segunda-feira, 6 de maio de 2013

“linda, como as portas envidraçadas que serviam de acesso ao escritório”

foto: A&M ART and Photos

Atravessava as portas pintadas nas paredes verdes como se tivesse a formula mágica de enrolara-me num pequeno ponto de luz, mergulhar na profunda escuridão da tarde meia adormecida, meia cambaleante devido aos soluços pulmonares que os pedaços de alcatrão encontraram ao adormecerem dentro da caverna esponjosa e a esposa, a minha, apressadamente a derramar pingos de xarope numa colher para me aliviar os brônquios, ouvia-o a ele
tens os brônquios entupidos, queres que te faça o quê? E claro, senhor Doutor, claro, e repetidamente – Se ao menos deixasses de fumar? - pois, senhor doutor, pois...
Eloquente, audaz, simplicíssima como rosas brancas acabadas de colher, era eu disfarçado de deusa do Sol, depois de ponto de luz, agora, neste momento, uma bomba louca de hidrogénio, fervilha, fervilho até enlouquecer os sons poéticos das minhas palavras deixadas adormecidas nos teus lábios, quando, assim... me despeço, caminho, percorro palavras distanciando-me da madrugada, e pois,
o maldito xarope, a maldita respiração, parecendo uma velha habitação de montanha com a canalização entupida, imunda, extremamente frágil como as borboletas em redor dos orifícios profundos dos meus espelhos ornamentais que herdei de um tio que por razões desconhecidas, dizem as crónicas, perdeu-se algures numa cidade no Brasil, quando regressava à aldeia fazia-se acompanhar de um palhinhas, um terno devidamente confeccionado, e na lapela usava uma rosa de papel, encarnada
Eloquente,
linda, como as portas envidraçadas que serviam de acesso ao escritório, lindas, as portas envidraçadas quando te escondia nas traseiras, nua, não nua, ou apenas afumar o teu último cigarro, e da tua mão, vinha-me o cheiro do teu último uísque,
não, amor, não me apetece, hoje,
E ouvíamos os rosnar do motor do velho Kadett, e líamos o último poema da noite, simples, uma quadra, duas quadras, tu, sempre tu a escolheres o doce AL Alberto, porque eu, há muito deixei de acreditar nas palavras, porque eu há muito deixei de acreditar nos silêncios, porque o silêncio não existe, existe, sim, e sempre, um pequeno som, uma pequena sombra de lítio, ou um sonífero de iodo, como quando experimentávamos as lâmpadas florescentes como roulotes de farturas e churros, bifanas e cerveja com tremoços, e tu dizias-me
cansada, meu doce príncipe das noites mal dormidas,
E eu dizia-te que um dia, quando pudesse, compraria uma cabana no cimo da montanha azul, e lá construíamos os alicerces dos chás de camomila e pericão, e de lá, sentados sobre uma pedra de incenso, ouviríamos uma música dos Fingertips, apenas porque apreciamos a melodia, e recordamos as terras sibilantes de S. Pedro do Sul, descíamos até às termas, visitávamos a campa dos avós, e novamente regressávamos à nossa enorme pedra de granito, a rocha desejada e que nos tempos mortos do dia, servia-nos para brincarmos às escondidas,
sempre a brincar, meu maroto
Não, amor, não me apetece, hoje,
boa noite palavras de ninguém, hoje somos muitos, amanhã, ou depois de amanhã, poucos ou nenhuns, porque o vento leva-nos os amigos, o amor, e a saudade, e deixa como moeda de troca, o desejo, a solidão de dois corpos, frios, húmidos, dois corpos que outrora foram os audazes cinzentos edifícios da grande cidade, toca o telemóvel, nada de especial sinal de chegada de correio electrónico, publicidade, malabaristas a oferecerem-me emprego sabendo que estou desempregado, envio o meu currículo, e depois, depois fico com o meu endereço de correio numa base de dados que serve exclusivamente para vender coisas, que
“linda, como as portas envidraçadas que serviam de acesso ao escritório, lindas, as portas envidraçadas quando te escondia nas traseiras, nua, não nua, ou apenas afumar o teu último cigarro, e da tua mão, vinha-me o cheiro do teu último uísque”
acaba de ganhar uma viagem para duas pessoas, e como eu apenas sou um, desisto, apago, finjo que não recebi, em seguida que têm trabalho para mim, mas, e claro, há sempre um mas... tenho de ter Internet, telefone fixo e disponibilidade, e o mais importante
Sigilo, o máximo de sigilo,
tem telefone fixo, senhora Maria? Maria? Não sou Maria, sou Teresa... oh... parvoíce a minha, Maria é a senhora do portão encarnado, mas... tem telefone fixo senhora Teresa? Eu? Não senhor... menino,
Ofereço-lhe um, chamadas ilimitadas para todas as redes, e tudo por apenas quinze euros mensais, que acha? Acho bem, sim senhor...
e o universo gira entre vidros em portas de escritório, o último uísque, o último poema, depois de várias carícias, o ultimo orgasmo e o penúltimo poema, e o tão esperado... último cigarro, atravessava as portas pintadas nas paredes verdes como se tivesse a formula mágica de enrolara-me num pequeno ponto de luz, mergulhar na profunda escuridão da tarde meia adormecida, meia cambaleante devido aos soluços pulmonares, e da sala ouvimos a campainha do telefone que o gajo nos impingiu e que não nos serve de nada...
Vidros, portas, paredes verdes e corpos encapuçados como cobertores de insónia.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 5 de maio de 2013

