terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Às quatro paredes invisíveis da abelha inseminada


A casa louca às quatro paredes invisíveis
que o deserto africano constrói
sobre o cansaço adormecer de uma árvore voadora
e a triste saudade que uma simples folha de papel tece
na boca inocente do morcego
há noites que comem as outras noites incompletas pela imensidão arte do esconderijo
sôfrego
sofrido mendigo do prazer amigo

há ainda noites
separadas
amantes
dramatizadas
viúvas
casadas

doentes
sofridas marés de solidão
que os barcos do desejo rompem
esmagam
nas planícies faces xistosas da pele de uma abelha
à procura desenfreadamente pelo regresso das vozes de granito

não sei
eu
a casa de ramos e esterco empilhados sobre as camas do abismo
janelas sem guardião
portas de entrada sós
uma mulher com asas
não sei
eu

na fogueira mãe abraços
em brasas de sémen do tecto do palheiro
as teias de aranha cinzentas empobrecidas pelo fumo do cachimbo de prata
lata
que a noite comida pela noite anterior
deixou ficar
abandonada
sobre a mesa de quatro patas
o amigo o cão amigo de areia
à espera do mar que incendeia
que semeia os penhascos incensos do amor proibido
a lata inseminada pela cerveja fumegante dos espíritos às insónias molduras

quatro simples fotografias
eu
ele
ela
e a manhã em que me despedi de Luanda...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Marinheiro de Luz


Achas-te superior
indigente
com falta de amor
como muita gente,

achas-te superior
rainha das coisas boas
montanha de luz
achas-te uma flor
uma simples flor
com pernas de cansaço
e braços
aos abraços
oiço o balançar da porta de entrada
truz truz truz
ninguém será certamente para me dar nada
nem uma simples corda de aço,

um prato com sopa de legumes encarnados
vinho do porto velho como os pássaros com asas de mar
(achas-te superior
indigente
com falta de amor
como muita gente)
e às vezes
multiplicam-se as manhãs de inverno
cresce o inferno
maré de marinheiro
quando eu sentado no barbeiro
penso solitariamente nas nuvens de barbear,

sinto-te em espuma no meu rosto envelhecido
e das saudades
as pequenas saudades
correr amar correr livremente
e voar
e amar
voar até cair nos teus braços
abraços
uma corda de aço
do tão construído cansaço
a espuma de ti mergulhada no meu simples desenho da alvorada
e tão triste e tão só tudo aquilo que foi esquecido,

achas-te superior
indigente
com falta de amor
como muita gente,

mas continuarás a ser uma resma de palavras
sem nexo
moribundas quando a mergulhada canção de amor
não é uma flor
é uma canção
que sofre
que dói
e mói
as pedras finas da calçada dos amores proibidos
e dói
mói
a doçura tristeza do desejo.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As cinco primeiras insónias da madrugada

Suicidou-se nos meus braços,

Quatro filhos, um marido alcoólico, o amante constantemente com as primeiras cinco insónias da madrugada, um cão, um pássaro, que mais ela podia desejar?

Saía de casa por volta das 04:30 horas, ainda não tinha acordado o dia, levitava-se pela casa em bicos de pés, beijava na face cada um dos filhos, rogava uma praga ao marido embriagado e pensava nas primeiras cinco insónias do amante, pegava-lhe na fotografia ao de leve, e beijava-o docemente

Nos meus braços,

O cão sabia ler, o cão sabia escrever, e o pássaro

Nos meus braços,

Fazia a contabilidade da casa, organizava os jantares de família, digamos que ele era a governanta lá do sítio, cabisbaixo, de asas poisadas sobre a lareira dos sonhos, fazia contas, e quando chegava à prova dos nove

Foda-se a conta está errada,

Nos meus braços, os fósforos que a morte come quando de deita o dia, chega a casa cansado, desinteressadamente infeliz, faltava-lhe tudo, os rebuçados, as guloseimas, as amêndoas de chocolate e o caramelo Espanhóis que o contrabandista do zarolho oferecia todos os anos pelo Natal, felizmente já faleceu, e vimos-nos livres dos caramelos

O meu pai sempre disse, isto um dia vai acabar mal, nos meus braços, O cão sabia ler, o cão sabia escrever, e o pássaro

Enfaixado nos caramelos de Luz, chovia, o meu pai acordava todas as manhãs embrulhado em vómitos e crateras de sulfato de amónio nos lábios, acendia o cigarro da desgraça, o cão impaciente, o pássaro fodido, e a minha triste mãe de lágrimas nos olhos a escrever as queixas nas faces rosadas do amante, faltava-lhe qualquer coisa

Nos meus braços, suicidou-se ao entardecer,

E o meu pai sempre disse, isto um dia vai acabar mal, nos meus braços, o cão sabia ler, o cão sabia escrever, e o pássaro não resistiu aos salpicos das garras do gato do vizinho que aproveitando a janela da cozinha entreaberta, zás..., fodeu-lhe o pescoço

Enfaixado nos caramelos de Luz, chovia, o meu

Foda-se a conta está errada,

Docemente a beijava, sem perceber que a casa ardia na fogueira da paixão, os meus queridos irmãos

Suicidou-se nos nossos braços,

Eu

Caminhava com quatro filhos, um marido alcoólico, o amante constantemente com as primeiras cinco insónias da madrugada, um cão, um pássaro, que mais posso desejar?

A morte,

O gato constrói um arroto que todo o prédio presenciou sonoramente, na Antena 3 desenhava-se o Planeta 3 nas falsas palavras dos livros dele, os uivos, os gemidos, os milagres concedidos à minha querida mãe, e que hoje partilha uma assoalhada bem lá no alto

A morte de um orgasmo,

Bem lá no alto, No céu?

Os meus três irmãos os estúpidos de sempre, engasgados nas asneiras da literatura vendida no vão de escada, subia-se, subia-se

No sexto andar seus parvalhões,

Subia-se até que chegávamos ao céu,

Eu, três irmãos, a minha querida mãe melancólica, o meu paizinho sempre embriagado, o amante da minha mãe constantemente à procura das cinco primeiras insónias da madrugada, um cão, um pássaro, que mais eu podia desejar?

A morte de um orgasmo

Na cabeça da lua, nos braços

Bem lá no alto, No céu?

Suicidou-se nos meus braços sem perceber que eu era um cadáver ensonado que de jardim em jardim, que de embarcação em embarcação, que de autocarro em autocarro (riscar autocarro porque estão em greve), que de papoila em papoila

Bem lá no alto, No céu?

A morte de um orgasmo depois do suicídio das lâmpadas de néon que todos eles utilizam no Natal,

A morte de um orgasmo

Na cabeça da lua, nos braços

Bem lá no alto, No céu?

Sim, no céu, os dias deixaram de ser dias, os dias, pequeníssimas folhas de papel voando sobre um ninho de cucos...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó