segunda-feira, 9 de março de 2015

Vultos nocturnos


Sinto as tuas lágrimas no espelho da manhã
como campânulas de luz embriagadas pelo silêncio
roubaram-me a esplanada e as cadeiras onde me sentava
e...
percebia quando passavas apressadamente
que o dia não tinha acordado
pálpebras cerradas
corredores escuros onde te escondias
quando regressava a noite
e...
percebia...
as vozes da saudade dentro de um cubo de vidro

os vultos nocturnos embrulhados na morte
como flores em decomposição
perdem o perfume
e a pele começa a envelhecer
transformam-se em cinza
cigarros a arder
cigarros procurando avenidas de voo
enquanto o fumo se distrai a observar o rio
transatlânticos
marinheiros de homens
engatados pelas árvores de um qualquer jardim
de uma cidade em construção...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 9 de Março de 2015

domingo, 8 de março de 2015

(para a minha mãe)


Anoitecia sobre os teus ombros, sombras de sal voavam no teu olhar, como serpentes de papel a brincar numa árvore, eu brinco, tu brincas...
Amanhã?
A luz, os anzóis da tristeza suspensos nos desejos de cristal, não durmo, os sonhos, morrem os sonhos, morrerem as amendoeiras em flor,
E eu,
E eu?
Amanhã, cor-de-rosa, húmidas canções de Primavera nas ilhargas do silêncio, habito, tu habitas e ele
Habita?
Onde, onde?
Ele perdido numa tragédia serrana, a montanha crescia, e ele
Habita,
Anoitecia, e ele caminhava ribanceira abaixo, entra nos picos da alegria... e todo o corpo desenhado, círculos de sangue vagueando nos seus braços, tive medo, mãe, amanhã, mãe, amanhã saberás porque existem os cavalos de areia, aqueles
Como os do Mussulo»
Sim, mãe, sim... como os do Mussulo...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Março de 2015

O salivar ciúme da solidão


Não consigo encontrar os alicerces do dia
das crateras da tua voz oiço o salivar ciúme da solidão
viver dentro de uma caixa em cartão
e a noite desaparece na carlinga do beijo
descem sobre os teus ombros os rochedos da paixão
as palavras emigram como sementes de vento
contra as ruínas do teu peito
ausente
as pessoas
os dias
as viagens sem regresso
na ponte metálica das marés de vidro

há na tua voz um círculo de luz
que vagueia entre o luar
e a sofrida canção da madrugada
o xisto poisa na tua mão
como se ele fosse uma rosa embalsamada
folhear os joelhos dos livros enganados
o rio em suicídio contra a montra do sofrimento
e dos teus seios
oiço...
o salivar ciúme da solidão
na cárcere
doido

perdi-me neste emaranhado complexo de equações
sem solução
o quadriculado papel em chamas
ardente dos lábios em fuga
e não suporto as lâminas de aço do medo
perdi-me
doido
na cárcere das ardósias clandestinas e vaidosas da tarde
a tarde...
é tarde meu amor
é tarde
quando adormeço nos teus braços.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Março de 2015