Wotan`s Farewell and Magic Fire Music

foto: A&M ART and Photos

Para que servem as pontes, se eu, não as consigo atravessar, porque é-me proibido fazê-lo, por decreto, por desejo, pelas vertigens do medo, sento-me junto à margem do rio e imagino-me a atravessar a ponte para o outro lado, ignoro-me, finjo-me adormecido, talvez assim consiga perder a tristeza e acreditar que do outro lado, me esperam, espera, o meu regresso ao principio infinito das melancolias perdidas entre paredes, vermelhas, paredes, azuis, paredes... ai, paredes verdes, como as da cela onde estive até hoje enclausurado,
(escrevo e oiço Hans Hotter "Wotan`s Farewell and Magic Fire Music" Die Walküre)
Sinto-me voar sobre as ponte que atravessa o rio, sinto-me mergulhar nas tuas coxas como se elas, as tuas coxas, fossem um montículo de palha, de barriga para o ar, olhava-te os buracos que o tempo provocou nas telhas do palheiro, o teu palheiro, visto seres um pequeno montículo de palha, o meu corpo ficava encharcado de praganas, picavam-me, sinto-a, a maldita comichão, mas... compensa acariciar a tua pele de neblina em pedaços silêncios, mas compensa, sempre, mas compensa-me ficar aqui, e esperar que a ponte me venha buscar, e pegue na minha mão, como tu o fazias, não propriamente, mas imaginavas fazê-lo quando me convidavas para te abraçar perto dos arbustos do jardim em Belém, ao fundo o CCB, entrávamos, tomávamos café, e comprávamos livros, livros
que hoje pego neles e me fazem recordar-te no tal palheiro imaginário contigo travestida de montículo de palha...
(escrevo e oiço Hans Hotter "Wotan`s Farewell and Magic Fire Music" Die Walküre)
Livros, malditos de ti os livros oferecidos pelos olhos amargurados que o dia transportava para um quatro de hotel, havia uma cama, montículos de palha, havia um tecto, não como o teu, mas liso, areado liso pintado de branco, como o céu em dias de chuva embriagadas todas as janelas da cidade, abria-as e puxava de um cigarro para te saborear e para te chatear e para me distrair... que horas depois, partiria e te ia deixar
sempre imaginando que seria a última vez de mim dentro de ti,
Sempre inventando palavras para descrever os montículos de palha em que tu te transformavas, sem o saberes, apenas eu, quando te alisava a pele, percebia-se, apercebia-me que também tu receavas a partida, também tu encontravas formas distintas de adiar o inadiável, não fumavas tu, mas deixas-me adormecer nos teus braços de selva fazendo-me acreditar que havia sempre um outro dia, num outro mês, numa outra cidade, fazias-me acreditar que havia um outro hotel, com uma outra cama, num qualquer palheiro, não propriamente o teu, um outro, um outro qualquer, não importava, não nos importavam se havia semanas de quatro dias, ou se o dia tinha treze horas, até porque
tínhamos, lembras-te?
Deitamos fora os relógios de pulso, e rasgamos os calendários e as agendas, deitamos fora o ano de dois mil e quatro, e quando me olhava no espelho da tua testa franzina... via-me de pássaro a saltar sobre as árvores perdidas pelas ruas que íamos deixando abandonadas,
havia sempre um rua para nos acolher,
Sempre,
(escrevo e oiço Hans Hotter "Wotan`s Farewell and Magic Fire Music" Die Walküre)
e penso, não em ti nem nos montículos de palha seca como tu quando te transformavas em desejo, e penso, penso porque tive medo de atravessar a ponte e recusei-me encontrar-te do outro lado do Oceano, algures entre a terra e o mar e a lua, algures numa ilha deserta, sem ninguém, algures... por aí disfarçado de paquete galgando searas e montanhas, e sempre
Sempre acreditando que um dia perdia o medo de atravessar uma simples ponte,
e não consigo,
Sentávamos-nos na esplanada do CCB e víamos adormecer Lisboa...
Tão lindo, e tão belo, quando te vestias de montículo de palha, e eu, e eu acariciava os teus dóceis venenos que escondias entre os dedos de alga salgada.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Os castelos de sal

