quarta-feira, 15 de abril de 2015

Postal sem destinatário


As palavras

Incendiadas pela espiral sinfonia da solidão

O aço bravio

Nos azulejos da madrugada

O aviso

Suspenso no frigorífico…

Amanhã

Não estou…

O silêncio dos pergaminhos

Que embrulham o teu corpo

Sem número de polícia

Esquecido numa rua

 

Deserta


Apenas

As palavras

O destino pecado do sofrimento

Caminhas sobre as marés de vidro

Que o vento semeou

E deserta

A porta de entrada dos vulcões de areia

A praia desce a calçada

Pára

Finge olhar a montra do alfaiate…

 

Falidos

Comércios

E Oceanos

E os sem-abrigo

De mata-ratos entre os dedos de arame

Um barco enfurecido

Cospe lágrimas de fogo

Que a manhã inventou

Depois do pequeno-almoço

A cidade fervilha nas tuas mãos

A prata embriagada do teu sorriso

Nos castanhos castelos de neblina

 

Como as imagens sombreadas

Do poema acabado de morrer…

Oiço as canções do luar

Que alimentam as cinco estátuas de luz

No jardim da esperança

O medo

Vestido de orvalho

O menino drogado

Olhando o espelho do passado

O amor das aldeias em flor

Quando regressa a Primavera

E tu… um esqueleto de duzentos e seis ossos… e pó…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 15 de Abril de 2015

terça-feira, 14 de abril de 2015

L I V R OOOOOOOOOOOOOOO…


Não regresso mais aos teus braços

Meu amor

Não sei se deva tratar-te por meu amor…

… ou… por meu amor

A sinfonia adormecida das amendoeiras em flor

Descendo socalcos até ao rio

Um corpo camuflado pelo silêncio

Dá à tona

Pede abrigo

Dá a mão

E morre

O meu amor

 

Meu amor

As sílabas do amor complexam no dia em que tu partiste

Perdi-me na fachada húmida de um prédio em ruínas

Aos poucos

Meu amor

A tinta descolorida das palavras

Vestiu-me

Transformei-me em livro

Vê tu

Meu amor…

L I V R OOOOOOOOOOOOOOO…

Com teias de aranha

 

Bolor

E sandes de velhice

Quase parecia um transatlântico enferrujado pelo desejo

A mulher

Em casa

De pernas…

Abertas

Meu amor

Abertas

Depois vieram os filhos

A doença

A família encaixotada num cubículo de sombra

 

O fim

Dos sonhos

E das festas quadriculadas da paixão

A viagem

Sem

Sem regresso

Meu amor

Morreram todas as personagens do nosso amor

Hoje

Hoje já não existe banco de jardim

A árvore

O livro que tinhas na mão

 

E eu

Olá

Estás bem?

Meu amor

Os desenhos estranhos que desenhei na tua pele

As equações que resolvi nos teus seios

E nas tuas coxas

Dormia

Sonhava

Que existes

Ou… meu amor…

L I V R OOOOOOOOOOOOOOO…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 14 de Abril de 2015

O vento me abraça, o vento me enlaça, o vento…


O vento não passa por mim

Não me abraça

Não brinca comigo no jardim

O vento ignora o baloiço da minha infância

Deixa-me sem paciência

Para as coisas

As mais simples

E as mais belas

O meu cão fugiu de casa

Ou fartou-se da casa

Ou cansou-se das minhas palavras

E nem o vento o traz

 

E nem o vento me leva

Como o faz

Às folhas caducas de uma árvore

Ou aos cabelos desalinhados da doença

Não toca nas páginas escritas sobre a minha secretária

Nem nos livros não lidos

Por falta de tempo

Por falta de vontade para o fazer

O vento não passa por mim

Não me abraça

Nem dá força à tua barcaça

Que andas à deriva

 

Num Oceano sem nome

Algures entre Luanda

E

E Lisboa

O vento

Esquece

O vento esquece a criança que vive dentro de mim

Que brincava num quintal

Recheado de sombras e cheiros

Que trouxe

Mas com o tempo se perderam nos socalcos do Douro

E outro vento

 

Os levou

Para outro Oceano

Tão distante

Meu amor

Tão distante que nem à velocidade da luz

Eu

A criança

Conseguia alcançá-los

Os calções

Os papagaios de papel


Longe

 

Procurando outro vento

Numa outra cidade

Sem ruas

Sem pessoas para amar

Apenas cinzas

De um velho cigarro

Suspenso

Entre dedos

E rochedos

(O vento não passa por mim

Não me abraça

Não brinca comigo no jardim

 

O vento ignora o baloiço da minha infância

Deixa-me sem paciência

Para as coisas

As mais simples

E as mais belas)

Como o sorriso do teu amanhecer

Junto ao Tejo

Os cacilheiros embriagados de transeuntes

Apressados

Tão apressados

Que

Que deixaram de sentir o vento

 

Como eu

Eu

A criança do baloiço

Inventando círculos de prata

Nas manhãs engolidas pelo cacimbo

O vento

O vento é uma desgraça

Não passa

Nem me abraça…

A cabeça estoira

E a chuva pendura-se

No vento que de mim desistiu.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 14 de Abril de 2015