sábado, 25 de maio de 2013

desenho de: Francisco Luís Fontinha – Alijó

Mostra-me onde fica o mar, sussurra-me poemas como quando sinto os cortinados da minha janela, porque acorda o dia, a cintilarem, dançam entre vidros e sombras de luar, mostra-me, se não tiveres medo, onde fica a casa do amor, o silêncio do desejo, mostra-me, sem pudor das imagens, o mar, as palavras do mar, fica, não vás agora para a distante solidão dos desejos de amar, mostra-me, mostra-me o que é o amor, e eu, oferecer-te-ei este desenho, este desenho das minhas mãos, quando eu, ainda tinha mãos, e tu, vagueavas dentro da minha cabeça como os peixes no aquário da paixão; amar-me-ás? E se eu confessar-te entre murmúrios e sons melódicos que te amo... zangar-te-ás como fazem os pássaros quando lhes retiramos os cobertores nocturnos da geada? Guarda-o, e não tenhas medo, deste, dos outros, de tantos e tantos... desenhos meus.

Francisco

nem pertenço ao mar, nem pertenço à terra

foto; A&M ART and Photos

O escritor não sou eu, os cigarros terminaram quando ainda pertenciam-me coisas pequenas, pássaros e poemas, secretárias que vomitavam palavras, cidades que flutuavam entre manchas de sémen e flores de pétala encarnada, o escritor morreu, não me pertencem as palavras que escrevo, que ele escrevia para mima, e eu, amava-o loucamente como quem ama uma árvores, um pedestal sem estátua, ou... escrevia-me nas costas enquanto eu, dormia, imaginava-me dormir dentro dos teus braços, hoje partiste definitivamente de mim, acabaram-se-me palavras e cores e os riscos desordenados das noites de Sábado, hoje
escrevia-te palavras vãs em teus olhos verdes, poisava os cotovelos sobre a secretária, mal educado, ouvia eu da tua triste boca, eu, sem sentido, não me importava que de ti acordassem glândulas e células onde eu guardava as palavras para ti, meu amor, e sinceramente, aos poucos fui desistindo dos teus lábios, ficaste confuso, tu, o homem que veste o meu corpo, me transportas para as imagens longínquas de uma cidade que ainda hoje, não Sábado, não consegues pronunciar, e da minha Luanda infinita com o mar arregaçado até aos tornozelos, tu, desististe de me transportar, de me amar, e assim, perderam-se-me todas as palavras que te escrevi...
Odeio-te como odeio as chuvas tempestades sobre os rios de brincar,
flutuávamos como alicerces de edifícios em ruína, éramos aço que cobria o esqueleto dorsal de um paquete não baptizado, levianamente, desaparecias durante a noite, provavelmente, vestias-te de peixe, e voavas sobre o capim ruidoso que os mabecos rosnavam antes de adormecerem, esperava-te na cama mergulhada em livros, papeis velhos e canetas de tinta permanente, perguntavas-me qual era a minha terra e eu respondia-te que sinceramente, ou
Provavelmente,
ou...
Não tenho terra, aqui não me conformo, não me revejo, e lá, lá não me querem como cidadão Angolano, portanto, além de te perder, além de perder as tuas palavras, os teus abraços, os teus doces lábios, perdi também a Pátria, e considero-me um apátrida, nem pertenço ao mar, nem pertenço à terra,
ou,
Odeio-te como sabias que todos os calendários inventam dias, e que todos os relógios, os pobres, e os ricos, todos, comem horas, minutos e segundos, e subíamos a um coqueiro com asas de vidro, e sentia-te em mim, e sabia-te disfarçado de sebenta com palavras, e palavras, palavras...
a quem pertenço eu? A que corpo pertencem os teus lábios que saboreiam o meu pescoço? Às palavras não ditas, por medo, covardia, Qual é a minha Pátria?
Quem diria, que eu, um dia, procurasse nos caixotes de cartão a tua fotografia, quem me diria, se eu te odeio, desde que morreste-me nas mãos em palavras,
vãs,
E nunca, pára de mentir-me, porque nunca vivi na Vila Alice, porque, nunca, vivi no Bairro Madame Berman, e
vãs, sãs, e nunca, nunca te esqueças, meu grande sacana, que o teu querido corpo, é meu e pertence-me, leva as tuas palavras, leva-as, mas deixa-me o teu corpo para eu brincar no espelho do guarda-fato enquanto não regressa o Inverno...

@Francisco Luís Fontinha

Na montanha dos lápis de cor

foto: A&M ART and Photos

Voávamos entre as gaivotas assassinas
que todos os finais de tarde
acordavam
voávamos como livres pensadores
sentados debaixo de um qualquer plátano que o tempo esqueceu em nós,

Havia um mar desenhado nas rochas que brincavam no teu peito cerâmico
e os barcos nossos que laçamos em viagens circulares
ouvíamos-los pacientemente chegando ao pôr-do-sol
que do teu corpo
aconchegava a maré dos vértices de luz,

Voávamos entre... assassinas
que das tuas mãos se erguiam quando encerravam o sol numa caixa de vidro
e os lábios oiro que construíam sorrisos nas margens do rio
voavam como nós
voávamos sobre as lápides como crânios selvagens vivendo na montanha dos lápis de cor,

Sem percebermos que éramos sibilantes palhaços de pedra
procurando as nuvens inventadas pelas loucas tardes tuas
que o prazer acorrentava nos teus finos braços de crisântemo envelhecido
voávamos
voávamos às viagens de cartão em redor de um pilar de areia,

Voávamos de mão dada entre gaivotas assassinas
e noites de literatura
esquecíamos as tardes de poesia e subíamos as escadas em caracol
que nos levavam até ao telhado silêncio da cidade das algas tuas coxas
e ficávamos... assim... como hoje... à espera que terminasse o dia.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha