quarta-feira, 7 de junho de 2017

(a mim?)


Rareiam por aqui as esquinas de luz do teu corpo,

Forço um beijo de sombra que habita no meu quarto,

Desenho nele a solidão de um final de tarde…

 

E sei que não voltarei mais.

 

(a mim?)

 

A ti, a mim e a esta terra que me acorrenta e mata,

A esta terra que me aprisiona desde criança

Como se eu fosse um Tiranossauro REX descendo a montanha do “Adeus”,

E lá longe a longínqua caneta enterrada no granito abraço,

(queres cerejas?)

Não. Não gosto de cerejas…

Olha! Olha, as laranjas do nosso quintal já são comestíveis,

Tão doces, tão doces como as tuas queridas mãos enfeitadas por flores, arbustos e lábios lacrimejantes, opiáceos livros de poesia poisados na nossa janela,

Quando a rua está deserta.

Não te entendo!

Não precisas de me entender…

 

Amanhã vais dizer que sou um vagabundo cambaleando pelos plátanos com leves folhas doiradas de tristeza,

A sátira perdida que apelidava o meu transeunte corpo de chocolate…

Com o calor…

Derrete. Morre.

 

E sei que não voltarei mais.

 

(a mim?)

 

Á vida. Não voltarei mais à escrita de estórias desalojadas numa quinta-feira à tarde, quando os miúdos regressam da escola e tu estás sentada na varanda a fazer pássaros de papel,

 

Tudo.

 

Ou nada.

 

O que importa é estar vivo…

 

Desde que nasce o Sol até ser noite.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7 de Junho de 2017

domingo, 4 de junho de 2017

Palavras sombreadas


Suspendo nos teus olhos todas as palavras que não quero escrever,

Porque tenho o tempo limitado nas mãos do luar,

Suspendo nos teus olhos todos os sonhos que não quero viver…

Abraçado ao mar,

Recordo os barcos em papel que construías só para mim,

As ruas desertas e o som do capim…

Agora sou um desiludido com a vida suspensa no teu olhar,

Um homem que olha para a forca e para a faca invisível do sofrimento,

Construído em alumínio calcinado pela tempestade,

Adoro o vento,

E a cidade saboreando o vento…

Quero dormir e deixei de ter sono,

Porque nesta montanha onde habito,

Eu grito,

E escrevo nas sombras do destino,

Ai quando eu era menino…!

Ai quando eu era um vagabundo ouvindo o sino…!

E tinha sempre comigo a saudade.

 

Saberei esquecer nos teus olhos todas as palavras que não quero escrever?

 

Vejamos.

 

Ontem sonhei que fui atropelado pelo teu amor,

Um ramo de flores que trazias na tua lapela…

Como trago na minha um ramo de dor…

Ou uma canção tão bela,

Hoje termina o dia como terminam todos os dias…

Tristes e com chuva invisível,

 

Vejamos.

 

As laranjas são doces,

Perfumadas,

 

Encosta abaixo recordo as palavras assassinadas

Nas encostas das janelas entreabertas para o luar…

 

Vejamos.

 

As laranjas são doces,

Encantadas,

 

Quando o rio esconde madrugadas…

E nos teus olhos…

Suspendo todas as palavras.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Junho de 2017

sábado, 3 de junho de 2017

Tempestade


Não me interessa quem me apedreja,

Sou um desgostoso filho da noite branca,

Sou filho do feitiço amordaçado das tempestades sem nome,

Caminho nos teus braços como uma serpente sem veneno…

Despois do entardecer,

Vivo vivendo a vida quotidiana das amoreiras em flor,

E das tormentas encarnadas do amor…

Amanhã vou zarpar para a montanha desconhecida,

Levarei comigo um ramo de flores adormecidas pela tempestade,

E não haverá lágrimas no meu rosto,

Nem palavras nos meus livros desgraçados…

Um sonâmbulo pede-me lume,

Faço uma fogueira com a minha tristeza,

Sem perceber que durante o amanhecer

Uma árvore me visita,

E me abraça fortemente,

E a noite me incendeia…

 

