,
Quando toda a cidade envenenada pela amargura,
Sente, sofre, a desgraça da ditadura…
Como é lindo ser pedra em silêncio,
Lápide ao cair da noite,
Palavras mortas,
Palavras tontas,
Que o menino escreveu, nas paredes da fragrância, deixando ao acaso, um caderno assassinado pelas quadrículas lamentações.
O tempo se esquece,
O almoço na mesa,
A fome de palavras, dos livros enamorados pela madrugada.
Sinto. Sinto-te neste labirinto de insónias.
Ao deitar, todas as drageias.
Que as areias alimentam.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
09/02/2020

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020


Em construção. 60x80 acrílico s/tela. Francisco Luís Fontinha – Alijó

Depois, a maré ensanguentada, morre de alegria.


O regresso nunca mais.
A terra húmida, depois das lágrimas da tarde,
Ficou lá, no outro destino do menino dos calções.
Todas as sombras, choram, ditam palavras aos esqueletos de silêncio,
Que as mãos, trémulas, seguram, enquanto cai a noite,
O corpo, levita, desassossega na madrugada,
Sente-se o vento, negro, prateado, nos lábios do Diabo,
O regresso…
Nunca, nunca mais,
Porque a solidão namora as flores em papel, do jardim imaginário.
E o menino, com o tempo, cresceu.
Um relógio de luz, quando acorda o menino,
Alicerça-se nos braços lânguidos que o espaço alimente,
Dos calções, nada, nem a cor se aproveita,
Talvez, as árvores, as árvores plantadas por ele,
Hoje, nada, como os calções,
Pedaços em madeira, trapos, lágrimas desajeitadas…
Tudo, tudo morre, naquela terra prometida.
O mar, enfurecido, sacia-se nas rochas metamórficas do cansaço,
Um barco, espera pelo menino dos calções,
Estaciona-se junto à cidade,
Homens, marinheiros, mulheres, sem fazerem nada,
Espera que regresse o menino,
De longe,
De nada,
Ninguém.
O regresso nunca mais,
A terra húmida, depois um finíssimo fio de nylon,
Procura na multidão da cidade, o menino prometido,
Da terra sonâmbula,
Que o viu perder-se,
No meio do capim.
Machimbombos tropeçam nas finas lâminas da saudade,
Porque apesar de tudo, sempre, o menino, viveu na saudade,
De regressar, um dia,
À sua cidade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
03/02/2020