sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Vida de marinheiro



Triste a vida de marinheiro,
Prisioneiro
Neste porto sem nome,

Estes socalcos me enganam
E abraçam o rio da saudade,
Estes socalcos lapidados na sombra da noite
Quando regressa a verdade,
E tenho no corpo o medo da revolta,
E tenho nas mãos o silêncio que não volta,
Estes socalcos da triste vida de marinheiro,
Prisioneiro
Neste porto sem nome…
E distante da madrugada,

Nem idade,
Nem dinheiro,

Triste,
Triste a vida de marinheiro
Assombrado pelo amanhecer do desejo
Que se perde num beijo…

Nem cidade,
Nem dinheiro,

E no tempo se esquece o coração de prata
Das marés loiras que o mar desajeita
E rejeita
Contra a corrente,

Triste a vida de marinheiro…
Triste,
Triste na cidade ausente.



Francisco Luís Fontinha
17/02/17

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A última ceia


Nesta cidade me suicido

Com a lâmina de barbear

Que sobejou da última ceia…

As árvores acompanham-me até ao túmulo

Onde dormirei até ao amanhecer,

Depois, depois serei levado por uma jangada de solidão,

Levo na algibeira as amarras,

A pequena bagagem, o indispensável,

Alguns livros,

Papel, caneta… e pincéis,

Nesta cidade me suicido

Como um cão raivoso,

Revoltado com as notícias do jornal,

Vende-se,

Compra-se oiro,

Aluga-se apartamento junto ao mar…

E do meu corpo nem conseguem falar,

Apenas que o silêncio deixou de habitar as minhas tristes mãos de porcelana,

O cansaço,

O cansaço de escrever sem perceber onde nasci,

O que faço aqui? O que faço nesta cidade pintada a preto-e-branco,

Os muros dormem enquanto desenho um sorriso na terra queimada pelo vento,

Sinto o azoto do amor descer a calçada e alicerçar-se no rio,

Sinto a alvorada a comer-me…

Nesta cidade onde me suicido,

Com a lâmina de barbear…

Da última ceia… o perigo de acordar antes do sono,

O ultimato lançado pelo desejo para que eu seja depositado num aterro sanitário…

Não, não me agrada a ideia de ser comido por coisas simples

Que alguém deitou fora…

E morre o poema sem que o poeta se levante do chão ensanguentado pelos beijos da madrugada,

O papel arde,

A caneta sonolenta, tomba no pavimento encharcado de sémen…

Apagam-se todas as luzes,

Apagam-se todos os silêncios…

E apenas eu, só, nesta cidade enraivecida pelo cacimbo.

 

 

Francisco Luís Fontinha

16/02/17

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Sentir



Sinto no corpo
O peso das esplanadas em solidão,
Sinto no corpo
Os rochedos do medo,
Junto à noitinha…
Quando regressa o sonho,
Sinto no corpo
A tua voz a gritar NÃO,
Desde a madrugada
Até ao anoitecer,
Sinto no corpo
As clarabóias do sofrimento,
Os alicerces das cidades em destruição…
E uma gaivota revoltada
Poisa sobre a minha sombra, e dorme na minha mão,
Sinto no corpo
A saudade, o silêncio… e a vaidade,
Sinto no corpo
Os livros que nunca vou escrever,
Por indiferença, por preguiça… por tudo e por nada,
Este peso,
Este corpo,
Que foge em demandada…


Francisco Luís Fontinha
13/02/17

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Não sou daqui



Não sou daqui
Venho de longe
E não consigo partir,
Não sou daqui
E sou de todos os sítios possíveis e imaginários
Pelo homem
Que abruptamente trabalha a terra
E não consegue fugir,
O amor
Também não é daqui,
Vem de longe
Vem de longe a sorrir…
Vem de longe para morrer,
Aqui,
Nas minhas mãos…
Não,
Não sou daqui,
Sou a montanha vestida de negro
Que alimenta o fogo
E o desemprego,
Não,
Não sou daqui,
Venho de longe,
Venho de longe e não consigo partir…
Não,
Não sou daqui.


Francisco Luís Fontinha
10/02/17

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Solitárias palavras


Solitárias palavras
Que flutuam no teu vizinho sorriso
Das manhãs adversas
Que alimentam o tempo
E na cratera de um olhar
Acorda o sonâmbulo desejo
Solitárias pálpebras de nada
Rompendo a triste madrugada
Sem que o solstício do sono
Escreva nas paredes da dor…
Escrevo-te não sabendo se me vais ler
Solitárias palavras
Que se afogam no mar
E sem o saber
A geada do amanhecer
Entranha-se na penumbra sombra do xadrez
Que vive no meu jardim de vidro…
Solitárias palavras
Nas ínfimas letras desajeitadas
Que aportam nas tuas mãos
Como uma queimada seara.


Francisco Luís Fontinha
07/02/17