domingo, 28 de junho de 2015

O amor…


O amor é um gajo abstracto,

Obscuro,

Transacto,

O amor é um gajo sem alma,

Cansado de mim,

Vestido de noite,

Vestido de ninguém,

Só… só neste jardim,

 

Tínhamos nos lábios o salgado mar da paixão,

Dizias-me que era preciso acreditar,

Ter fé,

Esperança,

 

Não acredito,

Não tenho esperança…

E odeio a fé,

 

Sou um esqueleto de chumbo,

Uma palavra acorrentada ao poço da solidão,

Tínhamos nos lábios

A cidade dentro da bagagem,

No espelho sentia-te entre películas de água

E algas em suicídio,

 

Esqueci-me de ti…

 

Como me esqueço de todas as coisas belas,

 

Claro que tu não eras uma “coisa”,

Eras poesia caminhando em frente ao Tejo,

Tínhamos todas as estrelas do céu,

Davas-me a mão,

Ficava cego,

Sem nome,

Sem endereço…

E acreditava,

Tu mandavas,

E eu,

Eu acreditava,

E me afogava no teu corpo…

 

Hoje sou um cadáver envergonhado na noite,

Uma âncora de desejo mergulhado nas pálpebras do infinito,

Sou uma recta,

Um círculo,

Um triângulo…

Sou um hipercubo suado na madrugada,

Sou lonca geometria,

Na amada,

Na amada mestria,

Abro a boca e silencio-te com a minha língua,

Roubo-te a alma,

E fujo para os teus braços…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 28 de Junho de 2015

sábado, 27 de junho de 2015

Livros do Inferno


Não esperes por mim,

Hoje,

Não,

 

Não desenhava a felicidade no teu corpo,

Não,

Não sei como é a felicidade,

Não,

Não sei desenhar,

E no teu corpo…

Sem coragem de amar,

Não,

 

Não esperes por mim,

 

Não grites no meu olhar de água embriagada, imaginado por duas montanhas de esquecimento,

Dois seios separados por dois muros de desejo,

Cai a noite no espelho da tua voz,

Imagino-me na tua boca gritando…

AMO-TE,

Não esperes por mim,

 

Hoje,

Na noite,

As cancelas da alegria argamassadas na literatura da loucura,

Habito numa cidade de inveja,

Habito nos teus braços

Como habitam nos teus braços,

 

As sabáticas manhãs de Inverno,

 

E os apaixonados livros do Inferno…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 27 de Junho de 2015

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A saudade


Deixei de pertencer aos retractos nocturnos do abismo,

Sou uma sombra aprisionada neste longínquo porto sem amarras,

À deriva,

Procuro o vento laminado das tardes de Luanda,

Não ando,

Não amo,

Não… não sei o nome da imagem que acordou neste espelho envelhecido,

Não entendo os Oceanos de insónia que brincam nos meus ombros,

Deixei de ter ossos,

Deixei de pertencer…

E do abismo

Uma flor encardida voando sobre as palmeiras,

 

Uma mão de solidão

Encalhada no meu olhar,

E onde estão as tuas palavras?

Amargas,

Cansadas das viagens ao Planeta da escuridão,

Asas em chamas,

Crocodilos em vão…

Sem janelas no sótão,

Sento-me nas escadas,

Pego levemente num cigarro inventado pelos teus lábios,

E canto,

E choro…

 

A saudade.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 26 de Junho de 2015

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Noite de bebedeira em Cais do Sodré


Dançavas-me entre sombras de prata

E nuvens de silêncio,

Snifávamos o sorriso do rio,

Fumávamos os barcos aportados num qualquer coração sem alma,

E éramos felizes,

Como são felizes todas as marés curvilíneas da saudade,

Como éramos felizes embrulhados no fumo do “Texas”… meia-noite em ti,

Uma da manhã em mim,

Bebíamos todas as palavras poisadas em cada mesa,

Amávamos todos os abutres da noite

Que deambulavam sobre nós,

Dançavas-me…

E nuvens de silêncio,

E beijos,

Líamos e inventávamos círculos de papel,

Escrevíamos em todos os corpos dos corpos sem corpos.,

E não sabia que existiam beijos de esperança

E cabelos de infância,

À nossa volta,

Gajas,

Gajos como nós,

Voando em direcção ao mar,

Desenhávamos o abraço numa qualquer lápide,

Uma fotografia tua…

Olhos verdes,

Olhos castanhos,

Olhos… olhos enfeitados de naftalina,

Dançavas-me,

E eu não sabia que o amor se escrevia na margem esquerda do teu peito,

Ouvia-o…

O teu coração de pedra,

Ouvia-as…

As tuas coxas suspensas na mão de um qualquer gajo,

Como nós,

Gajos como nós,

E gajas,

E gajas como tu…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó


Quarta-feira, 24 de Junho de 2015


Fotografia – Lisboa - 1988


Só desisto depois do fim,

Não acredito que amanhã nascerá o Sol,

Nem sei se o Sol que me absorve,

Existe,

Ou é apena uma imagem entranhada no meu corpo,

Ignoro a bagagem,

E as árvores do teu jardim,

Sentávamo-nos junto a um rio recheado de paixão,

Entrelaçávamos as mãos como se fossem finíssimos fios de arame

Esquecidos na geada,

Há nossa volta…

Nada,

Apenas éramos mergulhados na forçada noite

Sem tempo para brincarmos no olhar emagrecido da solidão,

Vestia-me de barco,

Vestias-te de marinheiro,

E dançávamos até que um relógio de pulso cessava as palpitações da madrugada,

Nunca tínhamos fome,

Sede,

Nem uma Lisboa com rochedos em papel,

Ouvia-te,

Sentia-te,

Nada,

Há nossa volta…

Alguns minutos em desassossego,

Perdia a voz,

Perdias os lábios na minha boca…

(E amanhã,

Não sei se nascerá o Sol),

E nada,

Nada no livro que poisava na tua mão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 24 de Junho de 2015