quinta-feira, 17 de outubro de 2013


Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola
Francisco Luís Fontinha

Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...

foto de: A&M ART and Photos

Escrevo-te como se hoje fosse o meu último momento antes de partir, lá fora espera-me um bar recheado de alfazema e flores artificiais sobre as mesas, há cinzeiros que não me servem de nada, deixei de fumar, viver vivo como um mendigo suspenso no olhar da claridade nocturna das mãos de porcelana das candeias a petróleo, precisava de uma janela, precisava de uma porta e não me deixaram nada, apenas flores
Artificiais?
Sinto-o sufocado, deixou de ler, deixou de escrever, deixou de amar como amam os homens de cabelo cinzento, e deixou de pertencer ao infinito amanhecer para integrar o pelotão fantasma da solidão,
E uma lápide chora,
Dorme,
Inventa sepulturas nas rochas fundeadas no mar junto ao cais onde estão aprisionados barcos, veleiros e gajas com vestidos de chita, as ovelhas pastam nos longínquos lameiros da casa assombrada, e sem luz, e sem dinheiro...
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
Não o é, nunca o foi, nunca o conseguirá ser, porque nasceu para ser trapezista num circo de aldeia, porque se apaixonou por uma bailarina e desde a fuga das ruas caneladas que habitavam os silêncios marginais dos aparelhos enferrujados, tais como, torradeiras, máquinas de lavar roupa, máquinas...
As gajas não me amam, queixava-se ele na confissão ao padre Abílio, e máquinas, e máquina de costura com mais de setenta e cinco anos, e a última vez que escrevi no teu corpo de insónia, foi, deixa-me recordar,
Não foi, esqueci-me que nunca tiveste corpo, esqueci-me que eu nunca soube escrever, e esqueci-me que tu és apenas uma janela sem vidros, pregada na fachada de um edifício, sem dentes, sem boca e lábios, e que afirma convictamente que os beijos são
Chocolate,
Que os beijos são de chocolate,
E eu, detesto, não gosto de chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava e via dentro dela o cortinado rendado em voltas circunflexas devido à presença não permitida do vento, e
Proibida a entrada a pessoas estranhas à obra, e gajas com o corpo recheado de palavras, alguém tinha escrito nos seus corpos de granito, esculpido um desejo, desenhado um orgasmo, proibido fumar em recintos fechados, dentro do teu corpo, não, dentro dos teus abraços, não,
Chocolate,
No confessionário,
Que os beijos são de chocolate,
Ou
Não...
Que tu serás, foste e és a mentira mais linda que alguma vez existiu dentro dos meus olhos de verniz, que você pertenceu aos cogumelos venenosos e mendigos das florestas comestíveis em tarde de neblina, vinham-nos pedir para subirmos ao sótão da ingratidão, recusávamos, e tu
Não fumo, obrigado,
E tu ficavas inerte, indecisa entre
Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...
(Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...)
E eu, detesto, não gosto de chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava e via dentro dela o cortinado rendado em voltas circunflexas devido à presença não permitida do vento, e o crucifixo das tuas sílabas de madrugada solitária deixava-se adormecer enquanto tu, tu rezavas às escondidas, e eu, detesto, não gosto
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
De chocolate, dizia-me ela sempre que a olhava, Olha, sabes? Não, diz, O nosso telhado sofre de infiltrações, sinto quando chove... sobre o meu rosto pequenas gotas de plasma com pétalas de rosa, fazia de conta que não a ouvia,
Desculpa, não percebi, Dizes-me que o cortinado da sala de jantar está perdidamente apaixonado pela persiana da vizinha do terceiro direito? Não, não o pode ser... era o que nos faltava agora,
Apaixonados...
As gajas não o amam,
Se fosses rico, filho!,
(Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...Amo-o, não o amo, amo-o, não o amo...)
E decididamente, não.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 17 de Outubro de 2013

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?

foto de: A&M ART and Photos

Este corpo não é o teu, esses olhos com que iluminas as noites cansadas na solidão da insónia... não são os teus, essa boca, e esses lábios, não te pertencem, não é a tua boca, não são os teus lábios, as noites com que embrulhas as palavras, não o são, as tuas pobres noites embriagadas com sofrimento e dor, e a vida que vives, também não te pertence, não és nada, apenas uma imagem deixada num banco em madeira, sentas-te na penumbra, olhas-me sabendo que eu não te vejo, porque tu não existes, porque tu nunca exististe, és uma mentira pregada numa cruz metálica, foste crucificada quando as nuvens ainda eram nuvens e hoje, como tu
Não são nada,
Esse corpo que estampas nos meus olhos não é o teu corpo, e os seios que trazes no peito... são apenas tangerinas perdidas nos muros de xisto enroladas em socalcos, abelhas e pedaços de pólen, não são nada, e tudo em ti, apenas janelas de cansaço com cortinados de algas com perfume de mendicidade, gostava de ser como tu, invisível, transparente, gostava de pertencer às pedras com películas mergulhadas em sais de prata, gostava de ser uma fotografia tua,
Não são nada,
No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?
Como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, saltar à corda, jogar à bola, ao espeto... partir vidros por falta de pontaria, rir, brincar, chegar ao espelho e não acreditar que já não pertences aos corpos verdadeiros, em carne, ossos, palpáveis, comestíveis, corpos como aqueles que vivem nos edifícios das cidades dos machimbombos envenenados pelas tempestades de verniz que sobejaram das tuas unhas, como tu, o xisto esfarela-se e voa sobre os limos das volúpias ensanguentada que os mabecos deixam ficar sobre os charcos da infância, o livro de ti apaga-se, esconde-se dentro de gaveta da cómoda, sobre a mesa-de-cabeceira deixavas ficar as tuas pulseiras, os anéis... e outras tantas bugigangas, e as tatuagens que trazes no teu ombro esquerdo, hoje
No sorriso da lua, esse corpo pertence-te?
Hoje parecem cromos dispersos dentro de uma caderneta inacabada, extinta, húmida quando entra-nos pela janela o jardineiro, o frio, e os arbustos da despedida, depois ouvimos o rio, o rio com braços, pernas, púbis e coxas, e mandíbulas em aço inoxidável,
Ferro forjado,
Enferrujado e velho, as cordas dos tentáculos de vidro invadem o teu corpo, e dizem-me que...
Esse corpo não é o dela,
E dizem-me...
Ferro forjado, ferro e ferro, ferro do bom, ferro verdadeiro, corpo molhado sobre os lençóis da despedida em arbustos de lágrimas, o apito do teu vazio peito, o uivo do teu lento olhar, a bandeira dos teus alegres cabelos... e mesmo assim
Tu nunca exististe,
E mesmo assim...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Ontem?
Porquê ontem?
Tu nunca exististe,
E mesmo assim...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Ontem?
E nunca sei quando é Domingo, e nunca percebo porque acreditam as rosas nas folhas do teu livro... e ainda lá dormem, e depois
Ontem?
Dizias-me que esse corpo não era o teu, que não, pois as montanhas não falam e os pássaros não são barcos e as sanzalas não são tardes de melancolia, e o musseque não é a Primavera, o Outono...
Gosto de ti, gostava de ti, não o sei... talvez, amanhã, ou
Não falas, e dizes-me que esse
Corpo?
Não, não... e dizes-me que as minhas mãos são de pergaminho.


(não Revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 16 de Outubro de 203