O dia termina na minha mão,

Os teus dedos entrelaçados nos meus…

Sempre que o sol acorda livremente

Nos rochedos da solidão,

 

É tarde,

O tempo dorme docemente no meu ventre

Enquanto junto ao rio o voo das gaivotas me atormentam…

E tenho medo do teu sorriso pela madrugada,

Alimento-me de nada,

Alimento-me de uma vazia esplanada

Ancorada na sombra da Primavera,

 

(Não me interessa quem me apedreja),

 

E das pedras invisíveis…

Ergue-se a paisagem nocturna da janela sem cortinados,

Sente-se o teu desgostoso perfume

Contra o meu peito desajeitado,

Sem nome,

Sem morada…

Como sou,

Sem nada,

Despedido dos teus sonhos…

Me suicido na escuridão.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 3 de Junho de 2017

domingo, 28 de maio de 2017

As cordas da saudade


As cordas da saudade são invisíveis nos meus braços,

Oiço o apito dos barcos apedrejados pela maré quando o meu corpo envelhece no teu peito,

Sou fraco, sou fraco como uma simples folha amarrotada de papel encharcado de lágrimas,

E lá longe, os livros entranham-se no meu olhar,

Dançam nas minhas mãos as cansadas palavras da vaidade,

Oiço, oiço a pobreza das ruas em flor,

Me mato, parto em direcção ao rio subterrâneo da solidão.

Desço ao poço do sofrimento como uma gaivota envenenada…

Bebe, bebe sem a noção do tempo embriagado pelo sangue,

E escreve uma carta de despedida,

Sinto o desejo enjoado pela ondulação das nuvens prateadas,

E esqueço-me da tua ausência…

Adormeço em ti,

Adormeço como um sonâmbulo ruivo construído de barro nauseabundo do silêncio,

Ergo-me diante do espelho,

Vejo um cadáver sem nome,

Perdi-me,

Envelheci nos olhos das flores abraçadas pela noite,

Envelheci nos olhos das pedras dos alicerces da penumbra,

Os barcos nas minhas veias encostados ao coração…

Eu criança,

E brinco com as algemas de alvenaria da brincadeira,

Como um puto deambulando pelas ruas, livre como um pássaro,

Lindo como o pôr-do-sol,

Quando os amigos se despedem da minha sombra,

Sinto no meu caixão o mar da saudade invisível nos meus braços…

E caminho sobre a areia adormecida da limpidez dos beijos que um caderno quadriculado guarda na algibeira do remoto silêncio das ruinas…

E o medo envelhece a tristeza da partida,

Sempre se perde nos sonhos escoriados das palavras deitadas na fogueira,

Há na tua morte um sentimento de esquecimento,

Uma palavra estonteante que se alicerça às tuas coxas…

E no caixão dorme o meu olhar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28 de Maio de 2017

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Os dias falhados


Os dias passados

Esqueleticamente abraçados aos dias sofridos

Quando bem lá no alto das montanhas cansadas

Os dias argamassados aos dias coloridos…

 

Safados.

 

Os dias perdidos na esplanada do adeus

Quando sobre uma pobre mesa de sombra, um livro, voa nos dias premeditados

Por uma lâmina finíssima de luz…

Os dias entre dias,

Os dias encalhados nos petroleiros da fortuna…

Os dias revoltados

Com a forma circunflexa do sangue perfumado,

O dia apaixonado,

Ou coisa nenhuma…

Os dias as mãos e as mãos dos dias,

A forca dos dias desesperados

Numa árvore dispersa na alvorada,

Há dias assim,

Como hoje,

Dias de alecrim,

Dias de clarinete…

E assim,

Os dias dos relógios moribundos,

Meu Deus! Meu Deus, tantos mundos…

Com dias,

Sem dias,

Cem dias dispersados pelas tristes avenidas dos dias desalmados,

E eu, minha querida, por aqui… brincando com os teus dias…

Os dias sem melodia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Maio de 2017