foto: A&M ART and Photos

Percebia-te infindável pelos teus olhos de maré luar
escondias-te das minhas mãos e da minha pele rasurada por uma caneta de tinta permanente
percebia-se que em ti viviam estrelas de madeira
e perfumes como caixas de música
havia em ti uma janelinha de amor
e um pedacinho de suor quando descia a noite das árvores adormecidas,

Censurada
tu habitavas como eu em mim entre abelhas de aço
e pequenos grãos de areia que o mar escondia de nós
tínhamos o mel das noites quando adormeciam os cobertores da dor
sempre que tu e sempre que eu e sempre... apenas vivíamos percebendo-se pelas linhas de giz
que o vento um dia vinha procurar-te entre os destroços dos vidros estilhaçados,

Percebia-te infindável... maré luar
e mesmo assim subi à árvore dos silêncios para trazer-te do sonambulismo desejo
onde vivias pensando que de mim havia luzes coloridas como te tinhas habituado à cidade...
dos sonhos proibidos e inventados e imaginados
porque viviam nas caixas de música
os eternos poemas do homem encapuçado pela noite dos castelos de sal.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Espelho dos sonhos

foto: A&M ART and Photos

Dizem que me inventaram numa noite de espinhos
quando dormia o sono
e todos os cheiros do teu corpo
deambulavam entre paredes de gesso
e pequenos quadrados de vidro
que a insónia lhes pegava com a mão
e os acariciava num espaço vazio
penumbro,

E fino como as asas dos anjos de brincar...
estou a falar da janela dos sonhos
e do espelho da saudade
onde me miro todos os dias ao acordar
e vejo-me crescer como crescem as ervas debaixo das lâminas de papel,

E vejo-me voar sobre as pétalas encarnadas da tristeza
dizem-me que fui inventada
pela mão de uma nuvem cinzenta
quando ainda existiam nuvens cinzentas na planície dos malignos esconderijos da paixão,

Hoje sou poeira como cigarros num quarto de vidro
a que alguns chamam de cinzeiro
outros delírios meus enquanto não me absorves e te alimentas de mim
dizem que fui inventada por ti
e aqui estou
esperando pelas tuas mandíbulas azuis que vivem dentro do medo,

Esperando pelas tuas mãos de cedro
que trazes nos olhos e das estrelas vadias...
os fins de tarde entalados no Tejo depois de amarelos peixes esquisitos
abraçarem-se-me e levarem-me antes de regressares para me resgatares do inferno
sentido que o amor deixa impregnado nas roupas minha pele...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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