domingo, 26 de julho de 2015

As máscaras da noite


Cessem todas as luzes da madrugada,

Rasgam-se as palavras na fogueira da tristeza,

Tens na cama as amarras infinitas da dor,

Oiço-te,

Imagino-te brincando na eira junto ao mar,

As flores,

Emagrecem no silêncio do vento,

Fingem a Primavera os cortinados da noite,

E deixas de ter noite,

O relógio que transportavas no pulso

Habita hoje nesta cidade de lápides,

E o teu rosto é um plátano sem vida…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26-07-2015

Poço da paixão


Quatro quadrados aprisionam esta janela,

Um pedacinho de medo algures no esconderijo da saudade,

Trocava os quadrados por círculos de prata,

Vestia-me de mendigo,

De lata na mão,

Pedia solidão,

Trocava todos os meus livros por silêncio,

E enterrava as minhas palavras no poço da paixão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Porto, 26-07-2015

Carta a uma amante

Vivíamos na sombra branca do hemisfério da loucura, sentia-te dentro do meu corpo, brincavas, imaginavas coisas, escrevias no meu pensamento,
- Deixa-me,
Não me conhece, sou um estranho com um coração em granito, sou um poço abstracto no fogo das borboletas, e esqueceu o meu nome
O amor,
- Deixa-me,
O meu nome penhorado a uma certa madrugada, fugiram as estrelas, as ruas, os nomes das ruas…
Ai o amor,
- Deixa-me…
O amor embaciado nas vitrinas esquecidas, os lábios do amanhecer pincelados de desenhos, luzes, o circo, o palhaço, o secreto poço-da-morte,
Perdoa-me, deixa-me navegar nos teus braços, deixa-me abraçar-te, beijar-te, e escrever no teu olhar
Amo-te,
- Deixa-me,
Amanhã o deserto crucificado pela neblina, o sono infinito nas águas salgadas, desfalecendo na tempestade, ai o amor, o triste amor, os cansados automóveis no enigmático corredor da roleta,
Cinco,
“Caralho… tinha o seis”…
Tudo,
Ai o amor,
Perdi,
Naquela noite sabíamos que a despedida era um rochedo embriagado, um barco ancorado, um magala engolido por um mochila recheada de pedras,
Sentido!
Sentido nenhum, palavra alguma, a janela parece uma gaivota envenenada pelo sol da madrugada, minto, finjo, e sinto-me
O algodão sangrento dos plátanos em dor, as pedras da calçada,
Calcinadas,
E sinto-me,
- Deixa-me,
Um abutre saltitando nos Oceanos fotográficos da solidão, calcinadas, as pedras da calçada, e sinto-me, um Cacilheiro enfeitiçado, uma lâmpada melancólica, uma âncora segurando os dias, as noites, as tardes,
Calcinadas,
Frágeis,
As tardes encharcadas, húmidos corpos de naftalina, olhar franzino, esqueleto em xisto, boca com acesso à cave,
Vende-se,
- Deixa-me… nesta lata,
Um abutre, frágeis e calcinadas, as manhãs, as estradas, e todas as palavras…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
26/07/2015